O termo hacker tem sido utilizado para descrever um usuário de computador que invade sistemas e quebra dados sigilosos usando suas habilidades técnicas para fins geralmente questionáveis. O conceito, no entanto, surgiu nos anos 1960, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), para definir os indivíduos que se dedicam com entusiasmo à programação e que acreditam que o compartilhamento de informações é um bem poderoso e positivo.
Por se tratar de alguém com grande habilidade técnica, que tem paixão pelo que faz e se dedica ao aprimoramento de seu conhecimento e à inovação, pode-se afirmar que um hacker não precisa ser, necessariamente, da área de tecnologia, mas, sim, de qualquer área. Sendo assim, é possível criar um vínculo com a educação, desenvolvendo nos alunos um pensamento hacker para que tenham a busca do conhecimento como foco de seus estudos e voltada ao aprimoramento da informação.
Nesta entrevista, a educadora Georgya Corrêa explica como inverter a lógica educacional e como o fazer sentido é necessário no processo de aprendizagem. Segundo ela, a forma como as escolas se organizam precisa fazer sentido para os estudantes e, a partir disso, se dá a importância de se inverter a lógica educacional.
“Hoje, em primeiro lugar, com as descobertas da neurociência, sabemos que fazer sentido é algo de extrema importância para a aprendizagem. Além disso, outros pontos, como estimular a curiosidade, o prazer, se conectar com emoções e sentimentos, tornam o processo muito mais eficaz”, ressalta.
Segundo a educadora, quando são ouvidas frases como “mas antigamente os conhecimentos eram depositados para que os estudantes os fixassem e isso funcionava” ou “eu aprendi da forma tradicional e funcionou para mim, então isso funciona”, é preciso ter atenção e saber que, até pouco tempo atrás, o mundo buscava ardentemente conseguir informações. “Isso já era por si só algo complexo. Não vivíamos em um mundo globalizado, com internet, então se tinha acesso a textos, pesquisas descritas”, compara.
Ela complementa que, hoje, o conhecimento está aí, ao vivo e a cores, vivo, animado. “Então, para despertar o interesse das novas gerações, precisamos mais do que letras e números registrados para serem decorados. Antes, isso era o suficiente e adquirir esse conhecimento, simplesmente o saber mais, podia ser estimulante. Hoje, não mais”, explica.
Escolhas
Conforme Georgya, os livros didáticos e as referências educacionais que se têm atualmente ainda trazem apenas essas informações “frias”, os conhecimentos necessários para provas, sem espaço para escolhas, construções e descobertas. “Mas e se começássemos justamente pelas escolhas, pelas construções, fazendo descobertas? Despertando a curiosidade sobre questões que permeiam o universo de cada faixa etária?”, questiona.
Acrescenta que é possível começar dessa forma e, a partir disso, trazer, sim, todas habilidades, todos conteúdos, conhecimentos adquiridos pela humanidade e, ainda, as habilidades socioemocionais. “E se eu disser que começando daí desenvolveremos tudo o que se necessita aprender e, ainda, de um jeito muito mais interessante, prazeroso, estimulando a criatividade e contribuindo para uma boa saúde mental dos nossos estudantes? Esse é o caminho que a educação precisa seguir”, afirma.
Georgya é fundadora, idealizadora e diretora pedagógica da escola Teia Multicultural e cofundadora e diretora pedagógica da edtech Asas Educação. Teve sua primeira formação como atriz de teatro, televisão e rádio, atuou como assistente de direção, coreógrafa e cenógrafa. Fez trabalhos para o setor de RH, desenvolvendo treinamentos de equipes por meio do lúdico. Formou-se em pedagogia no Centro Universitário São Camilo, fez extensão em neurociência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestrado lato sensu em neuropsicopedagogia na Ucam Prominas e mestrado stricto sensu em currículo na PUC-SP.
O que significa hackear a aprendizagem?
Hackear significa ser criativo, criar uma forma não convencional de algo ou facilitar alguns caminhos. É nesse sentido que trago o ‘hackeando a educação’, que é transformando um caminho que já era convencional dentro de um sistema de muitos anos, dentro dos ambientes escolares, para algo mais criativo, simples e interessante.
Como funciona hoje a lógica educacional e por que a forma como a escola se organiza atualmente não faz sentido?
