A psicologia escolar se concentra no desenvolvimento emocional, social e cognitivo dos estudantes dentro do ambiente acadêmico. Essa área interdisciplinar combina conhecimentos de psicologia, educação e ciências sociais para criar condições favoráveis ao processo de ensino-aprendizagem.

Nesta entrevista, o tema é aprofundado pelo psicólogo escolar Jean Ranyere, graduado em psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), especializado em psicopedagogia institucional, clínica e ludopedagogia pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (Faveni) e em didática e trabalho docente pelo Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste-MG).

Atua como psicólogo escolar na Secretaria Municipal de Educação de Tiradentes/MG, como voluntário no Projeto Social e Ambiental Criança e Adolescente Cidadão (CAC) em São João del-Rei/MG (educador social na Oficina BrinCAC) e na OSC Instituto Vertentes, em Tiradentes/MG – consultoria para o Projeto Educação Financeira com Jogos de Tabuleiro.

Por que decidiu ser psicólogo escolar?

Entendi que queria trabalhar com educação durante a faculdade de ciências biológicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Inicialmente, achei que queria ser biólogo. Como não estava gostando muito do bacharelado, mudei para licenciatura e, na licenciatura, tive contato com as matérias da educação: didática, psicologia da educação, sociologia da educação. E percebi que era um campo que me interessava bastante.

E aí, por outros projetos dentro da biologia, tinha contato com conceitos da psicologia também e acabei me atraindo para essa área e resolvi fazer a mudança de curso. Desde que entrei na psicologia, tinha essa inclinação para a área da educação. Fiquei esperando ansiosamente o semestre da matéria de psicologia escolar e isso se confirmou quando fiz a disciplina e se potencializou nas práticas de estágio, extensão, pesquisa na área. Até que chegou minha oportunidade de exercer profissionalmente a psicologia escolar.

Além dessa contribuição do curso de ciências biológicas, paralelamente, conheci os chamados jogos de tabuleiro modernos, os board games, os quais prefiro chamar de jogos de tabuleiro contemporâneos. Como já estava inclinado para a educação, fiquei fascinado com os jogos e queria pensar neles enquanto recurso pedagógico para potencializar o processo de ensino-aprendizagem. Então foram esses dois momentos: o que eu via na biologia, que tinha as interfaces com a psicologia, e a questão dos jogos, que eu via como um possível instrumento de trabalho para psicólogos.

Como gosto muito de jogos e brincadeiras para aprendizagem, tento promover a ludicidade na educação. Portanto, em meus projetos, procuro sempre envolver jogos ou acompanhar as crianças em brincadeiras. Uso recursos com que as crianças se identifiquem, porque isso me ajuda a criar um vínculo maior com elas e a fazer o que acredito, que é promover uma educação mais lúdica, que considera essa fase da infância, que valoriza esse potencial criativo que as crianças já apresentam naturalmente.

O que é psicologia escolar?

A psicologia escolar é uma área de atuação profissional do psicólogo. Há também a psicologia educacional, que está mais voltada para os processos acadêmicos, de pesquisa, de entender as relações entre a psicologia e a educação no âmbito mais teórico e geral. A psicologia escolar vem sendo a aplicação prática desses conhecimentos, desses pressupostos teóricos. Em resumo, a psicologia escolar é a inserção do psicólogo que vai contribuir numa instituição de ensino, seja escola, faculdade, seja ONGs. Já temos psicólogos escolares trabalhando em diversas instituições de ensino-aprendizagem, desde escolas de educação infantil, até faculdades, passando por Educação de Jovens e Adultos (EJA) e outras modalidades de educação.

Qual sua importância?

A importância da psicologia escolar reside no fato de que o profissional da área consegue trazer os conhecimentos da psicologia para o ambiente escolar. Isso facilita que ele promova o bem-estar, a saúde mental e a qualidade de vida nesses ambientes, porque chega neles com uma ampla noção de psicologia geral também. Sabe sobre psicopatologias, avaliação psicológica, diagnóstico e quais são as melhores formas de lidar dentro da escola com esses diferentes tipos de sujeitos que chegam para serem escolarizados e dessas diferentes relações que estabelecem com o processo de ensino-aprendizagem.

Quais as atribuições do psicólogo escolar?

As atribuições do psicólogo escolar passam pela avaliação do processo de ensino-aprendizagem, entendendo tanto as características individuais quanto as características socioeconômicas e ambientais que estão envolvidas na vida da pessoa que a levam a ter um melhor ou pior desempenho na escola. Ele vai promover projetos interdisciplinares, porque é necessário conversar com os outros profissionais da equipe pedagógica ou da equipe educacional no geral, como, por exemplo, os assistentes sociais da educação. As atribuições vão no sentido da promoção do bem-estar, de tornar os ambientes de ensino mais acolhedores. O psicólogo escolar também tem que intervir tanto preventivamente quanto fazer intervenções nos casos de violência na escola e preconceito.

