O Brasil mais uma vez abraça o Janeiro Branco, movimento nacional sobre saúde mental que há mais de uma década convida a sociedade a refletir, dialogar e agir em prol do bem-estar emocional. Criada em 2014 pelo psicólogo, palestrante e escritor mineiro Leonardo Abrahão, a iniciativa se consolidou como um marco no calendário brasileiro e, desde 2023, é reconhecida oficialmente pela Lei Federal nº 14.556.
Com o tema O que fazer pela saúde mental agora e sempre?, a campanha deste ano pretende engajar indivíduos, famílias, empresas e instituições públicas e privadas em ações concretas que estimulem a valorização da saúde mental como prioridade coletiva. Palestras, rodas de conversa, oficinas, caminhadas, corridas e eventos culturais estão previstos em diversas cidades do país, reunindo psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, educadores, gestores, líderes comunitários, mídias e a população em geral.
Nesta entrevista, o tema saúde mental é aprofundado pela psicanalista Marta Relvas, professora, bióloga, neurobióloga e psicopedagoga. Pesquisadora na área de neurociência aplicada à aprendizagem cognitiva e emocional no desenvolvimento humano, ela é membro efetivo da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNEC) e do Conselho Regional de Biologia do Rio de Janeiro (CRBio-02). Também é pós-graduada em anatomia humana e especialista em fisiologia humana. Entre seus livros, estão ‘Sob o comando do cérebro’, ‘Cérebro: contextos, nuances e possibilidades’ e ‘Neurociência na prática pedagógica’, publicados pela Wak Editora.
Quais são transtornos mentais mais prevalentes na atualidade?
Transtorno depressivo maior (TDM): caracterizado por alterações persistentes no humor, anedonia, diminuição da funcionalidade cognitiva e motora, frequentemente associadas à disfunção nos sistemas serotoninérgico e dopaminérgico.
Transtornos de ansiedade: incluem ansiedade generalizada, fobias e transtornos de pânico, marcados por hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e respostas desproporcionais a estímulos de ameaça.
Estresse crônico: prolongada ativação do eixo HHA e do sistema nervoso simpático, levando a alterações na plasticidade neural, particularmente no hipocampo.
Síndrome de burnout: esgotamento físico e emocional relacionado ao trabalho, com implicações para a neuroplasticidade em regiões associadas à tomada de decisão e ao controle emocional.
Transtornos relacionados ao uso de substâncias: associados a alterações na sinalização dopaminérgica e vulnerabilidades genéticas e ambientais.
Transtornos alimentares: como anorexia nervosa e bulimia, frequentemente associados a disfunções na amígdala e no córtex pré-frontal.
Quais são as principais causas desses transtornos?
Biológicas: alterações genéticas, epigenéticas e desequilíbrios em neurotransmissores, como serotonina, dopamina e gaba.
Psicológicas: experiências traumáticas precoces, padrões disfuncionais de pensamento e dificuldades na regulação emocional.
Sociais: exposição a ambientes adversos, desigualdades socioeconômicas, discriminação e falta de suporte social.
Como tratá-los?
Psicoterapia: abordagens baseadas em evidências, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que promovem a reestruturação cognitiva e a modulação de respostas emocionais.
Intervenções farmacológicas: incluem antidepressivos (inibidores seletivos de recaptação de serotonina), ansiolíticos e moduladores do humor, ajustados individualmente.
Atividades físicas: comprovadamente aumentam a neurogênese e a liberação de endorfina e dopamina.
Terapias integrativas: técnicas como mindfulness (atenção plena) e yoga promovem mudanças estruturais em áreas como o córtex pré-frontal e a amígdala.
Como preveni-los?
Promoção de estilos de vida saudáveis: o exercício físico regular, o sono reparador e a nutrição equilibrada melhoram a plasticidade sináptica e o funcionamento neurocognitivo.
Educação sobre saúde mental: sensibilização para reduzir estigmas e aumentar o acesso precoce a tratamentos.
Fortalecimento de redes de apoio: a interação social positiva contribui para a regulação do estresse e o bem-estar emocional.
No ambiente de trabalho, quais os transtornos mentais mais comuns e suas causas?
Estresse ocupacional: resulta da sobrecarga de demandas, com impacto no córtex pré-frontal e na capacidade de tomada de decisão.
Burnout: associado ao esgotamento psicológico e físico, com prejuízo na regulação do cortisol e danos à saúde cardiovascular.
Transtornos de ansiedade e depressão: decorrentes de metas inalcançáveis, insegurança no emprego e falta de suporte organizacional.
Entre as causas, também estão jornadas extenuantes, baixa autonomia no trabalho, liderança autoritária e relações interpessoais tóxicas.
Como prevenir ou tratar esses males associados ao trabalho?
Políticas organizacionais: implementação de práticas como flexibilização de horários, incentivo ao equilíbrio trabalho-vida e ambientes mais inclusivos.
Programas de saúde mental: treinamento para gerentes, suporte psicológico e campanhas de conscientização.
Fomento ao diálogo: promover empatia e abertura na comunicação organizacional para reduzir o estigma associado ao sofrimento mental.
Qual a importância da educação socioemocional desde a tenra idade – na escola e no ambiente familiar – para evitar que a saúde mental das pessoas seja afetada em todo ciclo vital?
A educação socioemocional, fundamentada em abordagens neurocientíficas, tem papel crucial na construção de habilidades essenciais para a saúde mental ao longo da vida. Entre suas contribuições, constam:
Resiliência emocional: o fortalecimento das conexões entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico promove a capacidade de lidar com adversidades.
Habilidades sociais: o desenvolvimento da empatia e da cooperação está relacionado à maturação do córtex orbitofrontal e à integração social.
Prevenção de transtornos: reduz a probabilidade de surgirem alterações psicológicas ao promover a autorregulação emocional desde cedo.
Promoção da autorregulação: abordagem por meio do mindfulness e meditação ensina as crianças a controlarem respostas impulsivas, favorecendo o bem-estar.
Como aplicá-la na prática?
Na escola: implementar práticas de regulação emocional e trabalho em equipe. Inserir disciplinas que integrem neurociência, emoções e habilidades sociais.
Na família: estimular ambientes seguros para a expressão emocional e diálogo aberto. Promover vínculos afetivos consistentes, essenciais para a formação de bases emocionais saudáveis.
A integração da educação socioemocional ao currículo escolar e às dinâmicas familiares contribui para formar indivíduos mais resilientes e socialmente engajados, com menor incidência de transtornos ao longo do ciclo vital.