Estudos científicos da neuroeconomia comprovam que a tomada de decisão não ocorre de forma puramente racional. Diferentemente do que alguns economistas mais tradicionais ainda defendem, as emoções e os aspectos biológicos desempenham um papel fundamental no processo decisório, sendo responsáveis por coordenar o comportamento a maior parte do tempo.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo cientista econômico Pedro Vieweger.
Professor da View Comportamento, ele faz pesquisas sobre neuroeconomia, transtornos mentais, pobreza e desenvolvimento humano. É doutorando e mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde também fez especialização em neurociências e comportamento e graduou-se com formação multidisciplinar, somando ao bacharelado em ciências econômicas os cursos superiores de complementação de estudos em psicologia e desenvolvimento e em ética.
Por que se tornou economista e o que o levou ao envolvimento em áreas como neuroeconomia, economia comportamental, psicologia e desenvolvimento humano?
Tornei-me economista por influência do meu pai, que, quando eu tinha, mais ou menos, 15 anos, me ensinou a investir na bolsa de valores. Posteriormente, acabei gostando de ler livros sobre investimentos e sobre finanças pessoais e optei por ciências econômicas na hora de prestar o vestibular. Logo no início da faculdade, consegui um estágio numa corretora da bolsa de valores e acabei me dedicando ao mundo dos investimentos por alguns anos. Tanto é que tranquei o curso de ciências econômicas logo no início e retornei à faculdade somente seis anos depois.
O que despertou o meu interesse nas áreas de neuroeconomia, economia comportamental etc., basicamente, foi que, durante o período no qual eu estava no mercado financeiro, comecei a identificar uma questão um tanto controversa. No mercado financeiro, assim como no início dos cursos de ciências econômicas, existe uma máxima de que os agentes econômicos são racionais, de que as pessoas tomam decisões racionais. Sobre isso, acredito que haja uma influência dos economistas mais tradicionais, que aprendem e lecionam esse conceito. Em alguns casos, é claro, tanto o pessoal do mercado financeiro quanto os economistas afirmam que as pessoas podem tomar decisões por impulso, podem ter comportamentos irracionais, mas que no geral as decisões são racionais.
Tudo isso, de certa forma, me incomodava, porque não fazia sentido. Bastava olhar para o comportamento das pessoas para entender que elas não são racionais no nível em que os economistas e o mercado financeiro pregam. Então, ao retornar para o mundo acadêmico, decidi não somente retomar a graduação de ciências econômicas, mas também cursar minors, que são cursos superiores de complementação de estudos ofertados na minha universidade. Escolhi o curso de psicologia e o de ética.
Também foi por meio desse incômodo que me aproximei de questões que envolvem saúde mental, desenvolvimento humano e comportamento. E é claro que, quando se olha para o mundo acadêmico, para as pesquisas que ocorrem de modo interdisciplinar, entendemos que a concepção disseminada no mercado financeiro e entre economistas tradicionais está fundamentalmente equivocada. Isso só fez com que eu me apaixonasse ainda mais pelo tema e me aprofundasse em questões voltadas especificamente para a tomada de decisão.
O que é a neuroeconomia e como surgiu?
A neuroeconomia é um campo de estudos formado por diversos cientistas, como, por exemplo, economistas, psicólogos, psiquiatras, neurobiólogos e neurologistas, que têm interesse em identificar quais são os substratos neurais que estão envolvidos em uma tomada de decisão. É importante destacar que a tomada de decisão não é estudada somente em humanos, mas também em não humanos.
A neuroeconomia surgiu de modo mais robusto por volta de 2001, 2002, mas o termo já foi utilizado em 1991, quando começou um movimento de se pensar quais os nomes que seriam dados para as novas áreas de pesquisas influenciadas por instrumentos neurocientíficos. Por exemplo, na palavra neuroeconomia, neuro tem como significado os instrumentos de mensuração da atividade neural e economia é interpretada como qualquer tomada de decisão.
Outro ponto muito importante é que a neuroeconomia não faz somente pesquisas de tomada de decisão que envolvem questões financeiras. Bem pelo contrário, ela estuda a tomada de decisão de modo mais genérico, mais amplo. Existem pesquisas de neuroeconomia, por exemplo, que estão dedicadas a questões de transtornos do neurodesenvolvimento, transtornos do humor, esquizofrenia, ao comportamento de risco, às preferências nas escolhas, ao comportamento social etc.
Qual a diferença entre economia comportamental e neuroeconomia?
A economia comportamental e a neuroeconomia são bem diferentes no que diz respeito ao modo de condução das pesquisas. A neuroeconomia está preocupada em entender os substratos neurais, os aspectos biológicos que impactam a tomada de decisão, enquanto a economia comportamental tem se dedicado somente ao comportamento.
Por exemplo, os instrumentos utilizados nas pesquisas de neuroeconomia são de mensuração da atividade neural envolvida em uma decisão, como uma eletroencefalografia, uma ressonância magnética funcional etc. Há pesquisas de neuroeconomia que conversam bastante com questões epigenéticas, para entender os aspectos hereditários que podem impactar a formação do sistema nervoso, ou também na identificação de hormônios que exercem influência na tomada de decisão.
