A adolescência é caracterizada por transformações físicas e psíquicas típicas do processo de desenvolvimento humano. É uma fase intensa da vida que, cada vez mais, tem levado aos consultórios psicoterapêuticos pacientes jovens que se automutilam como forma de buscar alívio de suas dores emocionais. Nesta entrevista, esse comportamento de risco é abordado pelo psiquiatra e terapeuta infantojuvenil Jadiel Luis da Silva, autor do livro ‘Good vibes: uma estratégia para prevenção de automutilações’, da Sinopsys Editora, direcionado ao público a partir dos 10 anos e também a pais/cuidadores, educadores e terapeutas.

A obra tem como objetivo ajudar adolescentes que se automutilam a lembrarem de que existem formas prazerosas e seguras de regulação emocional. Para isso, traz uma estratégia de enfrentamento baseada na terapia cognitivo-comportamental (TCC). Good vibes é um tipo de cartão de enfrentamento que está no símbolo de paz e amor, bastando olhar para os dois dedos em ‘vê’ para lembrar do que foi trabalhado em terapia, com a família ou outras pessoas próximas.

Médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jadiel fez residência em psiquiatria no Hospital de Clínicas da UFPE, tem especialização em terapia cognitivo-comportamental para crianças e adolescentes pelo Instituto de Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC) do Rio Grande do Sul e especialização em saúde da família pela UFPE. Atualmente, faz mestrado em hebiatria, especialidade médica voltada ao cuidado dos adolescentes, na Universidade de Pernambuco (UPE). É fundador do projeto Psiquiatria Fácil e professor da UNINASSAU.

Qual o objetivo do livro e como ele pode auxiliar na prática clínica de psicólogos e psiquiatras?

O que percebo na prática clínica, atendendo constantemente como psiquiatra e terapeuta infantojuvenil, é que existe uma dificuldade de comunicação com os adolescentes. Às vezes, estamos falando um idioma e eles outro. Assim é em casa, com os pais, onde, muitas vezes, ninguém se entende. E nós, enquanto psicólogos e psiquiatras, precisamos estar no meio do caminho para unificar essa linguagem e fazer com que todos se entendam. Assim surgiu a ideia do livro Good vibes, que traz o símbolo de paz e amor, com os dois dedos, conhecido dos adultos e também da juventude. O objetivo, na prática, é trazer para os profissionais da saúde mental uma forma eficaz de se comunicar, que seja assertiva, que tanto o adolescente quanto o adulto entendam, para uso no consultório e que os pais possam utilizar também em casa. Tem toda uma dinâmica que proporciona essa unificação, essa linguagem mais próxima com os adolescentes.

Algum paciente teve grande influência na construção do livro?

Não foi só um, mas vários pacientes que começaram a aparecer no consultório apresentando comportamento de automutilação e alegando ser uma estratégia de alívio de suas dores emocionais. Esse comportamento engloba não só se cortar, mas também atitudes como se beliscar, se esmurrar, bater a própria cabeça. Isso passou a me angustiar e fazer pensar de que forma eu poderia ajudá-los. Então surgiu a ideia da estratégia do livro Good vibes, que dialoga com o público por meio de imagens e textos com uma linguagem acessível, extrovertida, alto-astral. É na realidade um bate-papo com um objetivo terapêutico.

Como utilizar a estratégia apresentada no livro?

O livro ressalta a importância de se ter prazer na vida, mas que esse prazer precisa ser seguro; que todo comportamento que não é seguro, que não é good vibes, não deve ser nutrido. A obra pode ser adaptada para inúmeras situações, como, por exemplo, dependência química e de jogos eletrônicos. A estratégia da técnica não é resolver o problema, pois sabemos que não será resolvido de forma tão simples. Mas, sim, lembrar que existe outra saída que é melhor do que a que se está pensando em buscar no momento de desespero, raiva, instabilidade emocional.

Como explicar a automutilação?

Nós ainda não temos muitas pesquisas científicas voltadas à adolescência, especialmente a temáticas que envolvam os atos autolesivos não suicidas. Então a ciência precisa se aprofundar mais para responder essa pergunta de forma mais assertiva e direcionada. Mas a automutilação é uma problemática muito grande na vida dos adolescentes e que preocupa muito os pais e educadores. Inclusive a literatura científica coloca esse comportamento como um fator de risco para tentativa de suicídio no futuro. Então, se queremos evitar um futuro mais drástico, precisamos criar estratégias para a prevenção.

Em meus estudos de mestrado, fazendo revisões científicas, lendo artigos científicos, percebo que a autolesão na adolescência vem aumentando a partir da primeira década dos anos 2000, o que coincide com o período de crescimento do uso da internet. Não estou colocando o boom da internet como causa, mas como um contexto histórico. O acesso à informação foi ficando cada vez mais fácil. O uso das telas, dos eletrônicos, e a comunicação foram sendo difundidos cada vez mais.

Ao mesmo tempo, os adolescentes passaram a sair cada vez menos de casa, não se sentando mais em rodas de amigos para conversar, por exemplo. O uso das telas possibilita que, se você não quiser mais falar com o outro, é só cancelá-lo. Mas se você está ali com seus amigos num grupo, não tem essa opção. Se eu não convivo com outras pessoas, meu limiar de frustração vai ficando cada vez mais baixo, porque aprendemos a lidar com o outro vivendo e convivendo com o outro.

Além disso, vem ocorrendo um movimento social no qual os pais estão cada vez mais ausentes no contexto familiar em função do trabalho. Os adultos, muitas vezes, estão tão envolvidos em tantos outros universos que acabam esquecendo de olhar para os filhos. Ou não têm paciência com eles, especialmente quando entram na adolescência e começam a desafiar, a questionar e a ter ideias diferentes.

Essa ausência parental é prejudicial. Tanto que, muitas vezes, os pais acabam só percebendo depois de muito tempo que o filho ou a filha está usando mangas compridas num calor de 40 graus (para esconder as marcas da automutilação). Inclusive há pais que dizem que o filho se automutila para chamar atenção. Para o que eu respondo: “Se ele está pensando em se cortar para chamar sua atenção, é porque realmente não está tendo atenção”. Não acreditem que os adolescentes gostam de se automutilar.

Fora que existem pessoas perversas que estimulam esses comportamentos de risco nas redes sociais. Por tudo isso, recomendamos que os pais estejam sempre atentos, sejam o porto seguro de seus filhos, dialoguem e argumentem com eles e busquem ajuda ao menor sinal de comportamento de risco.

Existem outros sinais de que o adolescente está se automutilando que não seja usar mangas compridas?

Um importante sinal é o isolamento. O adolescente começa a ficar mais isolado, mais distante, mais no quarto, não quer mais sair com a família. Também começa a se distanciar dos amigos. Embora a instabilidade seja natural na adolescência, é preciso estar atento quando ela se torna desproporcional, assim como a rejeição ao toque físico. No que diz respeito às vestimentas, além das mangas compridas, o uso de calças compridas pode ser outro sinal, porque uma região de muita incidência de automutilação é a raiz da coxa, logo no começo da perna. O adolescente que se automutila também deixa de ir à praia ou à piscina, pois não quer expor o corpo de maneira. É preciso estar atento a tudo isso para impedir que se chegue a um comportamento mais grave no futuro.