Por que perdoar aqueles que nos ofenderam? Como perdoar o imperdoável? O que é o perdão? Quais benefícios o perdão pode trazer para minha vida? Essas e outras perguntas foram levadas em consideração, seriamente pela ciência e, através do olhar do renomado Dr. Robert Enrigth, especialista sobre o perdão, talvez, possam ser, finalmente, respondidas. O perdão, de fato, pode salvar o nosso planeta.

Sentimentos tóxicos

Segundo Enrigth, é através do perdão que a humanidade poderá ser salva, afinal, vemos tanto falar sobre terrorismo, holocausto, mortes e terrorismo nas notícias é porque as pessoas não sabem perdoar. Enrigth define o perdão, em essência, após embasar suas origens nas mais diversas correntes religiosas, como: “[…] uma virtude moral, expresso incondicionalmente como um ato de misericórdia para com aqueles que agiram injustamente para com o perdoador” (ENRIGTH, 2011, p.8, tradução livre) e ele observa três pontos em perdoar: “1) expressar o amor ágape como um fim em si mesmo, porque esta é uma moral bom, independentemente do que se segue de sua expressão; 2) para ajudar a mudar o ofensivo o comportamento do outro para que ele ou ela cresça nas virtudes morais (como paciência, bondade e amor); e 3) unir-se em amor moral com um ofensor ou outros. (ENRIGHT, 2011, pp.8-9, tradução livre).

Assim, o perdão pode ser um processo longo, doloroso e difícil, tanto para a pessoa que foi ofendida quanto para a pessoa que ofendeu. Um pode achar dificuldade em pedir perdão e o outro pode achar dificuldade em aceitar o perdão. Em ambos os casos, contudo, perdoar pode ser o melhor a se fazer para que, toda aquela raiva, ódio ou sentimentos tóxicos, sejam expurgados de ambas as pessoas libertando-as de todo esse mal que atrapalhava e bloqueava suas vidas.

Os antônimos de perdão

O castigo, a culpa, a condenação, o corretivo, a lição, a penalidade, a punição, vingança, incriminação ou acusação, e todos os antônimos de perdão, atrapalham o crescimento pessoal e profissional das pessoas. Isso porque, toda essa carga emocional de ambas as partes, sustentam um momento de falha ou de agir sem pensar de alguma das partes ou de ambas. O erro que levou a uma ofensa ou dano para uma das partes e que é mantido vivo pelo sentimento de frustração, de ódio ou de raiva por quem sofreu o dano e, algumas vezes, até pela parte que causou o dano e que acha que não causou ou, de fato, não causou nada, mas, de toda forma, houve um desentendimento e ambos alimentam um sentimento negativo um pelo outro. Seja qual for o motivo que leva uma pessoa a ficar com raiva da outra, pelo bem de ambas as partes, é preciso perdoar.

Contudo, para as pessoas que experienciaram algum tipo dos vários casos hediondos e/ou crimes de abuso – tanto psicológico quanto sexual – nos mais variados graus, níveis e faixas etárias, pode ser uma tarefa praticamente impossível de se realizar. Existem alguns casos onde o perdão parece ser a última opção ou, até mesmo, impossível, pois, para muitas pessoas, algumas atrocidades são simplesmente imperdoáveis. Ainda assim, por mais difícil ou impossível que possa parecer, o perdão pode ajudar e, muitas vezes, é até necessário para que a pessoa, independente do que tenha passado, seguir adiante com a sua vida. O perdão, nesses casos, não vem para quem cometeu o crime, mas para a própria pessoa.

Estudos científicos

Segundo Younger, o perdão, recentemente, começou a ser estudado pela ciência como um tópico sério e ainda não é completamente compreendido. Entretanto, recentes descobertas estabeleceram que o perdão está relacionado com uma positiva saúde mental, redução de pesar, depressão e ansiedade. Além de estar relacionado com grandes indícios de saúde física e uma menor resposta ao stress cardiovascular (YOUNGER, et al., 2004).

A razão para que o perdão não foi, anteriormente, estudado como um tópico sério da ciência foi porque, segundo Whorthington Jr., o perdão estava apenas relacionado com a religião e com uma filosofia de perdão baseada, também, no aspecto espiritual ou religioso da questão (WORTHINGTON JR., 2005).

Assim, segundo o autor, o perdão ser caracteriza como: “[…] uma arte e uma ciência. Como arte, trata das questões fundamentais da nossa época. Descreve como lidamos com transgressões e ofensas pessoal e socialmente. Isso afeta nossa saúde mental e bem-estar. Ela atinge nossos relacionamentos. Ele colore as transações dentro da sociedade e afeta as relações intergrupais. A arte de perdoar gira em torno da experiência pessoal. Estudos de caso, bem como exemplos da nossa própria vida e da vida de outras pessoas, nos ensinam sobre o perdão” (WHORTHINGTON JR, 2005, p.5, tradução livre).

