Este mês é marcado pela campanha Abril Azul, que reforça a necessidade de ampliar a conscientização sobre o transtorno do espectro autista (TEA) e promover uma sociedade mais inclusiva. A iniciativa tem relação direta com o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado em 2 de abril por determinação da Organização das Nações Unidas (ONU).
Popularmente chamado de autismo, o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que engloba uma variedade de sintomas e graus de severidade. Os critérios diagnósticos incluem déficits persistentes na comunicação e na interação social em múltiplos contextos e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Hipersensibilidade ou hipossensibilidade sensorial e desenvolvimento motor atrasado também podem estar entre os sintomas.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela pedagoga e fonoaudióloga Valéria Sales. Mestre em diversidade e inclusão pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (IB/UFF), ela tem especialização em educação especial inclusiva, transtorno do espectro autista, atendimento educacional especializado e análise do comportamento aplicada/applied behavior analysis (ABA) para autismo e deficiência intelectual pelo Child Behavior Institute of Miami (CBI of Miami). É autora do livro ‘Transtorno do espectro autista: oficinas multissensoriais’ (Wak Editora).
Quais as dificuldades sensoriais apresentadas por pessoas com TEA e de que forma interferem em seu processo de socialização e inclusão?
Quem tem TEA enfrenta diversas dificuldades sensoriais frequentemente, o que pode incluir hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais, como sons, luzes, texturas e cheiros. Algumas pessoas podem se sentir sobrecarregadas por ruídos altos ou luzes brilhantes, enquanto outras podem não perceber estímulos que a maioria considera normais.
Essas dificuldades sensoriais geralmente interferem significativamente no processo de socialização e inclusão. Quando um ambiente é muito estimulante, a pessoa pode se sentir ansiosa ou desconfortável, o que pode levar a comportamentos de evitação ou a dificuldades em interagir com os outros. Além disso, a falta de compreensão por parte de colegas e adultos sobre essas sensibilidades pode resultar em isolamento social, já que a pessoa pode ser vista como “diferente, antipática ou estranha”.
Para promover a inclusão, é importante criar ambientes sensoriais mais amigáveis e oferecer suporte adequado, como espaços tranquilos para relaxamento e compreensão das necessidades sensoriais individuais. Isso pode ajudar as pessoas com TEA a se sentirem mais confortáveis e abertas a interações sociais.
De que maneira é possível trabalhar as questões sensoriais com o objetivo de viabilizar a socialização e a inclusão de pessoas com TEA?
Para viabilizar a socialização e a inclusão de pessoas com TEA, é importante adotar algumas abordagens e estratégias. Promover campanhas de conscientização sobre o transtorno nas escolas, locais de trabalho e comunidades para reduzir estigmas e preconceitos; criar espaços que sejam acolhedores e adaptados às necessidades sensoriais das pessoas com TEA, como áreas com menos estímulos visuais e sonoros; organizar eventos e atividades que incentivem a interação social, como grupos de interesse, oficinas e jogos, em que as regras sejam claras e a participação seja incentivada.
Outras medidas são oferecer programas que ensinem habilidades sociais específicas, ajudando as pessoas com TEA a se sentirem mais confortáveis em interações sociais; envolver as famílias no processo de inclusão, oferecendo suporte e recursos para que possam ajudar seus filhos ou parentes a se socializarem; trabalho colaborativo com terapeutas, educadores e outros profissionais que possam oferecer orientações e estratégias personalizadas; utilizar ferramentas tecnológicas que possam facilitar a comunicação e a interação social, como aplicativos e dispositivos que ajudem na expressão de sentimentos e necessidades.
Essas ações, quando implementadas de forma colaborativa e respeitosa, podem contribuir significativamente para a inclusão e a socialização de pessoas com TEA, promovendo um ambiente mais acolhedor e compreensivo.
Qual a importância da relação entre família e escola para o desenvolvimento do educando com TEA?
A relação entre família e escola é fundamental para o desenvolvimento de educandos com TEA. A colaboração entre esses dois ambientes pode proporcionar um suporte mais eficaz e integrado, ajudando a atender as necessidades específicas de cada indivíduo.
A família desempenha um papel crucial ao compartilhar informações sobre as características e as preferências, além de fornecer insights sobre as rotinas e os comportamentos em casa. Isso permite que os educadores compreendam melhor o educando e adaptem suas abordagens pedagógicas.
