O Dia dos Namorados está próximo, o que torna o momento propício para aprofundar o tema relacionamentos afetivos, inclusive avaliar de que forma a pandemia os afetou. Segundo a psicóloga Fabiana Carvalhal, o autoconhecimento é indispensável nas relações harmoniosas, saudáveis e duradouras. Nesta entrevista, ela também destaca que mais de 90% dos términos possuem sua problemática focal na comunicação entre o casal.

Fabiana é psicóloga clínica, psicodramatista e trainer em PNL sistêmica. Há 21 anos, atua nas áreas clínica, hospitalar, escolar e organizacional.

Graduada em psicologia na UNIFMU-SP, fez pós-graduação em psicodrama na PUC-SP e é practitioner, master e trainer em PNL sistêmica pela PAHC-SP. Tem especialização em reabilitação cognitiva e neuropsicológica e em neuropsicologia com formação em reabilitação cognitiva (HCFMUSP-SP).

Por que se relacionar amorosamente está cada dia mais desafiante?

Pergunta complexa. Relacionar-se é desafiante, justamente porque há necessidade de conciliarmos dois quereres, pelo menos é assim que acredito que deva ser. Não tão antigamente, no século passado, prevalecia um querer, geralmente o do homem ou da família. Com o passar do tempo, esse modelo de abrir mão de quereres em prol dos valores sociais continuou atual. Na minha experiência de estudos e consultório, a descoberta do “poder escolher o que se quer e com quem se quer estar” é muito recente, nos últimos 15 a 20 anos. Parece assustador, mas é realidade. Ainda nos dias atuais, as pessoas se relacionam para postar e/ou estarem adequadas ao meio social e ao que sonharam ser o certo.

Por que no tempo dos nossos avós e bisavós os relacionamentos duravam e por que hoje há tantos divórcios e separações?

Para mim, separações e divórcios não são sinônimos de que algo deu errado, mas sim de algo que deu certo o tempo que estiveram juntos. Muitos dogmas nos foram impostos na época da inquisição. Medos e crenças foram criados em torno dos relacionamentos amorosos, ou nada amorosos, muitas vezes financeiros e de interesses. Com o passar dos tempos, com a independência financeira, profissional e emocional, os casais começaram a se permitir pensar, questionar os modelos e a escolher o que se deseja de uma relação amorosa. O que não quer dizer que hoje vivemos o autoconhecimento e a plena escolha. Infelizmente, ainda carregamos muitas crenças limitantes sobre relacionar-se.

Qual é o segredo ou a receita dos relacionamentos duradouros e harmônicos?

Duradouro não é sinônimo de saudável. Já harmônico, sim. Eu acredito, diante de diversos estudos da psicologia e neurociência, que o autoconhecimento pode ser o grande segredo para se ter relacionamentos cada vez mais harmônicos, saudáveis e até duradouros. Quando nos conhecemos, através do tempo – pois, sim, mudamos com o tempo e aprendizados -, possuímos mais recursos para fazermos escolhas de sim ou de não nos relacionarmos.

Assim como o autoconhecimento, o amor próprio é importante para que os relacionamentos funcionem? Explique.

Eu acredito que o amor próprio, entre outras capacidades e recursos, fazem parte do trabalho para se ter autoconhecimento. Digo muito trabalho, pois somos seres mutáveis e mudamos de opiniões, quereres, gostos, projetos e até de personalidade se assim desejarmos e trabalharmos firmemente para isso. O autoconhecimento é indispensável para sabermos o que desejamos de nós, do outro e da relação, bem como de como explicaremos a(o) nosso(a) parceiro(a) que o buscamos, queremos. Posso dizer que mais de 90% dos términos de relacionamentos amorosos possuem sua problemática focal na comunicação. Desejamos, idealizamos algo, e, mais que isso, desejamos “romanticamente” que o outro adivinhe nossos quereres por conta de eles serem “óbvios”. Como já escrevi em alguns dos meus textos, o óbvio não existe. Tudo deve ser conversado, combinado, “reconversado” e combinado novamente. Então o segredo é a comunicação, só que, para ela acontecer, há necessidade de muito autoconhecimento e vice-versa.

E a preocupação com o outro, até que ponto ela é importante e até que ponto pode se tornar exagerada? Como saber dosar?

