De acordo com Bronfenbrenner (1979/1996), a família é caracterizada como o primeiro ambiente do qual a criança participa ativamente, interagindo através de relações face-a-face. A família com a qual a criança interage diretamente é denominada de microssistema. Dentro dele, a criança desenvolve o senso de permanência e o de estabilidade.

A relação entre pais e filhos ilustra uma típica situação na qual existe uma concentração de poder na figura dos pais. Como é possível observar, as relações de poder dentro da família influenciam amplamente os estilos parentais e as práticas educativas utilizadas com os filhos. Devido à sua privilegiada posição de poder, os pais podem, livremente, escolher entre as técnicas disponíveis para monitorar o comportamento dos filhos (HOFFMAN, 1960, apud CECCONELLO et al., 2003). O equilíbrio de poder, assim como a reciprocidade e o afeto, são características fundamentais para um adequado desenvolvimento humano no contexto familiar.

Fase ‘pré-operacional’

Jean Piaget é um dos grandes representantes do interacionismo, estabelecendo que o desenvolvimento das estruturas cognitivas do indivíduo são o resultado das interações entre ele e os objetos, as outras pessoas (da família, do grupo social): a criança assimila os aspectos da cultura (ex.: comportamentos) e depois os imita e adapta à sua própria concepção. Entre os dois e os sete anos, fase que Piaget chama de ‘pré-operacional’, é o período em que a criança se torna mais sensível à captação das informações vindas do meio, principalmente pela mediação da linguagem e pela formação e manutenção de vínculos afetivos com as pessoas significativas da sua vida (pais, familiares).

Assim, temos que a inserção da criança nos valores culturais, morais, éticos, educacionais da sociedade ocorre justamente a partir dos dois anos de idade, e podem estruturar o comportamento dela por tempo indeterminado, até pelo resto da vida. A História está repleta de exemplos de crianças que aprendem a praticar xenofobia, racismo e discriminação quando o contexto social em que elas vivem legitimam tais práticas. Um exemplo histórico está na Juventude Hitlerista que já doutrinava as crianças alemãs desde cedo acerca da ‘superioridade ariana’ e desprezo, hostilização e até agressão aos não-arianos, sobretudo judeus, negros, ciganos.

Assimilação de estímulos externos

Conforme mencionado, é na família que se iniciam os modelos de comportamento que servirão de parâmetros para a criança. No caso de crianças sem famílias, que vivam em abrigos, instituições ou abandonadas nas ruas, sempre haverá um modelo ‘adulto’ ou equivalente a quem a criança irá se vincular e assimilar seus comportamentos como parâmetros.

Segundo a teoria piagetiana, a fase da criança de dois a sete anos se caracteriza pelo egocentrismo, isto é, pela assimilação acrítica e indiscriminada de estímulos externos (discursos das pessoas ao seu redor, mensagens veiculadas pela mídia, observação dos comportamentos das pessoas) e ainda não possui senso crítico para analisar os conteúdos recebidos, não considerando outras perspectivas além da sua. O egocentrismo consiste na representação do mundo conforme sua própria interpretação, com qualidades subjetivas (ex.: “está chovendo hoje porque o sol está cansado e foi dormir”), e transformação da realidade conforme seus desejos (ex.: “amanhã vai parar de chover porque a gente vai pra praia”).

Nas relações familiares, os estilos parentais vão estruturar as práticas educativas mais frequentes para condução da educação da criança, e a criança vai facilmente assimilar tais modelos. Diversos autores propõem modelos que analisam os padrões de comportamentos dos pais e os efeitos deles nos filhos. O modelo mais conhecido é o de BAUMRIND (1966, 1967, 1971 apud LAWRENZ et al., 2020; e apud BEE & BOYD, 2011), que combinou várias dimensões da paternagem: (1) afeto ou sustentação; (2) nível de expectativas, ou “demandas de maturidade”; (3) clareza e consistência das regras, referido como controle; (4) comunicação entre pais e filhos.