Por outro lado, a escola oferece um ambiente estruturado onde o educando pode desenvolver habilidades sociais, acadêmicas e emocionais. A comunicação constante entre responsáveis e professores é essencial para monitorar o progresso do educando, identificar desafios e celebrar conquistas.
Programas de formação e sensibilização para a equipe escolar também são importantes, pois ajudam a criar um ambiente inclusivo e acolhedor. Quando família e escola trabalham juntas, é possível criar um plano de apoio que favoreça o desenvolvimento integral do educando com TEA, promovendo sua autonomia e seu bem-estar.
Fale sobre a importância da ação colaborativa entre escola, aluno, família e professores?
Essa ação colaborativa é essencial para o desenvolvimento integral do educando, especialmente para aqueles com TEA. Essa colaboração traz diversos benefícios, dentre eles, a comunicação eficiente: a troca de informações entre todos os envolvidos permite que cada parte compreenda melhor as necessidades e os desafios do educando, criando um ambiente mais acolhedor e adaptado.
Outro benefício é o planejamento personalizado: com a colaboração, é possível desenvolver um plano educacional individualizado que leve em conta as habilidades, os interesses e as dificuldades do educando, promovendo um aprendizado mais eficaz.
Suporte emocional: a união entre família e escola proporciona um suporte emocional mais robusto para o educando. Saber que todos estão trabalhando juntos para seu bem-estar pode aumentar a confiança e a motivação do educando.
Desenvolvimento de habilidades sociais: a interação entre o educando, seus colegas e os adultos em diferentes contextos (escola e casa) ajuda a desenvolver habilidades sociais importantes, promovendo a inclusão e a empatia.
Monitoramento do progresso: a colaboração permite um acompanhamento mais próximo do progresso do educando. Responsáveis e professores podem compartilhar observações e ajustar estratégias conforme necessário, garantindo que o educando receba o suporte adequado.
Resolução de conflitos: quando surgem desafios ou conflitos, uma abordagem colaborativa facilita a resolução, pois todos os envolvidos estão alinhados e comprometidos com o bem-estar do educando.
Promoção da autonomia: ação conjunta ajuda a ensinar o educando a se tornar mais autônomo, pois ele aprende a interagir com diferentes pessoas e ambientes, desenvolvendo habilidades que são essenciais para sua vida cotidiana.
A colaboração entre escola, educando, família e professores cria um ecossistema de apoio que é fundamental para o sucesso educacional e emocional do educando, promovendo um ambiente inclusivo e estimulante.
Como deve ser o fazer da equipe multidisciplinar no âmbito escolar?
A equipe multidisciplinar no âmbito escolar desempenha um papel crucial na promoção do desenvolvimento integral dos educandos, especialmente os neuroatípicos, como os que têm TEA ou outras questões relacionadas aos transtornos de aprendizagem.
A equipe multidisciplinar geralmente é composta por profissionais de diferentes áreas, como professores, que conhecem o currículo e as metodologias de ensino; psicólogos, profissionais que ajudam a entender o comportamento e as necessidades emocionais dos educandos; fonoaudiólogos, especialistas que trabalham com a comunicação e a linguagem; terapeutas ocupacionais, profissionais que ajudam a desenvolver habilidades motoras e de vida diária; assistentes sociais, profissionais que podem abordar questões sociais e familiares que impactam o educando.
A equipe faz avaliações abrangentes para identificar as necessidades específicas de cada educando. Isso inclui testes de habilidades acadêmicas, sociais e emocionais, além de observações em sala de aula; auxílio na elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI) com o objetivo de adaptar às necessidades e às potencialidades do educando. O acompanhamento contínuo é fundamental para avaliar a eficácia das intervenções e fazer ajustes conforme necessário.
A equipe também pode oferecer formação e sensibilização para os professores e demais funcionários da escola, promovendo um ambiente mais inclusivo e acolhedor. Isso ajuda a criar uma cultura escolar que valoriza a diversidade e a inclusão.
A equipe multidisciplinar trabalha em estreita colaboração com as famílias, envolvendo-as no processo educativo e nas decisões sobre o atendimento do educando, com o objetivo de fortalecer a rede de apoio e garantir que as estratégias sejam consistentes em casa e na escola.
A equipe multidisciplinar no âmbito escolar é essencial para atender às necessidades diversificadas dos educandos, promovendo um ambiente de aprendizado mais eficaz e inclusivo. A colaboração entre diferentes profissionais e a participação ativa da família são fundamentais para o sucesso.
Detalhe o Plano Educacional Individualizado.
