Neuropsicóloga explica como relação ruim entre pais afeta saúde mental dos filhos.

Um relacionamento amoroso complicado pode causar traumas irreparáveis para o casal. Para uma criança, então, esses danos são ainda mais complexos. De acordo com a neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner, uma das causas que abalam a vida emocional das crianças é a desarmonia entre pai e a mãe.

“Para elas, os pais são pessoas que as amam e protegem. Com eles, a criança se considera segura. Quando o casal discute e a criança presencia, ela sente-se angustiada e com medo de perder as pessoas que deveriam trazer amparo e segurança. Pelo fato de invariavelmente as crianças não alcançarem o motivo da discussão, esse mundo desconhecido e altamente estressor a deixa ainda mais amedrontada e ansiosa”, afirma.

Conforme Roselene, os pais são responsáveis por trazer aos filhos a sensação de segurança tanto física quanto emocional, o que não acontece em famílias em que as discussões e agressões verbais e/ou físicas sejam permanentes na dinâmica do casal.

“Há casos em que a criança é o PI (paciente identificado) que apresenta a sintomatologia, mas a patologia está na família. Em crianças ainda muito pequenas, é comum o relato de recusa de alimento, vômito, terrores noturnos. Isso se dá quando o ambiente é demasiado tenso. Já em crianças maiores, poderão surgir os mais diversos sintomas, como instabilidade emocional, roer as unhas (onicofagia), tiques nervosos, teimosia exagerada, timidez, falta de concentração nos estudos, irritabilidade, agressividade, podendo gerar até mesmo pré-delinquentes”, explica.

Família funcional

Conforme a profissional de saúde, na família funcional, a mãe representa o amor e o pai o protótipo da autoridade. Nessa composição, as crianças sentem-se mais protegidas e seguras e felizes, quando contam com o amor que protege e submetidas a uma autoridade baseada logicamente na justiça e não no autoritarismo.

“Nenhum extremo é bom: nem o amor demasiado e sem limite, nem a autoridade que se impõe injustamente. Pois a superproteção poderá gerar um comportamento fora das condutas e convenções sociais e a autoridade que sufoca e agride geralmente trará como desfecho rancor, hostilidade e revolta”, lista.

Ainda conforme a especialista, quando a separação do casal é inevitável, é importante esclarecer de forma neutra e menos traumática possível os motivos do divórcio, que certamente nada têm a ver com a criança.

“O pior que os pais podem fazer é usar a criança como arma de vingança de um contra o outro. A criança não pode tomar partido sobre fidelidade, custódia, dinheiro, educação e visitas. Os efeitos futuros sobre a criança poderão ser desastrosos. O melhor que os pais podem fazer é continuar sendo pais, ainda que não sejam mais marido e mulher. Os pais podem não ter obtido êxito no casamento, mas poderão ter sucesso em função do exercício da maternidade e paternidade”, complementa.

No que diz respeito ao desenvolvimento, segundo Roselene, quanto mais sensível e inteligente for a criança e mais graves forem as deficiências dos pais no desempenho do seu verdadeiro papel, mais profundas serão as alterações no psiquismo do filho e maior o comprometimento emocional.

“O comportamento da criança é basicamente afetivo e irracional, ela apenas sente as coisas e não pensa sobre elas. A relação com a realidade externa ainda não está intelectualizada: a personalidade ainda não está plenamente integrada, o amor primitivo tem uma finalidade destrutiva e a criança não aprendeu ainda a tolerar e dominar seus instintos. Ela poderá vir a controlar todas essas coisas, principalmente se o seu ambiente circundante for estável e seguro. O ambiente deve ser modificado, propiciando à criança um clima familiar mais compreensivo; a rigidez única pode prejudicar o desenvolvimento e a livre expansão da criança, que precisa de aceitação e ternura dos pais para desenvolver segurança interna”, explica.

Círculo de amor

Por fim, a neuropsicóloga ressalta que a criança precisa viver num círculo de amor, força e lar estável. Somente com o decorrer do tempo e vencendo as etapas do ciclo vital, a criança aprenderá a controlar seus impulsos e desenvolver a capacidade de se autogerir. A criança cujo lar não consegue dar-lhe sentimento de segurança procura fora de casa as “paredes que lhe faltam” para acolher, amparar e estruturar seu psiquismo.

“Fornecida em tempo adequado, a estabilidade poderá consolidar-se na criança como ossos no seu corpo, de modo que gradativamente, nos primeiros meses e anos de vida, passará da dependência e da necessidade de ser dirigida e cuidada para a independência e autonomia. Podemos concluir, portanto, que é do lar que os pais podem dar aos seus filhos, através da estabilidade emocional e afetividade, a autorização para a futura formação de novo núcleo familiar saudável. O bom exemplo será metade do caminho para a felicidade da futura vida conjugal”, finaliza.