Com experiência de mais de 40 anos na área da saúde e hospitalar, a doutora Tânia Rudnicki fala sobre a psicologia da saúde, que busca compreender e atuar sobre a inter-relação entre comportamento e saúde e comportamento e doenças.

A psicologia da saúde é a área da psicologia que aplica seus princípios, técnicas e conhecimentos científicos para avaliar, diagnosticar, tratar, modificar e prevenir problemas físicos, mentais ou qualquer outro relevante para os processos de saúde e doença. Assentada no modelo biopsicossocial, o que torna de suma importância o trabalho da equipe multiprofissional/interprofissional, tem como objetivo trabalhar com promoção, prevenção e educação para saúde, intervindo junto à população, buscando melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Nesta entrevista, a psicóloga Tânia Rudnicki fala sobre o assunto. Ela tem pós-doutorado em psicologia da saúde pelo WJCR (William James Center for Research/ISPA), Lisboa, Portugal, pela Capes Foundation Ministry of Education Of Brazil – Brasília/DF; doutorado em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialização em terapia cognitiva pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). É pesquisadora associada ao WJCR/ISPA, mestre e especialista em psicologia clínica.

Foi coordenadora de curso de psicologia e responsável pelo setor de psicologia em hospital universitário por vários anos. É diretora do Instituto de Terapia Cognitiva em Psicologia da Saúde (Itepsa), possui experiência na área de formação profissional em psicologia e em prevenção e tratamento psicológico. Atualmente desenvolve pesquisas na área da psico-oncologia, crescimento pós-traumático (CPT), qualidade de vida e psicoterapia cognitivo-comportamental relacionadas à saúde e doença crônica.

Juntamente com a psicóloga Marisa Sanchez, Tânia é organizadora do livro ‘Psicologia da saúde – A prática de terapia cognitivo-comportamental em hospital geral’, publicado pela Sinopsys Editora. A obra, que está em sua segunda edição, revisada e ampliada, faz parte da literatura básica disponível no Brasil sobre a psicologia clínica e da saúde e, especificamente, sobre a prática da terapia cognitivo-comportamental (TCC) em hospital geral.

Por que se tornou psicóloga e como aconteceu a escolha pela área da psicologia da saúde?

A escolha pela psicologia se deu naturalmente uma vez que a escola em que estudei era bastante voltada para o lado humano, para as relações interpessoais. E foi o trabalho na área hospitalar que me chamou para o campo da saúde. Na época, em nosso meio, não se falava em psicologia da saúde, mas em psicologia hospitalar. A psicologia que se faz no hospital está fundamentada na área clínica. Na ocasião, recebi um convite para integrar a equipe de RH de um hospital-escola em Porto Alegre/RS, iniciando-me assim na área hospitalar no que tange à organização. Dali até a clínica foi um pulo, sendo esta então considerada a área de ouro da psicologia.

Defina o que é a psicologia da saúde e sua importância na atualidade no mundo e no Brasil e quais seus direcionamentos futuros.

É uma área recente, desenvolvida principalmente a partir da década de 1970, cujas pesquisas e aplicações buscam compreender e atuar sobre a inter-relação entre comportamento e saúde e comportamento e doenças. Psicologia da saúde diz respeito ao papel da psicologia, como ciência e como profissão, nos campos da saúde e da doença, incluindo as saúdes física e mental, levando em conta, além do orgânico, os fatores sociais, culturais e ambientais relacionados à saúde e à doença, uma vez que seus significados são diferentes conforme o status socioeconômico, o gênero e a diversidade cultural, entre outros.

Assim, dando relevância à promoção e manutenção da saúde e à prevenção da doença, a finalidade principal da psicologia da saúde é compreender como é possível, através de intervenções psicológicas, contribuir para a melhoria do bem-estar dos indivíduos e das comunidades. Ela está interessada na forma como a pessoa vive e experimenta o seu estado de saúde ou de doença, em relação a si mesma, os outros e o mundo. Busca compreender o papel das variáveis psicológicas sobre a manutenção da saúde, o desenvolvimento de doenças e seus comportamentos associados.

Além de desenvolver pesquisas sobre cada um desses aspectos, os psicólogos que trabalham voltados à área da saúde realizam intervenções com o objetivo de prevenir doenças e auxiliar no manejo ou no enfrentamento das mesmas, trabalhando motivação, por exemplo, em relação à adesão. Por aqui e pelo momento que estamos vivendo, pode-se visualizar a importância e necessidade da psicologia e da psicologia da saúde no mundo atual.

