A insônia é um distúrbio de sono que pode afetar o antes, o durante e o depois do momento de dormir. É identificada pela dificuldade de adormecer e de manter o sono ou pelo acordar antes do programado. De acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS), de cada três brasileiros, pelo menos um tem insônia.

Nesta entrevista, o psiquiatra Luan Diego Marques aborda as causas e as consequências da insônia e como combatê-la.

Médico formado pela Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), ele tem residência médica em psiquiatria pela Universidade de Brasília (UnB), onde também fez mestrado em saúde. Possui experiência em psiquiatria ambulatorial e hospitalar no Sunnybrook Health Sciences Centre, na Universidade de Toronto, Canadá, e formação em neurobiologia e medicina do sono pela University of Michigan, Estados Unidos.

Natural de Brasília/DF, atua na área da saúde mental desde 2013 com prática em psiquiatria clínica, atendimentos ambulatoriais, parecer psiquiátrico hospitalar e emergência psiquiátrica. Também é professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário Unieuro, professor e pesquisador na UnB, sócio e responsável técnico do Instituto Meraki Saúde Mental.

Luan acredita que, para garantir um tratamento de alta qualidade, é preciso não só entender os sintomas, mas também a situação de vida do paciente. Por isso, trabalha com a abordagem integral do indivíduo e todas suas consultas são planejadas para que haja tempo suficiente para uma boa avaliação. Trata-se de um médico que realiza atividade clínica ambulatorial sob o foco de que cada pessoa é única e deve ser avaliada e compreendida como um todo.

Por que se tornou psiquiatra e o que o levou a trabalhar com a abordagem integral da pessoa?

Meu processo de escolha da especialidade em psiquiatria se deu em 2012 quando eu estava finalizando minha formação médica. Na ocasião, eu não imaginava ser psiquiatra, inclusive pensava que a psiquiatria era uma especialidade difícil, muito densa, com vários estigmas. Quando eu estava próximo de concluir minha faculdade, meu pai teve um acidente de trânsito gravíssimo e passou muito tempo na UTI com risco considerável de não sobreviver. E aquele momento mostrou não só uma grande vulnerabilidade de alguém que eu amo muito, mas minha própria vulnerabilidade. Eu tive que lidar com um provável luto e um sentimento de perda muito grande que impactou totalmente minha expectativa de futuro e minha funcionalidade diária. Um colega então sugeriu que eu conversasse com a psiquiatra do hospital onde era estagiário interno de medicina. Tive então contato com essa psiquiatra, que me mostrou uma psiquiatria linda, humana, a qual, para além de medicações, englobava o poder da comunicação, do afeto e do acolhimento. Eu percebi a potência dessa comunicação como ferramenta terapêutica e imaginei como poderia entrar nesse campo de cuidado emocional. Então a minha história com a psiquiatria começou a partir de uma desconstrução. Tive que lidar com minhas preocupações, angústias e meus medos e desconstruir alguns pontos para reconstruir. E eu vejo que, se moldar como pessoa, no ser social, na forma como interagimos com o ambiente, é desconstruir para reconstruir. E a gente sempre pensa que desconstruir é um problema, mas, na verdade, descontruir também é uma parte de um processo de desenvolvimento. Então me tornar psiquiatra vem desse processo de lidar com angústia, me descontruir para me reconstruir. Decidi naquela época que eu seria psiquiatra e que iria auxiliar outras pessoas nesse processo. E é assim que busco fazer isso até hoje.

Fale um pouco mais sobre a abordagem integral da psiquiatria.

Uma medicina integral, uma psiquiatria integral, conversa com o outro para além do que ele sente, mas o que representa cada sensação. Qual é o significado do medo? E a insônia, qual é a origem dela, seu significado e como ela impacta? A integralidade no cuidado em saúde significa não só entender o sintoma, mas entender o significado desse sintoma. Porque a gente não auxilia em si o sintoma, a gente quer melhorar o impacto que determinada sensação gera no indivíduo. Porque se a gente pensa só no sintoma, a gente pensa em remédios e, muitas vezes, o remédio pode tirar o sintoma, mas ele não tira o significado, ele não muda a funcionalidade daquela pessoa. Então um cuidado integral, uma abordagem integral, olha para além do que o paciente acha que ele vai falar, olha para a relação familiar, para a relação social, a relação com a alimentação, a relação da pessoa com ela mesma, a relação dos medos e das necessidades sobre o próprio estigma que tem com relação à medicação.

Quais são as principais causas da insônia?

Nós temos uma divisão sobre suas origens. A insônia primária é aquela que surge por si só, o que é algo muito raro. Já as insônias secundárias, que representam 90% dos casos, são aquelas em que sensações, emoções ou adoecimentos relacionados interferem na construção do nosso sono. O principal problema que gera insônia são substâncias, principalmente o excesso do uso de cafeína. A gente sabe que as pessoas hoje estão muito cansadas ou se cobram muito num contexto de produtividade e isso gera uma necessidade de uso de energéticos, cafeína e, em algumas situações, até substâncias psicoestimulantes, entre elas, anfetamínicos. O que é grave, pois geram insônia e insônia é fator de risco para outros adoecimentos, como ansiedade e depressão. Além disso, pessoas que já têm uma ansiedade exacerbada, seja porque têm um perfil genético favorável, seja por um emprego ou um momento de trabalho muito complexo, com muitas demandas, com um risco de adoecimento maior, em que a ansiedade aumenta. Essas pessoas são mais vulneráveis a terem insônia, seja para iniciar o processo de dormir, seja para continuar o processo do adormecimento, que é quando se acorda muitas vezes na madrugada.