O sistema da organização escolar básica hoje parte de determinadas habilidades ou o que chamamos de conteúdos que precisam ser aprendidos, uma lista de itens, digamos assim, de aprendizagem. E os professores, a partir desses itens de aprendizagem, verificando a possibilidade de acordo com a idade e o nível de conhecimento do estudante, vão apresentando essa sequência de conteúdos, de habilidades. Sendo assim, na hora do professor fazer o planejamento, que normalmente é feito para um ano, ele seleciona essas habilidades referentes àquele ano e vai organizando de forma sequencial como apresentará cada um desses conteúdos aos estudantes. Muitas vezes, dependendo da área do conhecimento, seguindo uma lógica de aumento de nível de dificuldade.
Desde quando é assim e quais as consequências disso?
É assim desde que se estruturou a escola na época da revolução industrial e continuou se reproduzindo esse sistema. A consequência é algo que muitas vezes não faz sentido para a criança e para o adolescente, porque não tem conexão com situações-problemas, com questões motivadoras enquanto resultado. A motivação acaba sendo simplesmente as notas. E é claro que, se a criança, o adolescente, tem notas, números, como uma única referência, o aprendizado do conhecimento em si, o desenvolvimento, passa a não ser o foco, o foco é apenas conseguir a nota. Além disso, como o que aprenderam muitas vezes não faz sentido, por não estar relacionado com a vida, eles acabam esquecendo os conteúdos. É bem desmotivadora essa forma de aprendizagem para os dias atuais, em que cada vez mais crianças e jovens buscam conexão do aprendizado com a vida deles. O foco de interesse está cada vez mais sendo ofertado em outras áreas da vida, em que há tantas coisas chamando a atenção.
O que então seria inverter essa lógica e fazer sentido? Exemplifique.
A nova forma seria justamente não partir de um conteúdo, de uma habilidade, de um item de conhecimento, como, por exemplo, aprender a somar dois números, cada um composto por dois algarismos, como 22 + 34. A inversão é não partir desse resultado, mas partir de algo a ser construído, logo a ser organizado no planejamento, ou seja, pensar o que os alunos irão construir, o que eles poderão fazer de todas as áreas do conhecimento em que poderão ser utilizadas habilidades a serem desenvolvidas. Por exemplo, eles terão que fazer uma maquete, uma caixinha para guardar um carrinho de uma criança ou um jogo. E na hora de fazer essa caixinha, eles precisarão saber o tamanho de algo que vão construir, vão precisar encontrar um tamanho e, para isso, precisarão fazer a soma de dois algarismos. Isso vai ser uma necessidade provocada, o que, na verdade, se faz o tempo inteiro na vida. Utilizamos os conhecimentos a partir de uma necessidade que temos.
E quais as consequências previstas a partir dessa mudança?
Quando temos a necessidade de um aprendizado, conseguimos realizar com maior rapidez e fixação. Vide o exemplo de línguas. De quantas pessoas ouvimos falar que tentaram fazer cursos de inglês diversas vezes, mas não conseguiram aprender. No entanto, quando precisaram de um emprego ou foram viajar ou morar no exterior, aprenderam. Porque tiveram uma necessidade. Na verdade, a inversão é justamente essa: você criar uma necessidade no planejamento, não partir do conteúdo, mas da necessidade para se chegar ao conteúdo. Normalmente, a escola ensina o conteúdo para um dia, quando houver uma necessidade, ele poder ser aplicado. A inversão é encontrar essa necessidade na rotina, na vida prática dos estudantes, adequada à faixa etária, para que eles se interessem em conhecer. E já pré-organizar no planejamento com essa intenção de que vá precisar requisitar esse conhecimento. É uma ordem inversa.
De que forma os educadores precisam se preparar para atender essa demanda?
Os professores precisam, basicamente, de formação sobre algo que já vem sendo inclusive requisitado no Brasil, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é o trabalho a partir de projetos, de preferência multidisciplinares. Em diversos outros países, há essa orientação. Não é algo complexo, mas necessita de um aprendizado. Esse conhecimento é requisitado nas orientações educacionais, quando se pede que o professor trabalhe por projetos, mas eles não são ensinados a isso de forma mais efetiva nas suas graduações.