Estilos parentais

A referida autora considera que o estilo parental é decorrente da maior ou menor intensidade das dimensões mencionadas:

  • Estilo permissivo (ou indulgentes): alto em sustentação, mas baixo em demandas da maturidade, controle e comunicação: apresentam dificuldades para impor limites e fazer exigências aos filhos, tendem a não reconhecer ou corrigir maus comportamentos, não são claros em relação a suas expectativas; os filhos podem desenvolver autonomia e apresentar boa autoestima, entretanto, em virtude do baixo nível de monitoramento parental, tendem a apresentar problemas relacionados à hiperatividade, comportamento agressivo e abuso de substâncias; Pela abordagem de BRONFENBRENNER (1979/1996, cit.), ocorre um desequilíbrio entre poder e afeto, predominando o afeto, esvaziando-se a autoridade parental;
  • Estilo autoritário: alto em controle e demandas da maturidade, mas baixo em sustentação e comunicação: agem de forma rígida, impõem regras, não encorajam o diálogo e limitam a capacidade de autorregulação dos filhos; trata-se de um estilo parental controlador, frustrante e punitivo, o que pode produzir altos níveis de medo, raiva, depressão e retraimento social nos filhos. Pela abordagem de BRONFENBRENNER (1979/1996, cit.), ocorre um desequilíbrio entre poder e afeto, predominando o poder, sem manifestações de afeto;
  • Estilo democrático (ou autoritativo): elevado em todas as quatro dimensões, encorajam a liberdade e a autonomia e são responsivos às necessidades e às opiniões dos filhos, são baseados no respeito à individualidade dos membros da família, exercem o controle quando necessário, porém não punem os filhos por meio de privações rígidas, encorajam verbalizações, explicam o porquê das atitudes de controle e são claros em relação a suas expectativas. O equilíbrio de poder, a reciprocidade e o afeto salientados por BRONFENBRENNER estão presentes adequadamente nesta prática parental.

MACCOBY e MARTIN (1983, apud BEE e BOYD, 2011, cit.) acrescentaram o estilo negligente, com níveis reduzidos nas quatro dimensões de BAUMRIND (1966 e ss), como sendo o estilo não comprometido, não há engajamento ou interesse dos pais sobre a vida dos filhos, o que compromete o desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes, prejudicando sua competência social e aumentando a ocorrência de depressão, ansiedade e somatizações.

Valores culturais e sociais

As práticas parentais, também chamadas de práticas educativas parentais, envolvem técnicas utilizadas pelos pais em situações específicas de interação com os filhos (HOFFMAN, 1975, 1994 apud LAWRENZ et al., 2020), que são influenciadas por valores culturais e sociais. As práticas parentais promovem comportamentos específicos nas crianças, sendo maneiras de os pais alcançarem seus objetivos diretamente. Segundo Hoffman (1975 apud LAWRENZ et al., 2020) se subdividem em: indutivas (em que os pais conduzem os filhos à reflexão e diálogo de seus comportamentos) e coercitivas (punitivas, de castigos, ameaças, ou falta de atenção e afeto).

As crianças aprendem rapidamente a imitar os modelos que oferecermos a elas. Além das características genéticas, biológicas, o desenvolvimento da criança também é influenciado pelos pressupostos sociohistóricos e culturais da criança. Diversas doutrinas destacam a importância dos estilos parentais como modelos de conjuntos de comportamentos dos pais visando a atingir algum objetivo educacional da criança. Por isso, precisamos cuidar muito dos modelos que recebemos dos pais, se estamos assimilando de forma acrítica, se temos possibilidades de modificação, porque é esse modelo que, consciente ou inconscientemente, vai ser transmitido aos nossos filhos, netos… A plasticidade cerebral favorece esse processo, na medida em que a criança está atenta para assimilar todos os estímulos externos que lhe forem apresentados.

Daí, vem a pergunta importante: que tipo de modelo estamos sendo para nossos filhos (ou, para alguma criança de nosso convívio)? Fica a reflexão.

E MAIS…

Práticas significativas que influenciam no comportamento infantil

Segundo GOMIDE (2006), as práticas parentais podem ser positivas quando favorecem o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, como responsabilidade, empatia e honestidade, assim como impedem o aparecimento de comportamentos antissociais, como furto, mentiras e uso de drogas; por sua vez, as práticas parentais negativas (ex.: coercitivas, de desprezo, deboche, negligência, agressivas) influenciam negativamente o comportamento das crianças, compromete seu desenvolvimento social, senso de segurança e regulação emocional.