Quais as principais consequências da privação do sono (físicas e mentais)?

As consequências físicas e mentais estão bem relacionadas, mas a principal consequência física é o aumento do risco de adoecimentos cardíacos. As pessoas que dormem pouco ou dormem mal liberam muitas substâncias inflamatórias. Ao mesmo tempo, liberam substâncias anti-inflamatórias, como o cortisol, que são os hormônios do estresse, e essas substâncias atacam diretamente nosso sistema cardiovascular. Então riscos de AVC e de problemas cardíacos estão aumentados em pessoas com insônia. Outro problema físico é a dificuldade em regular o apetite, por isso pessoas que dormem mal tendem a ter piora na qualidade alimentar e, consequentemente, no seu metabolismo. Isso pode gerar um prejuízo significativo de peso, o que é raro, mas existe, e pode gerar um ganho de peso exacerbado, o que é muito comum. Já as principais consequências psíquicas são adoecimentos como ansiedade, depressão, compulsões alimentares e problemas de impulsividade. São pessoas que têm o controle dos impulsos prejudicados e, portanto, gastam mais, compram mais, brigam mais. Então a insônia leva a esses adoecimentos psíquicos que pioram a insônia e isso vira um ciclo.

Em que faixa etária a insônia é prevalente e por quê?

A insônia acontece principalmente em adolescentes e em adultos jovens, pela demanda de trabalho, pelo grau de estresse a que são submetidos, pela não higiene do sono, ou seja, o ato de organizar o sono diariamente, reduzir luzes, melhorar os estímulos, evitar substâncias que o atrapalham. Portanto os adultos jovens, entre 15 e 40 anos, são as pessoas que mais sofrem de insônia. A gente sabe que, com o passar da idade, nossa necessidade de sono reduz. Só que temos outro pico de eventos de insônia nos idosos, que, muitas vezes, perdem a capacidade de regular o que é dia e o que é noite. Isso pode gerar uma insônia e, consequentemente, prejuízos também na ansiedade e depressão.

De que forma a insônia pode ser evitada e tratada/combatida?

Primeiro temos que cuidar o que chamamos de higiene do sono, que é avaliar se as rotinas e os rituais no hábito antes e após dormir estão adequados. Entre esses hábitos, está a redução da luminosidade, pois fica muito difícil dormir quando a casa tem muitas lâmpadas, muitas luzes ou muitos estímulos. Entre esses estímulos, o principal hoje é o celular. O uso de celulares, tablets ou computadores em excesso pode dificultar para o cérebro perceber que precisamos dormir. Além disso, comer em excesso pode gerar um fator de ativação no nosso cérebro e dificultar o sono. E ficar em jejum por muito tempo também leva à insônia. Então, à noite, é essencial comer algo com baixa caloria, leve. Outro aspecto é reduzir o barulho. Pessoas que moram em regiões muito barulhentas precisam cuidar desse ambiente da maneira que for possível, seja fechando a janela, seja usando vedação, para evitar o máximo de barulho. Em algumas situações nas quais isso é inviável, é possível utilizar tampões para reduzir a sonoridade do ambiente. O gerenciamento do uso de substâncias que possam atrapalhar o sono também é importante. Café, energéticos, alguns chás ativadores, pré-treinos e, inclusive, remédios que as pessoas utilizam de forma inadequada para ter mais energia durante o dia podem prejudicar a qualidade do sono à noite.

Quando os remédios são indicados contra a insônia e quais cuidados exigem?

Os remédios são indicados quando todas as medidas de higiene do sono, as medidas de mudança do ambiente, foram feitas e, mesmo assim, o paciente mantém um sono inadequado. Nesse sentido, são indicados os medicamentos hipnóticos ou os indutores do sono, que podem induzir o sono ou melhorar sua arquitetura. Os hipnóticos, como o zolpidem, são indicados quando a pessoa demora a adormecer. Eles relaxam e estimulam o sono inicial para que, depois, o paciente entre com seu sono natural. Já nos casos em que há problemas de insônia de manutenção ou insônia terminal, aquela em que a pessoa acorda várias vezes na madrugada, a preferência é o antidepressivo chamado trazodona, que pode também melhorar a arquitetura e a qualidade do sono. E quando se percebe que a insônia é ocasionada por problemas como depressão, ansiedade ou TDAH, por exemplo, é preciso tratar a causa. Então o tratamento da depressão e da ansiedade com antidepressivos pode ser uma ferramenta para tratar a insônia, que é secundária a esses adoecimentos em algumas ocasiões. Tratar a insônia é fundamental, assim como é muito importante entender que a medicação é um auxílio. Ela não pode representar a totalidade do sono de uma pessoa. Por isso, o fato de tomar remédio não exclui a necessidade de fazer uma higiene do sono.

Os remédios naturais também podem ser usados? E quais cuidados exigem?

Associados a medidas de higiene do sono, os remédios naturais podem ser utilizados quando a insônia é muito leve e muito situacional. Por exemplo, o sono da pessoa geralmente é muito bom, mas, em uma semana específica, na qual ela é mais demandada no trabalho, isso pode gerar uma ativação, que pode gerar uma insônia. É claro que precisamos ter um cuidado, porque todos medicamentos que chamamos de naturais também são substâncias, têm propriedades farmacológicas, e precisam da orientação de um profissional habilitado. São nutricionistas que têm habilidade no manejo dessas substâncias naturais e eles podem orientar seu uso adequado.