Embarcando nos clássicos natalinos, hoje iremos visitar outro mundo em vários sentidos. Vamos para 1993, na cidade do Halloween, para analisar Jack Skellington, uma figura sobrenatural. O que acontece quando alguém sente que sua vida perdeu o sentido, mesmo sendo bem-sucedido? Lançado em 1993 e produzido por Tim Burton, O Estranho Mundo de Jack é uma animação em stop motion que mistura o sombrio e o encantador de forma única.

A história nos leva à Cidade do Halloween, onde o carismático e melancólico Jack Skellington, cansado de sua rotina assustadora, descobre a mágica do Natal e decide reinventar sua vida, se deparando com uma crise de identidade e autodescoberta. Nossa história inicia-se com o fim do Halloween em Halloweentown, que desencadeia uma crise para Jack, o líder e personagem mais importante dessa data na história.

Nos primeiros minutos do filme, podemos notar o cansaço de Jack em exercer sua função ao passar por um morador que o parabeniza pelo ótimo trabalho e ele responde “parece que foi; como no ano passado e no anterior”, iniciando um quadro musical em que Jack esclarece que é tudo a mesma coisa todos os anos e está cansado dos gritos de susto e trabalho como Rei da Abóbora.

Nesse mesmo quadro, vemos Jack lidando com emoções difíceis quando afirma sentir um vazio se formar dentro de si, sentindo falta de um lar que nunca teve, mesmo sendo bem-sucedido em seu trabalho, caracterizando uma possível crise de identidade, não se sentindo pertencente ao local e momento atual de sua vida. E isso a psicologia explica!

Teoria

Lá pela segunda metade do século 20, o psicólogo Erik Erikson desenvolveu a teoria psicossocial (inspirado na teoria psicossexual de Freud), na qual determinou 8 estágios do desenvolvimento ao longo da vida. Em sua teoria, buscava escrever o impacto da experiência social ao longo da vida, destacando como a interação social e os relacionamentos desempenhavam um papel no desenvolvimento e crescimento dos seres humanos, além de propor que todos passamos por uma crise psicossocial de duas forças em conflito em cada etapa/fase.

A teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson descreve o crescimento humano em estágios sequenciais, cada um marcado por um conflito central que deve ser resolvido para um desenvolvimento saudável. Ele propôs que a personalidade se desenvolve em oito estágios, desde o nascimento até a velhice, em que cada estágio apresenta um dilema ou conflito específico, e a forma como a pessoa resolve esse conflito influencia seu desenvolvimento e saúde mental.

O primeiro estágio é marcado pela confiança x desconfiança e ocorre entre o nascimento e um ano e meio de idade, sendo o estágio mais fundamental da vida. Como o bebê é totalmente dependente, o desenvolvimento da confiança se baseia na confiabilidade dos cuidadores.

Nesse ponto do desenvolvimento, a criança depende totalmente dos cuidadores adultos para sobreviver, confiando que irão garantir comida, amor, calor, segurança e carinho. Se um cuidador não fornecer cuidados e amor adequados, a criança sentirá que não pode confiar ou depender dos adultos em sua vida.

Durante o primeiro estágio do desenvolvimento psicossocial, as crianças desenvolvem um senso de confiança quando os cuidadores fornecem confiabilidade, cuidado e afeto. A falta disso levará à desconfiança. Nenhuma criança vai desenvolver um senso de 100% de confiança ou 100% de dúvida. Erikson acreditava que o desenvolvimento bem-sucedido consistia em encontrar um equilíbrio entre os dois lados opostos.

Autonomia

O segundo estágio é marcado pela autonomia x vergonha/dúvida e se desenvolve até os 3 anos de idade. Nessa etapa, as crianças adquirem um certo grau de controle sobre o corpo, o que, por sua vez, faz com que sua autonomia cresça ao conseguirem concluir tarefas básicas por conta própria. As crianças que completam com sucesso esta fase geralmente têm uma autoestima saudável e forte.

No terceiro estágio, as crianças desenvolvem a iniciativa x culpa durante os anos pré-escolares, dos 3 aos 5 anos, fortalecendo (ou não) seu poder e controle sobre o mudo através do brincar, incitando as interações sociais. As crianças que são bem-sucedidas nessa etapa se sentem capazes e confiantes em guiar os outros, já as que não conseguem ficam com um sentimento de culpa, dúvidas e falta de iniciativa.

Já o quarto estágio é marcado pela competência/diligência x inferioridade e se desenvolve até cerca dos 12 anos, quando as crianças são apresentadas a tarefas mais complicadas e um certo grau de maturidade. Ao obterem sucesso e serem elogiados diante dessas tarefas e desafios, desenvolvem esse senso de competência, enquanto crianças que falham diante dessas tarefas ou recebem muitas críticas tem tendência a desenvolvem o sentimento de inferioridade.