O PEI é uma ferramenta pedagógica que visa atender às necessidades específicas de cada aluno, especialmente aqueles com dificuldades de aprendizagem ou necessidades educacionais especiais. A elaboração e a implementação do PEI requerem uma abordagem multidisciplinar, envolvendo diferentes áreas do conhecimento e profissionais da educação. Os componentes do PEI são:
1. Avaliação diagnóstica: identificação das habilidades, dificuldades e interesses do aluno.
2. Objetivos educacionais: definição de metas claras e alcançáveis para o aluno.
3. Estratégias de ensino: métodos e recursos adaptados ao estilo de aprendizagem do aluno.
4. Acompanhamento e avaliação: monitoramento contínuo do progresso do aluno e ajustes no plano conforme necessário.
Atuação pedagógica
∙ Personalização do ensino: o PEI permite que o professor adapte suas práticas pedagógicas para atender às necessidades individuais dos alunos.
∙ Inclusão: promover a inclusão escolar, garantindo que todos os alunos tenham acesso a um ensino de qualidade.
∙ Colaboração entre educadores: envolva a colaboração entre professores, especialistas (como psicólogos e fonoaudiólogos) e familiares para um suporte mais eficaz.
Abordagem multidisciplinar
∙ Trabalho em equipe: profissionais de diferentes áreas (educação, saúde, psicologia) colaboram para desenvolver estratégias que atendam às diversas dimensões do aprendizado.
∙ Integração de conhecimentos: a atuação multidisciplinar permite integrar conhecimentos de diversas disciplinas, enriquecendo o processo educativo.
∙ Intervenções diversificadas: utilização de diferentes abordagens terapêuticas e pedagógicas para abordar as necessidades específicas dos alunos.
Conclusão
O PEI é uma ferramenta essencial para promover a inclusão e o desenvolvimento integral dos alunos com necessidades especiais. Sua eficácia depende da colaboração entre educadores e profissionais de diversas áreas, garantindo um atendimento personalizado e multidimensional. A atuação pedagógica deve ser flexível e adaptativa, sempre focando no potencial de cada aluno.
Quais as principais conquistas no que diz respeito ao TEA no Brasil?
O TEA é uma condição que tem ganhado cada vez mais atenção no Brasil tanto em termos de conscientização quanto de políticas públicas. Seguem algumas das principais conquistas.
Conscientização e visibilidade: nos últimos anos, houve um aumento significativo na conscientização sobre o TEA com campanhas educativas e eventos que promovem a inclusão e o respeito às diferenças.
Legislação: a promulgação de leis como a Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, foi um marco importante. Ela garante direitos como acesso a educação, saúde e assistência social.
Educação inclusiva: muitas escolas implementam práticas de inclusão para alunos com TEA, adaptando currículos e formando professores para lidar com as necessidades específicas desses estudantes.
Serviços de saúde: o aumento da oferta de serviços especializados em saúde mental e terapias para pessoas com TEA, incluindo aulas precoces, tem contribuído para um melhor desenvolvimento das crianças significativas.
Grupos de apoio e redes sociais: o fortalecimento de grupos de apoio e comunidades on-line tem fornecido suporte emocional e troca de informações entre famílias, ajudando na construção de uma rede solidária.
E quais os principais desafios ainda pela frente?
Formação de profissionais: mesmo com os avanços, ainda há uma necessidade urgente de formação adequada para educadores e profissionais da saúde sobre o TEA, suas características e estratégias de intervenção.
Recursos limitados: muitas vezes, as escolas não fornecem os recursos necessários (como materiais didáticos adaptados ou profissionais especializados) para atender os alunos com TEA.
Estigmas e preconceitos: o preconceito ainda é um grande obstáculo. Muitas pessoas ainda têm uma compreensão limitada sobre o TEA, o que pode levar à discriminação e à exclusão social.
Acesso a tratamentos: embora haja serviços disponíveis, o acesso a tratamentos adequados pode ser desejável, especialmente em áreas rurais ou menos favorecidas economicamente.
Políticas públicas consistentes: é necessário que haja continuidade nas políticas públicas externas para o TEA, garantindo que os direitos das pessoas com autismo sejam respeitados e tenham efeitos implementados em todos os níveis.
Embora o Brasil tenha avançado significativamente na conscientização e no tratamento do TEA, muitos desafios ainda precisam ser enfrentados para garantir que todas as pessoas com autismo tenham acesso a uma vida plena e inclusiva. A colaboração entre governo, sociedade civil e famílias é fundamental para promover mudanças significativas nesse contexto.