Assim, podemos citar três exemplos em que os comportamentos das crianças se espelham nos comportamentos dos adultos significativos de sua vida, sobretudo os pais:

  1. Estilos parentais: CECCONELLO et al. (2003, cit.) mencionam pesquisas que destacam a influência positiva do estilo autoritativo sobre o desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes: competência social, assertividade e comportamento independente de crianças; em adolescentes, melhores níveis de adaptação psicológica, competência social, autoestima, desempenho acadêmico, autoconfiança e menores níveis de problemas de comportamento, ansiedade e depressão. Por sua vez, práticas punitivas geram uma confusão de sentimentos na criança, ocasionando a falta de discernimento entre amor, dor, ódio e submissão, sendo que a utilização indiscriminada de punição física acarreta um comportamento abusivo, trazendo inúmeras consequências negativas para a criança.
  • Consumismo: segundo MOURA et al. (2013), a criança está imersa em seus próprios desejos, constrói sua realidade conforme sua interpretação e vontade (fase pré-operacional mencionada por PIAGET), e quando ela observa os pais consumindo produtos indiscriminadamente, reproduz e copia tais comportamentos sem crítica, incorporando essas práticas. Se ocorrer o consentimento dos pais, a criança mergulha no universo consumista de satisfação do seu próprio egocentrismo, que é uma assimilação distorcida da realidade a partir da subjetividade infantil.
  • Conflitos parentais: pais que brigam, se ofendem, se acusam mutuamente, que incutem sentimentos negativos contra o(a) outro(a) genitor(a) (prática nefasta – e ‘criminosa’ da alienação parental), tendem a ser modelos negativos para os filhos, que aprendem a mentir, acusar, ofender, atacar, simular emoções falsas (sobretudo nas falsas acusações de abuso sexual), manipular e distorcer fatos e informações (porque essa é a prática frequente do(a) alienador(a)); por sua vez, pais que procuram discutir suas divergências e solucionar problemas na base do diálogo, com ou sem ajuda ou intervenção profissional (ex.: de psicólogo, mediador familiar), tendem a compreender a importância de se manifestar sentimentos autênticos, não simulá-los (manifestar o que não existe) nem dissimulá-los (ocultar sua existência), não enganam nem omitem informações para não prejudicar as pessoas, e conseguem estabelecer relações sociais de confiança, respeito, empatia e solidariedade. Filhos que observam seus pais brigando, tendem a reproduzir esse modelo negativo em suas vidas conjugais, familiares, profissionais, escolares, etc.; filhos que observam seus pais organizados, dedicados, atenciosos, respeitosos, tendem a projetar esses valores nas próximas relações sociais que estabelecer (SILVA, 2018, 2019).
Referências:
BRONFENBRENNER, U. (1979/1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas.
BUSSAB, V.S.R. (1997). O desenvolvimento de comportamentos pró-sociais na criança: considerações sobre a natureza dos fatores e dos processos subjacentes. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 03, p.20-26. Recuperado em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v5n3/v5n3a03.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2021.
CECCONELLO, A.M., DE ANTONI, C., KOLLER, S.H. (2003). Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicologia em Estudo. Maringá, 8 (esp.), 45-54. Recuperado em:
<https://www.scielo.br/j/pe/a/RsN9L6RpdLDTmnnSgDfLd6K/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em 10 set. 2013.
GOMIDE, P.I.C. (2014). Inventário de Estilos Parentais IEP. Modelo teórico – Manual de aplicação, apuração e interpretação. 3. ed. Petrópolis: Vozes.
MACCOBY, E.; MARTIN, J. (1983). Socialization in the context of the family: parent-child interaction. In: Mussen, P.H. (Org. Série) & E Hetherington, M. (Org. Vol.), Handbook of child psychology. V.04: Socialization, personality, and social development. 4. ed. New York: Wiley, p. 1-101, apud CECCONELLO, A.M., DE ANTONI, C., KOLLER, S.H. (2003). Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicologia em Estudo. Maringá, 8 (esp.), 45-54. Recuperado em:
<https://www.scielo.br/j/pe/a/RsN9L6RpdLDTmnnSgDfLd6K/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em 10 set. 2013.
MOURA, T.B.; VIANA, F.T.; LOYOLA, V.D. (2013). Uma análise de concepções sobre a criança e a inserção da infância no consumismo. Psicologia, Ciência e Profissão. Brasília (DF): Conselho Federal de Psicologia, 33 (2), 474-489. Recuperado em: <https://www.scielo.br/j/pcp/a/PpWFYqBNjcgfqVDMZx4r4WC/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 28 jul. 2021.
PIAGET, J. (2001). Seis estudos de psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
PIAGET, J. (1994). O juízo moral da criança. 4. ed. São Paulo: Summus,
SILVA, D.M.P. (2019). Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. 4. ed. Curitiba: Juruá (em breve, 5a edição 2021).
SILVA, D.M.P. (2018). Mediação e Guarda Compartilhada – conquistas para a família. 3. ed. Curitiba: Juruá (em breve, 4ª. edição 2021).