Identidade

Já o quinto estágio, que focaremos mais para frente, é marcado pela identidade x confusão, com a entrada na adolescência, que é marcada pela exploração de identidade, quando o indivíduo tenta descobrir quem é, quais são seus valores e onde se encaixa. Se essa busca for bem-sucedida, a pessoa desenvolve uma identidade coesa. Se não, pode enfrentar uma confusão de papéis e incerteza.

No sexto estágio, nos deparamos com a vida adulta e a intimidade x isolamento. Após desenvolver (ou não) a identidade no quinto estágio, os adolescentes viram adultos e buscam relações e conexões. Sendo bem-sucedidos, entram em relacionamentos íntimos e comprometidos. Por outro lado, ao não formarem tais relações, podem experimentar isolamento e solidão.

O sétimo estágio vai dos 40 aos 65 anos (aproximadamente), também conhecido como estágio da meia-idade, que é marcado pela generatividade x estagnação. Nessa idade, é comum os pensamentos de contribuição e a vontade de deixar legados. Ao sentirem que fizeram sua parte com sucesso, as pessoas desenvolvem a generatividade, que seria a produtividade e o cuidado com o futuro. Se não, desenvolvem a estagnação, que pode levar a um vazio e falta de propósito.

No oitavo e último estágio, nos deparamos com a integridade x desespero, com profundas reflexões sobre a vida e a maneira como a viveram. Ao olhar para sua jornada com satisfação, as pessoas desenvolvem a integridade, mas, ao se arrependerem, têm a tendência de cair no desespero.

Crise

Após vermos esses estágios podemos ficar confusos em pensar na comparação de Jack com a crise de identidade, afinal ele é uma figura sobrenatural com uma idade desconhecida. Por isso, preciso lembrar que as marcações não são 100% definidas nesses estágios e, para uma figura com (talvez) centenas ou milhares de anos, os estágios podem ser mais espaçados ou confusos.

Jack Skellington passa por uma crise de identidade semelhante à descrita por Erikson. Mesmo com sua competência em organizar o Halloween todos os anos, ele está insatisfeito com seu papel como o Rei das Abóboras e sente a necessidade de explorar um novo propósito. Ao descobrir a Cidade do Natal, vê a oportunidade de se reinventar e assume o papel de Papai Noel. Sua tentativa de recriar o Natal reflete uma tentativa de encontrar uma nova identidade, mas acaba falhando porque está tentando ser alguém que não é, o que muitas vezes acontece na adolescência.

Após o fracasso, Jack tem uma revelação importante: “Por que não percebi isso antes? Por que não vi que este é o meu lugar?”, questiona. E passa a compreender que não precisa abandonar sua identidade, ele pode ser criativo e inovador dentro do seu próprio papel como o Rei das Abóboras. Esse momento simboliza a resolução da crise de identidade e a aceitação de quem ele realmente é.

Exploração

Assim como Jack, seus (futuros) pacientes passam ou passarão por fases de exploração em busca de uma identidade autêntica e de experimentar diferentes papéis, o que é essencial para o crescimento pessoal. Forçar-se a ser algo que não é pode levar ao fracasso e à insatisfação. A verdadeira realização vem de aceitar e aprimorar sua própria identidade. As crises de identidade, embora difíceis, são oportunidades para reflexões profundas e descobertas significativas.

Assistir a esse filme irá lhe auxiliar na compreensão de que as crises de identidade são normais e, muitas vezes, necessárias para o desenvolvimento pessoal. O processo de exploração, os erros e os fracassos são oportunidades de crescimento e autoconhecimento e, ao trabalhar com pacientes em estágios de desenvolvimento semelhantes, é fundamental lembrar que a busca por autenticidade e aceitação é uma parte essencial da jornada humana.

Assim como Jack aprendeu a integrar sua criatividade e inovação dentro de sua própria identidade como Rei das Abóboras, devemos ajudar nossos pacientes a encontrarem maneiras de se expressar e crescer sem perder de vista quem realmente são. As crises podem ser desconfortáveis, mas, com apoio e reflexão, elas oferecem a chance de construir uma identidade mais coesa, saudável e autêntica.

Quer saber mais sobre o desenvolvimento? A dica de hoje é o livro Desenvolvimento humano (Diane Papalia e Ruth Feldman), da Artmed. E para auxiliar seus pacientes, eu recomendo que dê uma olhadinha no livro Tarefas terapêuticas para clínica cognitivo-comportamental (Sabrina Martins Barroso), da Sinopsys Editora, que conta com tarefas para autoconhecimento para crianças, adolescentes, adultos; tarefas para aumentar o bem-estar e a percepção de competência e muito mais.