Em saúde emocional, dizemos sempre que o exagero nunca é bom para ninguém. Digo que a empatia é a base inicial para qualquer relação saudável. É verdade também que, na fase da paixão, nossa capacidade de empatia está mais aflorada ou deveria estar. Então, policiarmos referente a “quantas anda” nossa empatia é fundamental. Em PNL sistêmica, posso dizer que, além da empatia, o que deveria ser saudável existir é o que chamamos de rapport e estado de presença. Muito resumidamente, são capacidades para estar em sintonia consigo, com o outro, com a relação e com o sistêmico, tudo ao mesmo tempo.

Existe a pessoa certa para se relacionar? E como saber quem é ela?

Existe a pessoa certa na hora certa. Primeiramente voltamos ao autoconhecimento, para só então olharmos para o lado e pensarmos e enumerarmos quais características desejamos que alguém ao nosso lado tenha. Como digo aos meus pacientes, desenhamos um crivo, aí é “só” encaixarmos nas pessoas que conhecemos e saberemos se elas possuem requisitos indispensáveis para nós ou se não possuem algumas características que relacionamos, mas que não são indispensáveis. Existem as características inegociáveis e outras que gostaríamos que a pessoa tivesse, mas não são indispensáveis, assim podemos “abrir mão”. Relacionar-se é um jogo constante de negociação com nossos quereres e os do outro.

O momento pandêmico mexeu muito com os relacionamentos amorosos?

Infelizmente cheguei à constatação que estamos ainda mais confusos referente a nós, nossos quereres e ao se relacionar durante todo esse momento pandêmico. Primero, o isolamento forçado e as descobertas de como convivermos com os medos e com o outro 24 horas conosco ou longe de nós. Agora, com a reabertura e a flexibilização das normas sanitárias, muitas pessoas saíram em disparada, às vezes de maneira frenética, a fim de conhecer alguém urgentemente. Então por que não assumimos nossa condição humana e, com calma e humildade, recomeçamos? Já acenderam a luz, de repente, após estar muito tempo no escuro? Então, é isso o que acontece quando nos desesperamos, quando achamos que não temos mais tempo a perder, quando somos consumidos pela ansiedade e queremos a qualquer custo ter alguém. Conforme falei nas perguntas anteriores, o autoconhecimento, a comunicação, o rapport e o estado de presença são recursos importantíssimos para nos relacionar amorosamente, bem como também reaprender a nos relacionar após tantas mudanças que o momento pandêmico nos desafiou. Eu incluiria o TOTS como mais uma ferramenta para alinhavar tudo que falamos até o momento sobre relacionar-se.

O que é o TOTS?

Em PNL sistêmica, “uma estratégia mental é tipicamente organizada em um circuito básico de feedback chamado TOTS. (Miller, etc., 1960)”. Conforme Robet Dilts, pai da PNL sistêmica, as letras TOTS significam teste-operação-teste-saída. Segundo o conceito de TOTS, todos os programas mentais e comportamentais giram em torno de se ter um objetivo fixo e uma variedade de caminhos para o alcance desse objetivo. Este modelo indica que, quando pensamos, definimos metas em nossa mente (consciente e inconsciente) e desenvolvemos um TESTE para quando a meta for alcançada. Se a meta não for alcançada, nós OPERAMOS para mudar algo ou fazemos algo que nos aproxime da meta. Quando nosso critério de TESTE for satisfeito, nós então SAÍMOS para os próximos passos. Colocamos para nós várias metas, tempos e objetivos, muitas vezes jogados e misturados à vida excepcional que desenhamos para nós, com suas excelências e “times” muitas vezes sem nenhum sentido. O TOTS auxilia nisso: traçarmos objetivamente o que desejamos e como saberemos que alcançamos. “Quem não sabe onde quer chegar chega a qualquer lugar.” O importante nesse conceito é que o OBJETIVO é FIXO, mensurável, atingível e com evidências de que foi atingido. O que se movimenta são as OPERAÇÕES, “uma variedade de caminhos/meios para atingir esse objetivo (Robert Dilts)”. É muito comum as pessoas mudarem os objetivos o tempo todo por não os ter bem definidos. O adequado é termos o objetivo fixo e modificarmos as estratégias para alcançarmos esse objetivo, e não mudar o objetivo, se perdendo em si, dando aquela sensação de não saber onde está, onde quer chegar e o que está fazendo de sua vida. Então, qual seu TOTS referente a se relacionar amorosamente?