Cerca de 73,6 mil casos de câncer de mama foram registrados em 2023 no Brasil e o índice de mortalidade é, em média, 18 mil por ano segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Em suas publicações, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) destaca a importância da prevenção e detecção precoce da doença para o maior sucesso e a menor agressividade do tratamento. Quando diagnosticada em estágios iniciais, as chances de cura podem ser superiores a 95%.

Nesta entrevista, a psicóloga Andréia Mota, que superou o câncer de mama, fala sobre questões emocionais que envolvem a doença e o caminho da cura, ressaltando a importância de se falar sobre o assunto com a família e da psicoterapia. Ela é graduada em psicologia pela Universidade Paulista (UNIP) e pós-graduada em terapia cognitivo-comportamental (TCC) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Entre suas especializações, constam introdução a estudos de obesidade: transtornos psiquiátricos e cirurgia bariátrica pelo Núcleo de Estudos de Obesidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (NEO-IPq-HCFMUSP); aprimoramento em transtornos alimentares para médicos e psicólogos pelo AMBULIM-IPq-HC-FMUSP; terapia cognitivo-comportamental nos transtornos de ansiedade pela Escola de Educação Permanente (EPP-HCFMUSP); e aperfeiçoamento em psicologia da saúde e hospitalar e em psicologia no pronto-socorro pelo Hospital São Luiz.

Sua clínica de psicologia fica localizada em Vargem Grande Paulista/SP e oferece atendimento presencial e on-line a mulheres com câncer de mama e também a pacientes nas áreas de comportamento alimentar, saúde e bem-estar mental e emocional.

Quais geralmente são os primeiros pensamentos e sentimentos da mulher após o diagnóstico do câncer de mama?

Parece que uma bomba está prestes a explodir dentro de você. Quando recebemos a notícia, ficamos paralisadas de medo. Medo de morrer, medo da quimioterapia e dos efeitos colaterais dela, como a queda de cabelo. Ficamos ansiosas, sem saber ao certo o dia de amanhã. Precisamos esperar os exames, os laudos, e toda essa espera nos deixa tão aflitas que mal conseguimos dormir, ficamos preocupadas pensando em como será a nossa vida dali em diante.

Qual a importância de procurar ajuda psicológica após o diagnóstico de câncer de mama e de continuar a psicoterapia durante o tratamento?

Procurar apoio psicológico após o diagnóstico é importante para encarar e entender o que vai ser dali em diante, mas também para prevenir a depressão, promover o controle da ansiedade e a aceitação das mudanças que vão ocorrer no corpo da paciente, como a queda de cabelo, a perda da libido e outras diversas alterações que podem afetar a autoestima. Algumas mulheres têm sua autoestima tão afetada ao longo do tratamento que preferem não sair na rua por vergonha da sua aparência após perder os cabelos. Isso é terrível para a mulher. A faz se sentir isolada, feia e não desejada. A terapia ajuda a aceitar melhor todas essas mudanças, amar o próprio corpo do jeito que é e retomar a sua autoestima.

Que outras medidas além dos tratamentos médico e psicológico são importantes para ajudar na saúde física e mental após o diagnóstico?

É essencial adotar um estilo de vida saudável que inclua atividade física, controle do peso e uma alimentação balanceada, com menos alimentos ultraprocessados. Construir uma rede de apoio para si mesma após o diagnóstico também é algo que ajuda a paciente a passar pelo tratamento amparada pela família e amigos, o que a faz ter mais força e esperança de vencer a doença, evitando que se sinta sozinha. Existem também diversas atividades que ajudam a manter uma boa saúde mental, como realizar atividades prazerosas como cozinhar, cantar, dançar e até praticar técnicas de mindfulness (atenção plena). Independentemente de qual atividade escolher, o importante é se manter ativa. Esses exercícios ajudam a paciente a ocupar a sua mente com outras coisas além do câncer.

Quais são as causas conhecidas para o desenvolvimento do câncer de mama e qual a participação do desequilíbrio emocional/psicológico/mental nesse processo?