O foco mesmo das atribuições vai depender muito de qual instituição o profissional está inserido, mas, no geral, é facilitar esse processo de ensino-aprendizagem e tornar a escola um ambiente mais acolhedor. Na educação básica, onde estou inserido, isso é feito por meio de diversas ações, principalmente a escuta qualificada dos alunos, dos professores, de todos os membros da comunidade escolar, para termos um entendimento amplo de quem é aquele aluno e qual é aquela instituição de ensino, quem são aqueles professores. Tudo isso vai facilitar que o profissional entenda e intervenha sobre as dificuldades e também sobre as potencialidades dos sujeitos que estão ali nesse processo.

Também é importante ressaltar que os processos de avaliação psicológica e diagnóstico são importantes, mas não se encerram ali. O psicólogo não está ali só para diagnosticar qual aluno tem dificuldade de aprendizagem, ou alguma questão comportamental, ou é público de atendimento educacional especializado. O psicólogo está ali para promover uma educação inclusiva, o que significa que todas as pessoas, independentemente de quem quer que sejam, têm que conseguir atingir seus objetivos educacionais. Ele também trabalha auxiliando na conquista desses objetivos.

Quais são as principais conquistas já alcançadas pela psicologia escolar no Brasil?

Penso que a maior conquista é a aprovação da lei nº 13.935/2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Ela foi vetada num primeiro momento pelo presidente na época, porque, segundo ele, não deixava claro quais seriam os subsídios para pagar esses profissionais. Mas o Congresso Nacional entendeu que a presença desses profissionais é importante e agrega muito na promoção do direito à educação.

Quais são hoje os principais desafios para a psicologia escolar?

Existem os desafios que são compartilhados pela educação no geral, entre eles, a evasão escolar, como lidar com problemas comportamentais e as dificuldades de promover a educação inclusiva. Além dos problemas sistêmicos, de toda uma formação histórica do sistema educacional que não favorece esses processos inclusivos e, às vezes, não oferece os recursos necessários para lidar com tais questões. Especificamente em relação à psicologia escolar, tem um grande desafio que identifico na minha prática que é fazer com que as pessoas superem a visão da psicologia simplesmente como uma profissão da saúde, como um profissional da clínica.

Dentro das escolas, as pessoas acham que o profissional da psicologia está ali para clinicar, para fazer uma terapia com os alunos, para resolver alguns tipos de problemas que está no alcance desse profissional. É um pouco difícil quebrar essa visão, porque, na verdade, a premissa da psicologia escolar não é tratar os alunos com dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais, mas garantir que as pessoas tenham acesso à educação, o direito à educação. E esse direito tem que servir para todo mundo, independentemente de essa pessoa ter um transtorno ou não. Claro que os psicólogos escolares auxiliam com esse conhecimento mais amplo que outros profissionais da equipe não têm, mas a intenção é realmente promover uma escola mais inclusiva, com mais qualidade e bem-estar.

E quais são as soluções para esses desafios?

Grande parte das soluções vai passar por investimento em políticas públicas para a educação, em políticas públicas em formação continuada de educadores, em melhorar as condições de trabalho dos profissionais da área, em criar mais cargos. No meu caso, sou psicólogo para oito instituições de ensino. Penso que são necessários mais profissionais dessa área trabalhando, ajudando a criar essas soluções, mas tudo isso depende do investimento em políticas públicas.

No que diz respeito a quebrar o viés da visão clínica do psicólogo, penso que poderiam existir campanhas de conscientização por parte dos órgãos da psicologia também ou mesmo de profissionais que trabalham na área. Tento fazer isso no cotidiano, mas creio que é importante também ter uma ampla divulgação do que é essa profissão, quais são os benefícios que ela pode trazer e quais são as atividades que esse profissional pode e não pode exercer dentro do ambiente escolar.

Fale mais sobre a intersetorialidade na psicologia escolar.

Pensando nos diferentes locais de atuação, quando se trata de educação pública, é preciso pensar muito na intersetorialidade. O psicólogo escolar é um profissional que tem que ter contato com vários atores da rede de proteção social, desde a escola até fora dela. O seu trabalho não se limita a atender os alunos. O profissional vai ter que conversar com os alunos, com os pais, professores. É importante conversar com a gestão para alinhar as expectativas. Importante conversar com os auxiliares educacionais, porque eles têm muitas informações sobre as crianças também que facilitam ter uma intervenção mais efetiva. Ter contato com profissionais da assistência social, da saúde e de outros setores se mostrou muito eficiente na minha prática.

O psicólogo escolar tem que ser uma pessoa que está aberta a entender todo o contexto educacional de onde ele está atuando, porque entender só as características individuais de um aluno, sem entender tudo o que ele já viveu, sem entender as relações que ele estabelece com essas pessoas que fazem parte do cotidiano da vida escolar dele, não é suficiente para uma intervenção eficaz.

Espero que a psicologia escolar se torne mais reconhecida, mais valorizada, porque, infelizmente, como grande parte dos profissionais de educação, não é uma profissão tão valorizada e precisa mudar esse paradigma para realmente valorizar quem é que forma todos os outros profissionais.