A pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, que investigou 45 nações, aponta o Brasil como segundo país com o maior número de pessoas em frente a uma tela. Os brasileiros dedicam 56,6% das horas em que estão acordados a computadores e celulares, ou seja, aproximadamente nove horas por dia. Nos últimos anos, a idade de primeiro acesso à internet por crianças brasileiras tem diminuído. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 mostra que 24% das crianças começaram a usar a internet até os 6 anos; em 2015, eram 11%.

Nesta entrevista, o psicólogo Ednilton José Santa-Rosa fala sobre os impactos do uso excessivo das telas nas relações familiares e como preveni-los ou combatê-los. Também aborda o uso equilibrado e saudável da tecnologia. Ele é especialista em terapia de casal e família e doutor em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua em consultório desde 1993, atendendo adultos, adolescentes, casais e famílias. Também é professor e supervisor clínico no curso de psicologia do Centro Universitário Fundação Santo André (FSA), diretor do Instituto Trajetória de Desenvolvimento Humano e presidente do Centro de Pesquisa e Prevenção em Políticas Sociais.

O que os dados estatísticos mostram sobre a utilização de telas no Brasil?

De acordo com a pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, da DataReportal, o Brasil é o segundo país com o maior número de pessoas em frente a uma tela. O estudo investigou 45 nações e mostrou que os brasileiros dedicam 56,6% das horas em que estão acordados a computadores e celulares, ou seja, aproximadamente nove horas por dia. Os brasileiros ficam atrás apenas dos sul-africanos, que utilizam 58,2% do tempo acordados com o uso de telas.

Nos últimos anos, a idade de primeiro acesso à internet por crianças brasileiras tem diminuído. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 (lançada em outubro do ano passado) mostrou que 24% das crianças começaram a usar a internet até os 6 anos, contrastando com o ano de 2015, em que esse resultado era 11%. A pesquisa, sob responsabilidade do Cetic.br/NIC.br, revelou que 95% dos jovens de 9 a 17 anos usam a internet, principalmente via celular (97%). O estudo destaca que, para 20% desses jovens, especialmente das classes D e E (38%), o único meio de acesso é o celular. O uso de computadores é mais comum nas classes A e B (71%) do que nas classes D e E (15%).

Quais os principais sinais que apontam que há uso excessivo de telas na família?

Em crianças: alterações no comportamento, como irritabilidade, agressividade ou choro excessivo quando o acesso às telas é negado; dificuldades no sono, como problemas para adormecer ou manter o sono e cansaço excessivo durante o dia; desinteresse por atividades físicas, como brincar ao ar livre ou participar de esportes, e preferência por atividades sedentárias; queda no desempenho escolar, como dificuldades de concentração e atenção, resultando em diminuição nas notas e desinteresse pelo aprendizado; isolamento social, como menor interação com amigos e familiares, preferindo a companhia de dispositivos eletrônicos.

Em adolescentes: oscilações de humor, incluindo ansiedade, depressão ou raiva, especialmente quando afastados das telas; distorções na imagem corporal e autoestima, pois exposição excessiva a redes sociais pode levar a comparações constantes e insatisfação com a própria aparência; dificuldades acadêmicas, como queda no rendimento escolar, procrastinação e falta de motivação para os estudos; distúrbios de sono, uma vez que permanecer acordado até tarde da noite usando dispositivos eletrônicos resulta em privação de sono; diminuição da atividade física, como passar longos períodos sentado, resultando em sedentarismo e possíveis problemas de saúde física.

Em adultos: isolamento emocional, como redução da interação e comunicação com cônjuges e filhos, afetando a qualidade dos relacionamentos; impacto na produtividade, como dificuldades em manter a concentração e a produtividade no trabalho devido à distração com dispositivos eletrônicos; distúrbios de sono, como problemas para adormecer e manter um sono de qualidade devido ao uso de telas antes de dormir; fadiga ocular e problemas físicos, como olhos cansados, dores de cabeça e problemas posturais decorrentes do uso prolongado de dispositivos; ansiedade ou desconforto quando longe das telas, indicando uma possível dependência.

Quais são as principais consequências do uso excessivo de telas nas relações familiares?