O desenvolvimento do câncer é uma questão multifatorial. Algumas pessoas possuem pré-disposição e questões genéticas, outras não. No entanto há alguns fatores de risco como: obesidade e sobrepeso, sedentarismo, consumo de bebida alcoólica, histórico de câncer na família, ter feito uso de contraceptivos orais (pílula anticoncepcional) por tempo prolongado, entre outros.

Ter um desequilíbrio emocional e psicológico pode interferir nos nossos hábitos, nos deixando mais sedentários e despreocupados em relação a cuidar da nossa saúde. Manter uma boa alimentação e praticar exercícios físicos são formas de prevenir o câncer de mama. Então, se, por questões emocionais e psicológicas, não estamos fazendo esses exercícios e nos alimentando mal, deixamos nossa saúde de lado, o que pode, sim, se tornar um fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama.

Buscar o equilíbrio emocional contribui para a prevenção do câncer de mama?

Sim. O equilíbrio emocional é como um ingrediente do bolo. O bem-estar mental reflete no nosso corpo e estilo de vida, promovendo hábitos saudáveis e reduzindo o impacto de fatores de risco associados à doença. E tão importante quanto cuidar do corpo, é cuidar também da mente. Ficar atenta para tudo o que está acontecendo dentro de você vai ajudá-la a manter sua saúde por muito mais tempo. Se perceber, por exemplo, que está cada dia mais infeliz ou estressada, ansiosa, deixando sua saúde e o cuidado consigo mesma em segundo plano, e adiando sempre seus exames de prevenção por conta de uma rotina muito agitada e estressante, busque ajuda. Nós, psicólogos, estamos preparados para ajudar e oferecer ferramentas e meios para lidar com essa pressão e colocar sua vida de volta em um eixo que faça bem para você.

Fale sobre a importância de conversar com a família sobre o câncer de mama.

Ter uma esposa, irmã, filha ou até uma mãe diagnosticada com câncer de mama faz algumas famílias sentirem medo de tocar no assunto. Medo de conversar sobre a doença com essa mulher e o assunto a deixar mais ansiosa e estressada do que ela já está. Acontece que não falar nada e não buscar se informar a respeito impedem a família de se tornar a rede de apoio que aquela paciente precisa. O câncer de mama é uma doença, mas não precisa ser um tabu. Ter uma família informada e que não evita o assunto ajuda a paciente a se sentir mais acolhida, menos sozinha e a passar pelo tratamento de forma mais leve.

Conte sobre o seu próprio processo de diagnóstico, tratamento e cura do câncer de mama.

Eu descobri o câncer de mama aos 28 anos fazendo o autoexame. Estando eu naquela época recém-casada e passando em médicos para planejar minha gravidez, o diagnóstico acabou sendo um balde de água fria nos meus planos para o futuro. Principalmente o plano de ser mãe. Lembro até hoje a roupa que eu usava quando o médico me disse que eu não poderia ser mãe e que ele não me dava um ano de vida. Felizmente ele estava totalmente enganado (hoje Andréia tem 47 anos). Não apenas venci o câncer de mama duas vezes, como também me tornei mãe.

Durante o tratamento, precisei reinventar a Andréia que eu era antes do diagnóstico. Foram meses de recuperação em que precisei olhar para dentro de mim para que houvesse também uma transformação interna. Foi uma longa jornada, mas uma em que aprendi muito sobre mim mesma. E o câncer também trouxe muitos aprendizados para mim, como dar valor à vida, à família e às “pequenas coisas”, vivenciar e saborear os momentos da vida, evitar reclamar, ter mais compaixão e tolerância comigo mesma e viver um dia por vez, um dia de cada vez.

Hoje posso dizer que evoluí e, após me reinventar, passei a me cuidar ainda melhor, com um estilo de vida muito mais saudável, levando toda a minha superação, felicidade e apoio para aquelas mulheres que me procuram. Me sinto realizada sempre que posso ajudar uma mulher com a experiência que tive.