O francês Marquês de Sade foi considerado um escritor maldito moderno, publicando obras pornográficas e bizarras. Ele se envolveu em inúmeros escândalos sexuais ao longo de sua vida. Marcados por terror sexual, os seus textos eram considerados em sua época como “capazes de destruir o corpo e a alma de qualquer leitor”. Sua vida cheia de luxúria resultou em várias prisões, seguidas por fugas.

Afinal, o que se passa na mente das pessoas que vivem em função do sexo? Elas podem ter fantasias estranhas e estimulantes, envolver-se com vários parceiros ou estar sempre vasculhando literatura pornográfica. Têm comportamentos sexuais desmedidos, masturbação excessiva e frequência em clubes de sexo. Essas pessoas são viciadas em sexo, patologia semelhante à dependência por jogo ou drogas, mas ainda pouco estudada pela psiquiatria moderna. Estatísticas reforçam que, assim como nos Estados Unidos, no Brasil os compulsivos sexuais sejam até 6% da população.

Desconforto

Os pensamentos de ordem sexual são frequentes e até causam desconforto. Geralmente a pessoa tem consciência de que seu desejo é desproporcional e irrefreável, porém é incapaz de controlá-lo. Ela então apela para a prática sexual para aliviar a ansiedade que sente, embora muitas vezes esse comportamento esteja desacordo com seus princípios.  

O que define a compulsão é o estrago que a dependência pode causar na vida da pessoa e o nível de controle que ela tem sobre seus impulsos. Portanto, não importa muito o número de relações sexuais. Esse problema geralmente está mascarado, pois a compulsão passa despercebida por familiares, amigos e colegas. Os especialistas lembram que o abuso sexual infantil pode influenciar o vício em sexo.

A dependência estaria relacionada à produção de um neurotransmissor conhecido como dopamina, que está envolvido com diversas funções do nosso organismo, incluindo a sensação de prazer e o humor. Pessoas com menor produção dessa substância natural estariam mais predispostas ao vício por tentar compensar a sua falta da através de estímulos externos.

Neurociência

Um estudo feito pela equipe do neurocientista Adrian Boström, da Universidade de Uppsala, na Suécia, investigou 67 homens com transtorno hipersexual e 39 saudáveis. Os pesquisadores demonstraram que o grupo de compulsivos tinha alterações no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, que é um conjunto de interações que envolvem o hipotálamo, a glândula pituitária e a glândula adrenal. Esse sistema desempenha um papel fundamental na resposta aos estímulos externos e internos humanos. A disfunção no funcionamento desse eixo pode desencadear quadros psiquiátricos em pessoas com predisposição.   

O grupo ainda apresentou níveis mais altos de corticotrofina (ACTH), um peptídeo de 39 aminoácidos produzido pela hipófise anterior, que é o principal responsável pelo controle da produção de esteroides pelo córtex adrenal. Esse hormônio tem papel fundamental no surgimento de problemas relacionados ao estresse crônico, como depressão e ansiedade, conforme demonstraram estudos feitos em ratos e primatas.

 “O hormônio é um importante integrador das respostas neuroendócrinas ao estresse no cérebro, com um papel fundamental nos processos de dependência. Nossos resultados mostram mudanças epigenéticas relacionadas ao transtorno hipersexual em homens”, escreveram os autores.

 Autocontrole

 Um outro experimento foi realizado pela equipe da neuropsiquiatra Valerie Voon, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.  Determinada a compreender os mecanismos por trás do autocontrole e da impulsividade, comportamentos que estão por trás do surgimento de transtornos compulsivos, Voon lidera um laboratório emprega várias técnicas, como imagens, fisiologia, farmacologia e modelagem computacional. O grupo avaliou o funcionamento cerebral de 19 indivíduos compulsivos sexuais e 19 voluntários saudáveis através de ressonância magnética. Os compulsivos tiveram ativação do cingulado anterior dorsal, estriado ventral e amígdala.

