A psico-oncologia vai encontrar seu campo de trabalho diante do cenário de angústia, sofrimento e incertezas que o universo do câncer impõe ao paciente e seus familiares. Tem como objetivo maior oferecer apoio, suporte e acompanhamento em todas as etapas, desde a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, os cuidados paliativos até a reabilitação. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela psicóloga oncológica e paliativista Gláucia Flores.
Graduada em psicologia pela Universidade Franciscana (Santa Maria/RS), especialista em psicologia em oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA-RJ) e em cancerologia pelo Hospital Erasto Gaertner (Curitiba/PR), Gláucia reside em Brasília, onde atua em sua clínica particular com atendimentos presenciais, on-line, domiciliar e hospitalar. Também é palestrante, docente, coautora do livro ‘Um dia de cada vez: guia de suporte emocional da mulher com câncer’ e autora de livros digitais psicoeducativos para pacientes e familiares que estão disponíveis no Instagram.
O que é psico-oncologia e quais as atribuições de um psicólogo da área?
A psico-oncologia é uma especialidade que tem como objetivo cuidar de pessoas que possuem o diagnóstico de câncer. Busca compreender e tratar os aspectos emocionais, psicológicos e comportamentais relacionados ao diagnóstico, tratamento, vida após o câncer e cuidados paliativos. A psico-oncologia considera paciente e familiar como sendo um todo que precisa de suporte, apoio e cuidado durante a trajetória do adoecimento.
O psico-oncologista pode atuar desde a prevenção, como, por exemplo, participando de campanhas de prevenção, como Outubro Rosa e Novembro Azul, e tantos outros momentos que informações podem e devem ser compartilhadas com a sociedade de forma geral. Atua também em todas as fases do tratamento oncológico, contribuindo para que paciente e família desenvolvam recursos de enfrentamento para atravessar o processo de doença e tratamento.
O que todo psico-oncologista deve buscar é ajudar paciente e família a viverem além e apesar do câncer, almejando como foco a qualidade de vida e bem-estar psicológico diante desse contexto. Outras formas de atuação são: apoio emocional, intervenção em crise, avaliação psicológica, psicoterapia de apoio, psicoeducação, trabalho multidisciplinar, atuar em pesquisas.
O papel da psico-oncologia é fundamental no contexto oncológico, pois visa garantir que o paciente e o familiar tenham sua saúde física e mental cuidada, humanizando a assistência.
O que faz um psicólogo paliativista?
O psicólogo que atua em cuidados paliativos é aquele profissional que trabalha oferecendo cuidado psicológico a pacientes com doenças graves, crônicas e/ou sem possibilidade de tratamento curativo. Seu foco é ajudar na minimização do sofrimento decorrente do processo de doença e promover qualidade de vida ao paciente e sua rede de apoio. O psicólogo paliativista atua em conjunto com uma equipe multiprofissional com o intuito de cuidar de todas as dimensões de sofrimento humano: físico, emocional, espiritual, social e familiar.
Os cuidados paliativos exigem uma abordagem sensível, empática, personalizada, levando sempre em consideração a autonomia e os desejos de cada pessoa. Lembrando que empatia, diferente do que de forma geral é propagada normalmente, não está relacionada a se colocar no lugar do outro e fazer para o outro o que eu gostaria que fizessem para mim. Não, isso é egoísmo, pois, se eu fizer ao outro o mesmo que eu gostaria que fosse feito para mim, não saberei ao certo se é disso que o outro precisa e deseja.
Agora, quando tentamos enxergar o mundo por meio do olhar do outro, buscar compreender a realidade de cada pessoa e dar voz e vez a essa pessoa para que ela diga o que ela considera importante e quais são seus desejos e vontades, aí sim estaremos sendo empáticos. E, na oncologia e nos cuidados paliativos, o que mais precisamos é desse conceito de empatia.
Quais as principais características/atributos que devem ter os profissionais da área?
O psicólogo que atua no contexto oncológico e de cuidados paliativos deve possuir uma sólida formação tanto nas áreas de psicologia e saúde mental quanto nas áreas oncológica e de cuidados paliativos. Deve buscar sempre o aprimoramento de habilidades específicas para atuar da melhor forma diante do universo que a oncologia impõe.
Também é importante salientar que atuar em cenários que apresentam uma alta carga emocional e sofrimento exige que o profissional desenvolva mecanismos de enfrentamento e de autocuidado imprescindíveis para se prestar uma assistência de excelência a quem busca os serviços desses profissionais. O paciente oncológico requer profissionais diferenciados e capacitados para fornecerem adequada assistência e tratamento. Estamos falando de uma área complexa em que é preciso atualização constante, muito comprometimento e amor pelo que se faz.
Quais os principais desafios enfrentados nessa profissão?
Atuar como psico-oncologista nos convida constantemente a aprender a lidar e manejar vários desafios específicos tanto nos aspectos técnicos quanto emocionais, tais como:
– Lidar diariamente com o sofrimento do outro, com a dor do outro, nos convoca a desenvolver uma grande capacidade de equilíbrio emocional e resiliência.
