O acrônimo ESG, do inglês environmental, social and governance, refere-se a uma tendência e uma resposta das empresas diante dos desafios da sociedade contemporânea. É uma sigla que diz respeito à integração da geração de valor econômico aliada à preocupação com as questões ambientais, sociais e de governança corporativa. Na prática, é uma forma de mostrar responsabilidade e comprometimento com o mercado em que atuam, seus consumidores, fornecedores, funcionários e seus investidores. Em outras palavras, um conjunto de padrões e boas práticas que visa definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada.

A seguir, o tema é aprofundado com ênfase em saúde mental pelo doutor em sustentabilidade e empreendedorismo Alexandre Hashimoto. Ele foi executivo em saúde e hoje é consultor empresarial, mentor de carreira e negócios, professor de pós-graduação e autor. Lançou recentemente o primeiro livro brasileiro sobre ESG aplicado ao mercado de saúde. Intitulada ‘Gestão de sustentabilidade em organizações de saúde: um estudo de caso’, a obra detalha a implantação do primeiro departamento de sustentabilidade em um hospital público no Brasil, projeto desenvolvido por ele e que apresenta, em termos práticos, conceitos vistos nesta entrevista.

De que forma a adoção de uma cultura empresarial ESG contribui especificamente para a saúde mental dos funcionários?

Uma organização com uma forte cultura de ESG trabalha de maneira equilibrada os seguintes aspectos: gestão do seu impacto ambiental; responsabilidade social e bom desempenho econômico atrelado a um alto nível de governança.

A cultura ESG é fundamental para a construção de um bom ambiente de trabalho, pois uma organização com essa diretriz tem por princípio: auxiliar na preservação do Meio Ambiente; fornecer condições seguras e justas de trabalho a todos os seus funcionários; promover a diversidade e a inclusão, além de ter solidez financeira.

O cuidado com o funcionário, atrelado a um programa transparente e igualitário de apoio e desenvolvimento do colaborador, certamente aumenta o senso de pertencimento de todo empregado, que enxerga a preocupação da companhia com algo que vai além do seu horário de trabalho e suas tarefas básicas, expandindo o cuidado para o bem-estar dessas pessoas. Isso transmite ao colaborador uma maior segurança e lhe permite elevar sua produtividade, gerando ganhos de parte a parte.

Cite exemplos práticos que ilustrem isso.

Posso citar rapidamente três exemplos. O primeiro é que toda organização deve trabalhar em sintonia com a experiência do cliente, a experiência do colaborador, que considera todo o ciclo do funcionário, desde o recrutamento, passando pela avaliação de desempenho até o desligamento. Toda essa jornada deve ser permeada por interesse genuíno em pessoas, oportunidades igualitárias e alto nível de transparência. Esse é o primeiro passo para o bem-estar de qualquer colaborador. A experiência do colaborador deve estar no centro das políticas de recursos humanos nas organizações da nova economia.

O segundo: programa de qualidade de vida. Por mais que um bom salário e um bom pacote de benefícios sejam importantes para a vida de um funcionário, a organização não deve se limitar a isso. Para que um empregado possa performar no seu mais alto nível, ele precisa estar bem do ponto de vista físico, financeiro, emocional e até mesmo espiritual, o que representa o conceito holístico de saúde. Um bom programa de qualidade de vida, cuidadosamente moldado de acordo com as necessidades dos colaboradores e das possibilidades da organização, oferecendo, por exemplo: apoio jurídico, assistência psicológica, educação financeira e muitas outras possibilidades são necessidade de primeira hora para boa parte dos colaboradores e a oferta disso por parte da organização é um auxílio muitas vezes mais valorizado do que um salário acima da média no mercado.

O terceiro: canais de denúncia. Dentro do sistema de governança corporativa, é fundamental a existência e a publicidade de canais de denúncia que permitam que qualquer funcionário, de forma responsável, comunique à instância competente a existência de casos de assédio moral, sexual, fraudes e outras situações que destoem do código de conduta da companhia e ameace o bom ambiente de trabalho. Quando bem utilizado, o canal de denúncia é uma ferramenta valiosíssima para manter um bom clima organizacional.

Esses cuidados em saúde mental contribuem para a produtividade e o equilíbrio financeiro das empresas? Explique.

Embora muitas organizações erroneamente não adotem essa filosofia, é evidente que a valorização do funcionário sob diferentes formas, incluindo o cuidado com a saúde mental, especialmente nesse período vivenciado de pandemia e pós-covid, é capaz de aumentar a produtividade do colaborador, além de gerar reflexos positivos nas finanças. Um funcionário motivado, com um alto senso de pertencimento à organização, falta menos ao trabalho, produz mais, tende a relutar em deixar a companhia e tem uma probabilidade menor de acionar judicialmente seu ex-empregador. Por isso, volto a frisar que ESG, atrelado à valorização das pessoas e, dentro disso, à atenção com a saúde mental da força de trabalho, poupa recursos valiosos e reduz significativamente os riscos de uma organização, como um alto nível de absenteísmo e turnover, por exemplo.

Quais podem ser as consequências para as empresas que não se preocupam com a saúde mental de seus funcionários?

De primeira, podemos conectar com a pergunta anterior. Uma baixa atenção à saúde mental dos colaboradores pode resultar em baixa produtividade; elevação dos custos com mão de obra, como a reposição de funcionários faltantes ao seu dia de trabalho; afastamentos mais longos por acidente de trabalho ou contexto emocional; custo com pagamento de verbas rescisórias e passivos trabalhistas; dificuldade em manter um padrão de qualidade, além de um ambiente de trabalho instável e ruim.

Como as empresas do mundo e também no Brasil estão preparadas e/ou se preparando no que diz respeito ao cuidado com a saúde mental de seus funcionários? Quais as conquistas já alcançadas e os desafios ainda pela frente nesse sentido?

As empresas vêm evoluindo nesse sentido. Conforme a discussão sobre ESG ganha corpo, a responsabilidade social e, consequentemente, a saúde mental da força de trabalho ganham espaço na agenda dos executivos e do RH. O Brasil é um dos países com uma das taxas mais altas de transtornos mentais, como ansiedade, depressão e síndrome de burnout, por exemplo. Segundo pesquisas, são mais de 60 milhões de brasileiros que sofrem com algum distúrbio e estimativas dão conta de que o não tratamento adequado a essas doenças gera uma perda de R$ 300 bilhões às organizações, cenário ainda mais agravado pela pandemia do coronavírus.

Vemos organizações oferecendo hoje programas de apoio psicológico, inclusive remotos, após regulamentação do Conselho Federal de Psicologia; extensão da licença-maternidade; testando semanas de quatro dias de trabalho em vez dos cinco usuais, dentre outras tentativas de aliviar essa pressão. Contudo, essa ainda é uma realidade mais reclusa às grandes corporações e o tema saúde mental no meio corporativo ainda carece de muito desenvolvimento.