A música, desde os primórdios do mundo faz parte da vida humana. Há registros de pinturas rupestres, fósseis, ossadas, esculturas, ferramentas e sítios arqueológicos – referências documentais não escritas, onde desenhos nas paredes de cavernas, indicam movimentos corporais e manifestações de dança que provavelmente deveriam ser acompanhados de sons vocais, uma musicalização primitiva, além das imitações dos sons de animais e sons da natureza, por meio de onomatopeias – para sobrevivência diante de predadores, assim como para garantir a alimentação, através da caça.
Por meio de ferramentas rudimentares feitas com pedras, galhos/troncos, chifres, ossos, dentes, sementes, cascas de coco, conchas, etc, o homem pré-histórico as utilizava também como instrumentos rítmicos, juntamente com seu corpo e voz. Em 1995, no Sítio arqueológico Divje Babe – Eslovênia, uma flauta de osso de urso foi descoberta.
Meio de expressão
O exame de carbono 14 estimou que sua idade era aproximadamente de 50.000 A.C, época do homem de Neandertal, tornando-se assim, o primeiro instrumento melódico de sopro mais antigo do mundo. Ela recebeu o nome de Flauta de Neandertal, em homenagem ao seu provável criador.
A música nesta época era utilizada como um meio de expressão e comunicação ao divino, para aplacar a fúria ou mesmo para realizar pedidos aos deuses. Ela era usada para as mais diversas ocasiões, além de servir para rituais de agradecimento e celebração da caça/alimento.
No decorrer da história, vimos no Egito, na Mesopotâmia, na China e Índia, na Grécia e em Roma, na Idade Média, no Renascimento e no Barroco, no Classicismo, Romantismo, até chegar ao século XX e XXI, um grande desenvolvimento musical, bem como em sua utilização e comercialização. Vimos surgir a musicoterapia, as escolas de música e conservatórios, grandes músicos, orquestras, grupos, cantores e compositores, a educação musical nas escolas e igrejas, assim como sua ação potente na saúde mental, inclusão e nosso dia a dia.
Todas as regiões cerebrais
A música é a única que consegue expressar, o que o cérebro, em toda sua magnitude, quer dizer! É sabido que ela envolve quase todos os subsistemas neurais e quase todas as regiões cerebrais conhecidas. Logo, musicalizar acaba sendo um potente instrumento metodológico no desenvolvimento global do educando, seja ele típico ou atípico.
A neurociência, nada mais é que o estudo do sistema nervoso. Ele se divide em central e periférico, sendo o cérebro, o órgão mais importante do sistema nervoso central. As funções celulares, assim como os processos fisiológicos de todo sistema estão intrinsecamente ligadas ao estudo que ela realiza, permitindo que anormalidades estruturais e funcionais sejam identificadas, acompanhadas e tratadas.
Educação e inclusão
A neurociência é imprescindível à educação e inclusão! É por meio e dela e por ela, que o educador é capaz de compreender o quanto é necessário construir um ambiente assertivo e ativo em sala de aula, onde o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser2, sejam possíveis; Compreender que a afetividade é mais que necessária ao processo ensino-aprendizagem; Que cada cérebro é um cérebro e que por isso, cada um aprende de forma diferente; Que uma metodologia que serve para um, não servirá para cinco ou dez alunos; Que o planejamento deve objetivar estimular o cérebro em novas sinapses e boas emoções, assim como novas vivências e experiências; O quanto a pesquisa, a psicomotricidade, a música e as artes como um todo, as diferentes tecnologias, a leitura e a escrita, o lúdico, as atividades físicas e desportivas, os jogos, propiciam o desenvolvimento da criatividade, a descoberta de novos talentos, habilidades e competências de cada educando. As funções intelectuais como a memória, linguagem, atenção, emoções, assim como ensinar e aprender, são produzidas pela atividade dos neurônios no nosso encéfalo (KOLB E WHISHAW, 20023).
Logo, todo aprendizado depende do número de neurônios envolvidos nesta rede de comunicação neural e dos seus neurotransmissores, que são substâncias químicas que modulam a atividade celular, acentuando ou inibindo a comunicação entre os neurônios (Machado, 20134).
Funcionamento cerebral
De um lado está a música, que não há como ser entendida sem que a subjetividade, criatividade, emoções, vivências, experiências e a transitividade que traduzem a arte, sejam refletidas. De outro, a neurociência, que mapeia de forma profunda o funcionamento cerebral.
A música quando usada como uma metodologia neuropedagógica à educação e inclusão, objetiva antes de tudo, trabalhar as funções cerebrais perceptivo-motoras e executivas em cada educando. Atividades musicais permitem compreender toda linguagem artística para a formação da identidade do indivíduo, devendo sempre ser contextualizada em seu ambiente natural de produção social (ARAUJO, 20075). Louro (20066), destaca que as ações do educador quando realizadas juntas aos alunos, favorecem ao desenvolvendo da aprendizagem e processos contínuos de segurança e autonomia.
Educação Musical
A autora, com base nas ações educativas, conceituou a musicalização para pessoas com necessidades específicas como uma Educação Musical Especial, oportunizando a aprendizagem de conceitos como habilidades musicais gerais, desenvolvimento físico, emocional, social, estético e espiritual. Joly (20037), afirma que a música provoca mudanças às pessoas com deficiência, permitindo uma melhor adaptação e contribuindo para melhora em seu aprendizado e interação social.
Em concordância, Birkenshaw– Fleming (19958), postula que por meio de atividades musicais há um estímulo no relacionamento social, permitindo ao indivíduo com deficiência sair de um possível isolamento; desenvolvimento do tônus muscular e coordenação psicomotora, além do desenvolvimento da linguagem, memória, capacidade auditiva e cognitiva.
Há anos tenho o prazer de trabalhar com a neurociência e a música em favor da educação, saúde e inclusão. Atuo tanto como neuropedagoga institucional, quanto clínica, e, os resultados, são sempre surpreendentes! Pessoas com deficiência intelectual de alta complexidade e múltipla, com TEA, TOD, TDAH, dislexia, com altas habilidades e Alzheimer, demostram em cada atendimento, intervenção ou encontro, que ao cantarem, criarem ritmos e canções, dançarem, construírem instrumentos e microfone com sucatas, conhecerem e tocarem variados instrumentos, reconhecerem os diferentes estilos de música, assim como músicos, grupos, bandas e orquestra, ao se apresentarem à amigos, escola, familiares ou turma, pleno desenvolvimento de ordem afetiva, física e cognitiva.
Capacidade cognitiva
A melhora na linguagem, no humor, na autoestima, no autoconhecimento, no controle inibitório, na flexibilidade cognitiva, na memória, no foco, na atenção, no sistema sensorial e motor, na aprendizagem, assim como vida cotidiana como um todo, é visível! Sim, eles se tornam mais felizes!
E isto se dá porque o prazer de musicalizar incita no cérebro a liberação de dopamina, ativando o núcleo accumbens (área responsável pelo prazer, realização e recompensa). A música, quando fundamentada na neurociência, é naturalmente inclusiva e permite que uma jornada maravilhosa de protagonismo, crescimento, afetividade, novas sinapses e movimento sejam vistas, realizadas, celebradas e traduzidas em muitas e diversas formas de canção. Música é vida! E, a educação só ganha com aquisições de novas habilidades, talentos, aprendizagens, inovações, competências e emoções.