O uso excessivo de telas pode estar associado a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e dificuldades de sono, afetando o bem-estar emocional de todos os membros da família. O tempo excessivo gasto em dispositivos eletrônicos pode reduzir a interação pessoal e emocional entre os membros da família, levando ao distanciamento e à dificuldade de comunicação. O uso constante de telas pode diminuir a qualidade dos momentos compartilhados em família, com menos tempo dedicado a atividades de interação genuína.

Outra questão importante a se considerar é que o uso desigual ou excessivo de telas por diferentes membros da família pode gerar conflitos e tensões, especialmente quando há dificuldade em estabelecer limites claros ou quando o uso interfere nas atividades familiares planejadas. Cabe destacar que os pais e as mães (ou cuidadores de maneira geral) que se utilizam muito de telas podem fornecer um modelo de comportamento que seus filhos acabam se identificando, gerando um ciclo de dependência tecnológica e afetando o desenvolvimento saudável das relações familiares.

Como prevenir o uso excessivo de telas nos lares?

Para reduzir o uso excessivo de telas, é essencial estabelecer limites claros e horários específicos para o uso de dispositivos eletrônicos, criar espaços na casa livres de tecnologia para promover interações familiares sem distrações digitais e incentivar atividades alternativas, como jogos de tabuleiro, leitura e atividades ao ar livre.

A participação ativa dos pais, mostrando o uso equilibrado de tecnologia e promovendo momentos de comunicação aberta sobre os impactos do uso de telas, contribui significativamente para que os filhos encontrem prazer e motivação em atividades alternativas às telas. Estabelecer rotinas estruturadas que equilibrem o tempo de tela com outras atividades importantes e fazer ajustes constantes conforme as necessidades familiares são medidas essenciais para promover um ambiente familiar saudável e equilibrado.

Quando já instalado, como combatê-lo?

Para enfrentar o uso excessivo de telas já presente nos lares, é essencial adotar abordagens que promovam uma mudança gradual e positiva nos hábitos familiares. Inicialmente, é importante avaliar o uso atual de telas por cada membro da família. Isso pode incluir registrar o tempo de tela diário e identificar os padrões de uso predominantes. É importante definir metas realistas, ou seja, estabelecer metas claras e alcançáveis para reduzir gradualmente o tempo de tela. Esses limites podem ser diários ou semanais, buscando uma redução progressiva do tempo de uso das telas. Deve haver uma negociação e um consenso na família, todos devem se envolver na definição de novas regras e limites que orientarão a maneira como se utilizará das telas. Isso deve valer para todos.

Caso os pais ou outros responsáveis trabalhem em home office ou necessitem das telas para trabalhar, deverão justificar a utilização das telas e procurar também seguir um limite. É importante que todas essas mudanças sejam graduais, começando com pequenas mudanças de hábitos sem tela. Isso pode incluir estabelecer períodos específicos sem telas durante o dia ou reservar certas atividades familiares exclusivamente off-line. Os pais também devem promover e incentivar atividades que não tenham tela, por exemplo, leitura (livros físicos), jogos e brincadeira ao ar livre, exercícios físicos feitos em conjunto, entre outros.

Como é possível utilizar as telas/tecnologias de maneira saudável/equilibrada nas famílias e que benefícios isso traz?

Utilizar telas de maneira favorável nas famílias vai além do que simplesmente estabelecer horários e limites claros para o uso. É também escolher conscientemente conteúdos educativos e criativos que possam enriquecer o aprendizado das crianças e adolescentes, incentivando sua curiosidade e criatividade.

Participar de atividades interativas em família, como jogos digitais cooperativos ou assistir a filmes que gerem discussões, não apenas fortalece os laços familiares, mas também oferece oportunidades para compartilhar valores e experiências. Além disso, aproveitar ferramentas de comunicação digital para manter contato com familiares distantes ou amigos próximos pode ampliar o círculo social das crianças, proporcionando uma conexão significativa mesmo à distância.

Com o monitoramento adequado e a orientação dos pais e responsáveis, é possível equilibrar o tempo de tela com outras atividades essenciais, como leitura, atividades ao ar livre e interações face a face. Esse equilíbrio não só promove o desenvolvimento educacional, social e criativo de crianças e adolescentes, mas também ensina habilidades importantes de gestão do tempo e autocontrole. Assim, o uso consciente das telas nas famílias não apenas complementa as experiências interativas, mas também contribui para um ambiente familiar saudável e integrado.