Tendências que moldaram a psicologia da saúde estão inseridas no aumento na expectativa de vida, tendo em vista que as pessoas estão vivendo muito mais e precisam ganhar qualidade de vida e compreender os desafios biopsicossociais impostos por esse fator. Outrossim, o surgimento de transtornos relacionados ao estilo de vida – sendo que a psicologia contribuirá através da análise de comportamentos nocivos e protetores da saúde humana. De outra forma, a substituição do modelo biomédico pelo biopsicossocial, que está voltado ao estudo de v´ários fenômenos, como o efeito placebo, torna-se importante, além do aumento dos custos em saúde pública, necessitando que o foco passe a ser a prevenção.

Qual a importância das habilidades sociais nas profissões da saúde?

O modelo biomédico trouxe contribuições para o trabalho na área da saúde, valorizou os fatores biológicos, incorporando um maior aparato mecanicista, alívio de dores e tratamento de diversos agravos em saúde. Por outro lado, apresentou limites na atenção à saúde, dando pouca ênfase ao contexto no qual cada paciente está inserido, aos aspectos psicológicos, sociais e à relação profissional de saúde e paciente envolvidos no processo saúde-doença. Assim, foi proposto um novo modelo, biopsicossocial, que favoreceu uma visão mais abrangente da concepção de adoecimento, tendo como foco o indivíduo em suas dimensões biológicas, psicológicas e sociais, e não apenas em relação à presença ou ausência de doenças. A proposta dessa perspectiva tornou a relação do profissional da saúde e do paciente um dos eixos fundamentais no atendimento. Através da comunicação e da capacidade de relacionamento interpessoal, o profissional obtém informações acerca do estado de saúde do seu paciente, prepara estratégias de tratamento e influência seu comportamento em relação à adesão à terapêutica.

Fale sobre as evidências da eficácia e a efetividade da TCC no tratamento dos transtornos de ansiedade no contexto da psicologia da saúde e hospitalar.

A ansiedade é uma experiência universal. Surge em resposta a demandas ou ameaças como um sinal, buscando adaptação. Geralmente é transitória e percebida como nervosismo e inquietação. Quando se torna persistente, intensa, autônoma, desproporcional aos estímulos que a provocam e gera comportamentos de evitação ou afastamento, é incluída entre os transtornos mentais. Durante uma internação médica, o paciente pode sentir ansiedade se perceber o ambiente hospitalar ameaçador, por estar longe de seus familiares, se não conseguir lidar com sua doença ou se for portador de transtorno de ansiedade, após o infarto agudo do miocárdio e tratamentos como o câncer, sendo descrita como estresse pós-traumático. A ansiedade atrapalha e limita o paciente a enfrentar a doença e, para o médico, pode dificultar diagnósticos e tratamentos.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem da psicologia clara e direta e se baseia em um modelo estruturado, educacional, breve e focal que enfatiza os resultados alcançados e sua manutenção com estratégias para prevenção de recaídas. Compreende uma abordagem baseada em evidências, com comprovação científica, que cada vez mais conta com pesquisas e estudos que norteiam sua prática e embasam a elaboração de protocolos de intervenção específicos. Programas de intervenção cognitivo-comportamental têm sido desenvolvidos com diferentes tipos de pacientes, sejam graves, agudos, crônicos, luto/perda, cujo objetivo está direcionado a uma melhor adaptação em relação às suas condições de vida, buscando facilitar a adoção de hábitos de vida mais saudáveis, levando a um maior bem-estar, não só físico, mas também psicológico.

Discorra sobre a avaliação psicológica no contexto hospitalar e as possibilidades de intervenção.

É imprescindível que o psicólogo realize uma boa avaliação e tenha um diagnóstico claro e preciso da condição de seu paciente. Esse será o ponto de partida para o planejamento das intervenções, uma vez que estas deverão ser aplicadas de acordo com a demanda do paciente. A realização desse processo avaliativo é clínica, por meio de entrevista psicológica, mas pode-se lançar mão de instrumentos avaliativos caso seja apropriado para a proposta e necessário para a intervenção. Existem diversos questionários, escalas e testes psicológicos padronizados e validados em nosso meio, tanto para rastreio de sintomas, quanto para diagnóstico, que podem ser úteis na avaliação psicológica.