Perspectivas da memória

Pode-se dizer que o ato de perdoar está relacionado ao ato de se lembrar e o ato de lembrar pode tanto manter a raiva quanto levar ao perdão: “É exatamente deste modo que o trabalho de lembrança nos impele para a via do perdão, na medida em que este abre a perspectiva de uma libertação da dívida, por conversão do próprio sentido do passado. Esta ação retroativa, do olhar intencional do futuro sobre a apreensão do passado, encontra então um apoio crítico no esforço por contar de outra maneira e do ponto de vista do outro os acontecimentos fundadores da experiência pessoal ou comunitária, O que vale efetivamente para a memória pessoal vale também para a memória partilhada e, acrescentaria, igualmente para a História escrita pelos historiadores” (HENRIQUE, 2005, p.37).

Em outras palavras, só se pode perdoar se “esquecer” do passado em prol do futuro. Contudo, isso não significa que há o perdão para quem cometeu a falta, o dano ou a ofensa. Nas palavras de Paul Ricoeur: “O perdão é primeiro o que se pede a outrem, e antes de mais à vítima. Ora, quem se mete pelo caminho do pedido de perdão deve estar pronto a escutar uma palavra de recusa.” (HENRIQUE, 2005, p.39). Isso porque, ainda segundo o autor: “Entrar na atmosfera do perdão é aceitar medir-se com a possibilidade sempre aberta do imperdoável. Perdão pedido não é perdão a que se tem direito [devido]. É com o preço destas reservas que a grandeza do perdão se manifesta. Nele descobre-se toda a extensão do que se pode chamar a “economia do dom”, se caracterizarmos este pela lógica da superabundância que distingue o amor da lógica, da reciprocidade, da justiça” (HENRIQUE, 2005, p.39).

Dessa forma, o ato de perdoar pode gerar um desconforto em uma pessoa, tanto ao pedir ao perdão ou na falta de perdoar, pois, a falta de perdão leva ao conflito interno. O que nos leva ao fato de que muito se fala sobre o ato de perdoar, mas não sobre uma definição propriamente dita sobre o Perdão.

E MAIS…

Projeção futura da Ciência

O ato de perdoar ainda está sendo estudado, compreendido e classificado de forma que, em um futuro próximo, todas as pessoas, pelos mais diversos motivos, possam se livrar dessa prisão que é o não perdoar. Mesmo dentro do imperdoável, é possível aprender a se perdoar e a se livrar de toda a carga e do peso negativo que impede uma pessoa de seguir em frente. O que, se for feito com sinceridade, acrescenta de forma decisiva, tanto pessoalmente quanto profissionalmente, na vida de cada pessoa que pratica o ato de perdão.

REFERÊNCIAS
ENRIGHT, Robert, Psychological Science of Forgiveness: Implications for Psychotherapy and Education, USA: ACADEMIA, 2011.
HENRIQUES, Fernanda (org.), Paul Ricoeur e a Simbólica do Mal, Porto, Edições Afrontamento, 2005, pp. 35-40.
MEGASE, Kate, Unforgiveness and your health. Counselling Directory, 29 de dezembro de 2017, disponível em: https://www.counselling-directory.org.uk/memberarticles/unforgiveness-and-your-health acesso em: 08 de novembro de 2021.
PERDÂO, Etimologia da palavra perdão, Origem da Palavra, 2014, disponível em: https://origemdapalavra.com.br/pergunta/etimologia-da-palavra-perdao-2/ acesso em: 08 de novembro de 2021.
SUTTON, Phillip M., The enright process model of psychological forgiveness, 2018 disponível em: https://couragerc.org/wp-content/uploads/2018/02/Enright_Process_Forgiveness_1.pdf acessado em: 10 de novembro de 2021.
THOMPSON, Laura Y.; SNYDER, C. R., (2003). Measuring forgiveness. In Shane J. Lopez & C. R. Snyder (Eds.), Positive psychological assessment: A handbook of models and measures (pp. 301-312). Washington, DC, US: American Psychological Association.
WORTHINGTON JR, Everett L. (editor), Handbook of Forgiveness, New York: Routledge, 2005.
YOUNGER, Jarred W., et al., Dimensions of forgiveness: the views of laypersons, Journal of Social and Personal Relationships, SAGE Publications (www.sagepublications.com), Vol. 21(6): 837–855, Copyright © 2004 DOI: 10.1177/0265407504047843