Então podemos dizer, didaticamente, que a economia comportamental avalia o comportamento e a neuroeconomia tenta entender como esse comportamento é gerado a partir das das interações neurais no sistema nervoso.
Estudos científicos comprovam que a tomada de decisão não ocorre de forma puramente racional e que emoções e aspectos biológicos desempenham um papel fundamental, sendo responsáveis por coordenar o comportamento humano a maior parte do tempo. Dessa forma, como garantir uma tomada de decisão eficiente, seja nas questões econômicas, seja em todos os outros aspectos da vida?
Não há como garantir uma tomada de decisão eficiente. As pesquisas de neuroeconomia têm demonstrado que a capacidade de tomar decisões eficientes, por mais que a gente tenha essa vontade, foge ao nosso controle.
Para se entender uma tomada de decisão de modo mais completo, não devemos olhar somente para o que está acontecendo agora. O neuroendocrinologista norte-americano Robert Sapolsky descreve isso muito bem. Segundo ele, para entender um comportamento que acabou de ocorrer, compreender como foi gerada a decisão para esse comportamento, temos que olhar para o cérebro e além. Para isso, voltamos um segundo na tomada de decisão e olhamos primeiramente para o cérebro. Porém, para entender o que ocorreu no cérebro, temos que retornar alguns segundos e até minutos antes para entender quais foram os fatores sensoriais que ativaram o sistema nervoso. Contudo o sistema nervoso não é estável. Então temos que olhar para horas ou dias para entender quais foram os hormônios que agiram para modificar a ação do sistema nervoso. No entanto podemos ter também alguma questão ainda anterior que modificou o neurodesenvolvimento daquele sujeito. Então temos que olhar para semanas ou anos antes dessa tomada de decisão para entender quais os aspectos ambientais que precederam e modificaram a estrutura do cérebro daquele sujeito. Porém, se a gente quiser olhar de modo mais amplo, temos que entender quais foram os fatores do desenvolvimento fetal e a genética que estava envolvida e que pode ter sido modificada ao longo de gerações por questões culturais, por exemplo.
Também é preciso mencionar que existem teorias de neuroeconomia que afirmam o papel das emoções como algo imprescindível para que uma decisão seja tomada de modo que não proporcione prejuízos para uma pessoa. Essas emoções estão fortemente ligadas com o aprendizado que ocorre posteriormente à tomada de uma decisão. Então, quando temos algo que modifica as emoções ou a capacidade de aprendizado dessa experiência, é possível que as decisões tomadas não sejam as melhores possíveis. Porém, como falei anteriormente, as nossas emoções podem ser impactadas por questões que não são do agora, mas de inúmeras variáveis que impactaram nosso sistema nervoso e, consequentemente, a nossa cognição ao longo de muitos anos. Então é muito complicado dizer que é possível garantir uma tomada de decisão eficiente.
De que forma a neuroeconomia pode contribuir para a criação de melhores estratégias e práticas de gestão no ambiente corporativo?
Para essa questão do mundo corporativo, acredito que a neuroeconomia pode contribuir apresentando evidências de que no ambiente de negócios, no ambiente corporativo, as decisões são tomadas por um sujeito ou por um grupo de pessoas que possuem as suas peculiaridades biológicas e que, por isso, podem tomar decisões que fiquem aquém do esperado. Os gestores tendo essa informação podem ser mais cautelosos e realistas sobre o que esperar das pessoas e das decisões que são tomadas por elas.
E de que forma ela pode contribuir para o sucesso dos negócios?
Para falar a verdade, acredito que hoje em dia a neuroeconomia tem colocado mais barreiras com relação ao desenvolvimento de estratégias para o sucesso de um negócio ou para qualquer tipo de empreitada. Ao longo dos últimos 20 anos de pesquisa, a neuroeconomia tem apresentado cada vez mais evidências de que o comportamento humano, a tomada de decisão, aquilo que nos faz agir, é de extrema complexidade. E nós ainda estamos no início dessa empreitada de desvendar toda essa complexidade, se é que nós vamos conseguir fazer isso um dia.
E para o desenvolvimento das nações?
Para as nações, os resultados das pesquisas de neuroeconomia podem contribuir na formulação de melhores políticas públicas. Por exemplo, sabemos que fatores ambientais e genéticos estão correlacionados com o neurodesenvolvimento. Nesse sentido, a neuroeconomia tem investigado como as pessoas impactadas negativamente por esses fatores tomam decisões e se essas decisões prejudicam as suas vidas. Um formulador de política pública bem informado e disposto pode criar mecanismos que minimizem os riscos ambientais para a formação anormal do cérebro ou, posteriormente, para que se minimize os prejuízos causados por tal.
Quais as expectativas para o futuro da neuroeconomia?
Sobre o futuro da neuroeconomia, sou suspeito. Os neuroeconomistas acreditam que a neuroeconomia tem praticado a forma mais sofisticada de investigação científica para a compreensão do comportamento humano. Particularmente, creio que, em um futuro breve, a neuroeconomia será incorporada nos currículos dos cursos mais tradicionais que possuem interesse em estudar o comportamento humano, seja nas ciências econômicas, seja na psicologia, biologia etc.