Segundo a psicóloga Luiza Elena Leite Ribeiro do Valle, é possível conciliar o bem-estar com a agitação da vida moderna para que haja saúde física e mental. “É uma questão de consciência, concentração no que fazemos”, destaca. Nesta entrevista, ela aborda o lado bom e o ruim do estresse e a importância do seu gerenciamento.
Natural do Rio de Janeiro/RJ, Luiza Elena graduou-se em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP no ano de 1978. Atualmente, atua em sua terra natal e também em Minas Gerais. Doutora em psicologia social e do trabalho, é mestre em psicologia escolar e educacional, tem especialização em psicopedagogia e psicologia clínica e MBA de gestão executiva em psicologia organizacional.
Também tem especialização em psicologia do sono pelo Núcleo Interdisciplinar da Ciência do Sono e é psicóloga do sono por Notório Saber pela Associação Brasileira de Medicina do Sono. É autora, com Alexandre Ribeiro do Valle, do livro ‘Novos desafios do mundo profissional’ (Wak Editora), que levanta, entre outras questões, o estresse e a saúde nas organizações de trabalho.
Por que se tornou psicóloga e como aconteceu o trabalho na área de gerenciamento do estresse?
Meu sonho era ser professora, então fiz o concurso mais concorrido da época e venci. Minha colação de grau foi no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e o baile foi no tradicional Copacabana Palace. Ser professora era um acontecimento. Muitas crianças aguardavam vagas para estudar e só as conseguiam aos oito ou nove anos de idade, sendo que muitos nem estudavam. Os distúrbios de aprendizagem e a vontade de compreender o ser humano me levaram para a psicologia. Na “década do cérebro”, nos anos 1990, em Congresso da Associação Brasileira de Neuropsicologia, apresentei meu primeiro livro, ‘Cérebro e aprendizagem’, que me deu a classificação em primeiro lugar no mestrado em psicologia escolar e educacional na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas/SP. Em Poços de Caldas/MG, presidi congressos de neuropsicologia realizados por renomados palestrantes. Fiz o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em psicologia social e do trabalho e fui pesquisar o lado dos professores, avaliando o estresse no trabalho e os distúrbios do sono (USP – 2011). A cada descoberta, seguem-se novos conhecimentos a pesquisar e aplicar, é caminho que segue.
O que é o estresse e quais suas consequências (positivas e negativas) na saúde física e mental?
Estresse é uma reação do organismo para recuperar sua adaptação. Os sinais e sintomas mais frequentes em um organismo estressado são: cansaço físico e mental, nervosismo, irritabilidade, ansiedade, insônia, dificuldade de concentração, falha de memória, tristeza, indecisão, baixa autoestima, pesadelos, depressão, perda ou excesso de apetite, pânico. Essas alterações podem levar ao uso de calmantes e ansiolíticos para lidar com comportamento autodestrutivo. Conforme a vulnerabilidade individual e as características do estressor, ocorre uma ativação na estrutura do sistema nervoso central (SNC), interagindo com o sistema nervoso autônomo (SNA) e o sistema límbico, levando o indivíduo ao estado de alerta, pronto para lutar ou fugir, uma manifestação instintiva. Entretanto, o estresse pode ser positivo quando faz com que você se esforce e se supere, alcançando satisfação. Por exemplo, se você estiver competindo, pode ser tomado por uma força súbita como se lutasse pela sobrevivência.
Como gerenciar o estresse para que ele não seja prejudicial?
As relações interpessoais estão ligadas a processos cerebrais. O conceito de estresse ganhou fundamentos na abordagem cognitivo-comportamental, que considera que a as interpretações que se faz dos eventos influenciam os comportamentos e as emoções. As estratégias de adaptação ou enfrentamento (coping) são as habilidades desenvolvidas para o domínio das situações de estresse utilizadas para avaliar e gerenciar as exigências internas e/ou externas, determinadas por fatores pessoais, exigências situacionais e recursos disponíveis. Muitas vezes, há necessidade de apoio terapêutico para sair desse círculo vicioso de estresse, que pode chegar a um nível desastroso de depressão.
Os holandeses têm um termo interessante que tem ganhado popularidade nos últimos tempos: niksen. A palavra define um conceito de estilo de vida que tem como base o “fazer nada”. Em tempos de síndrome de burnout e cansaço generalizado, fruto da pandemia e do estilo de vida contemporâneo, fazer nada pode ser necessário? Justifique.
Necessário é o equilíbrio. A monotonia e a falta de desafios são negativas no comportamento. “Fazer nada” tem um sentido saudável quando se refere a se concentrar no presente, sem se distrair com o excesso de estímulos que nos levam a agir de forma robotizada, sem consciência. “Fazer nada” faz perceber o que se está fazendo, o que temos à nossa volta, reparando nas pequenas alegrias que passam despercebidas, como a satisfação de respirar ou as sensações internas e externas que só existem quando as observamos. Um “fazer nada” é reparar em nossa própria existência.
Qual o papel do ócio na saúde plena (física e mental)?
A saúde plena depende da liberdade de se perceber. Ficar preso a inúmeros estímulos externos impede a atenção ao mundo a partir do próprio referencial. Há uma canção que diz: “Eu Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr. Devia ter me importado menos com problemas pequenos” (Epitáfio – Titãs). Perde-se tempo com coisas insignificantes e nos afastamos do que realmente importa.
É possível e como conciliar o fazer nada com a rapidez e as exigências da contemporaneidade?
É possível conciliar o bem-estar com a vida moderna, colocando-nos num ritmo saudável para o físico e a mente. É uma questão de consciência, concentração no que fazemos. Atualmente, nos deixamos levar por exigências diversas, abrindo mão do nosso espaço para “ser”. É como o viajante que corre para atingir o final, sempre com a sensação de que falta fazer mais, e, pior, perde o prazer da viagem a cada passo.