– Buscar sempre a manutenção do cuidado empático, ético e do autocuidado. É fundamental possuir estratégias para cuidar de si, pois só assim o profissional vai estar bem e inteiro para cuidado do outro.
– Gerenciar o tempo, a carga de trabalho e a formação contínua – aliados ao trabalho interdisciplinar.
Esses são alguns dos desafios que se apresentam ao psicólogo oncológico e que devem sempre nortear a prática do profissional.
Quais são as principais satisfações alcançadas nessa área de atuação da psicologia?
Pra mim, a maior satisfação é ajudar o paciente que chega até mim, na maioria das vezes, sem esperança, triste e impactado pelo diagnóstico a reencontrar seu sentido de vida e a esperança de viver além da doença e do tratamento. Contribuir para que paciente e família encontrem forças e mecanismos para enfrentar a trajetória do adoecimento e ajudar a minimizar, de algum modo, o sofrimento inerente a esse momento, sempre é muito gratificante e é o que dá sentido à minha prática no contexto oncológico. Fornecer apoio e suporte emocional em um dos piores momentos que a pessoa está vivendo e ajudá-la a superar e contribuir para melhorar sua qualidade de vida é sempre uma grande satisfação.
Qual a importância da psicologia no processo de prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos na oncologia?
Diante do cenário de angústia, sofrimento e incertezas que o universo do câncer impõe ao paciente e seus familiares, a psico-oncologia vai encontrar seu campo de trabalho. O objetivo maior da psico-oncologia é oferecer ao paciente e a família apoio, suporte e acompanhamento em todas as etapas, desde a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, os cuidados paliativos até a reabilitação. O psicólogo oncológico irá proporcionar um espaço de escuta e acolhimento em que as questões emocionais do adoecer e suas repercussões poderão ser compartilhadas, sentidas, pensadas, trabalhadas e cuidadas.
O psicólogo oncológico é aquele profissional especializado que vai ter um olhar para além da doença, um olhar que busca resgatar o ser humano por trás do adoecimento e de seu estigma. É o profissional que vai possibilitar a ele um lugar que sua dor e seu sofrimento sejam acolhidos e respeitados.
Também importante lembrar que cuidar da saúde mental e dos aspectos emocionais durante o tratamento oncológico tem impacto na resposta ao tratamento, pois o sofrimento, a angústia e o estresse crônico interferem negativamente na resposta ao tratamento e no prognóstico da doença. Diante disso, é de extrema importância que os aspectos emocionais, psicológicos e a saúde mental sejam cuidados e tratados durante o tratamento do câncer. Essa área não pode e não deve ser negligenciada tanto pelos pacientes e familiares quanto pelos profissionais.
De que forma podemos ajudar um paciente com câncer?
Acredito que existem alguns comportamentos e modos de agir que podem contribuir muito para ajudar alguém que está passando pelo tratamento oncológico. Vejamos algumas formas:
– Lembre-se de que a pessoa não deixou de ser uma pessoa. Ela continua tendo desejos, vontades e é capaz de decidir sobre sua própria vida. Ela não se tornou incapaz porque está com câncer.
– Pergunte se você pode ajudar em algo e de que maneira. Às vezes, o que você acha que a pessoa quer ou precisa nem sempre é o que ela deseja ou necessita no momento.
– Entenda que ter momentos tristes e chorar fazem parte do processo de adoecimento. Altos e baixos e oscilações de humor são naturais. Não pense que só porque a pessoa está chorando ela está se entregando. Expressar emoções é natural e inclusive faz bem. Lembre-se sempre disso. Permita que a pessoa expresse suas emoções e se permita expressar as suas também.
– Ofereça apoio, mostre que se importa, seja afetivo. A pessoa que está em tratamento fica mais sensível, mais frágil e é importante que ela receba amor, carinho e sinta que as pessoas ao seu redor se importam com ela.
– Lembre-se que há vida além do câncer. É importante falar de outras coisas, fazer outras atividades, como um passeio, algo de que a pessoa goste e se sinta bem. Não é necessário ficar paralisado e viver apenas em função da doença e do tratamento.
– Não obrigue a pessoa a comer o que ela não tem vontade ou não consegue. Entenda que o tratamento traz mudanças e, muitas vezes, comer normalmente é algo que se torna difícil. Buscar orientações de um nutricionista oncológico será de grande auxílio.
– É maravilhoso que você esteja junto da pessoa, cuidando e sendo apoio. Mas lembre-se que você também precisa se cuidar. Quem cuida também precisa de cuidado. Para estar bem para ajudar alguém, você precisa estar bem também. Cuide-se.
– Lembre-se de viver um dia de cada vez. E ajude a pessoa em tratamento a se lembrar disso também. Ansiedade, medos e preocupações fazem parte, mas é preciso aprender a lidar com essas emoções para não tornar tudo ainda mais sofrido. Não há mal algum em buscar ou pedir ajuda, seja de amigos, familiares ou profissionais. Quanto mais apoio pacientes e familiares tiverem, melhor será para todos.