Segundo a neurocientista Lucy Brown, do Einstein College of Medicine em Nova York, nos Estados Unidos, sexo, amor romântico e apego têm qualidades viciantes. Eles fazem parte do sistema reprodutivo humano e dependem de sistemas de recompensa do cérebro, identificados em estudos com animais e humanos.

A pesquisadora concluiu que a dependência por sexo é comparável ao vício em drogas, pois também está associado com recompensa e motivação. “A evidência disponível sugere fortemente que a neurofisiologia do abuso de substâncias pode ser baseada nos mecanismos de sobrevivência e sua recompensa mesolímbica sistemas associados ao sexo e ao amor romântico”, diz. Essa parte do cérebro é uma via rica em de dopamina e também chamada de sistema de recompensa – formado por circuitos neuronais responsáveis pelas ações reforçadas positiva e negativamente.  

Região mesolímbica

Provas da imagem do cérebro humano sugerem que a excitação sexual e o orgasmo afetam áreas afetadas como a amígdala, estriado ventral (incluindo accumbens), córtex pré-frontal medial e córtex orbitofrontal (que estão na região mesolímbica) “É frequente um comportamento impulsivo que não pode ser controlado, em circunstâncias positivas e destrutivas”, diz Brown. 

Além disso, a pesquisadora concluiu que há maior atividade na área tegmental ventral, que também é um dos principais centros de dopamina e parte do circuito de recompensa do cérebro. Essa região está relacionada à percepção da excitação sexual em mulheres. Curioso observar que a mesma parte do cérebro se torna ativa com o uso de uma alta dose de cocaína. Os hormônios sexuais como a testosterona e o estrogênio influenciam a excitação sexual, sendo que a testosterona pode induzir pensamentos obsessivos sobre sexo. Por isso, ela é uma substância controlada por seu potencial de abuso.

O sexo é necessário para a sobrevivência de qualquer espécie. Segundo Brown, as pessoas são quase unânimes em afirmar que o sexo pode ser considerado o principal meio de recompensa sem drogas. Por isso, algumas admitem que ele ocupa seus pensamentos a maior parte do tempo, tendo um efeito nocivo sobre sua rotina.

 Força biológica

Segundo a obra “Adicão, Dependência, Compulsão e Impulsividade”, organizado pela psiquiatra Analice Gigliotti e pela psicóloga Ângela Guimarães, existiriam estruturas cerebrais que “empurram” o indivíduo para tomar uma decisão, já que elas organizam o comportamento de busca de recompensas imediatas. As estruturas envolvidas seriam as subcorticais, que são muito antigas e têm, portanto, força biológica.

Enquanto isso, dizem os autores, outras estruturas, especialmente as corticais ou regiões pré-frontais, tentam frear a ânsia de ter o impulso satisfeito, fazendo o indivíduo ponderar as consequências futuras. Essas estruturas, porém, são muito mais recentes no processo evolutivo. São também mais refinadas e biologicamente menos “testadas”.

A obra “Psychopathia Sexualis”, de 1886, do psiquiatra alemão de Richard von Krafft-Ebing procurou investigar os diferentes comportamentos sexuais humanos. Ele explora o campo das perversões sexuais, que seriam posteriormente conhecidos como sadismo, masoquismo e fetichismo.  O rigor com que o estudioso descreve o assunto fez com que ele se tornasse uma referência nesse campo, servindo de base para obra de Freud.

Foucault

No primeiro volume de sua “História da Sexualidade”, o filósofo francês Michel Foucault dedica uma ampla discussão ao movimento histórico que consistiu em se colocar o sexo como objeto de discurso. Segundo o filósofo, a psicanálise seria um aparato “confessional” que sustentaria as concepções tradicionais que ligam sexo e regras sociais.

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AA ajuda a recuperar dependentes

A terapia dos grupos anônimos consiste em doze passos que o dependente deve seguir em busca da recuperação. Graças a seu sucesso na recuperação de muitos alcoólatras, o AA passou a servir como modelo para o combate a outros tipos de dependência, inclusive a dependência por sexo.