As habilidades sociais são um conjunto de comportamentos e hábitos observáveis e de pensamentos e emoções que promovem a comunicação eficaz, os relacionamentos satisfatórios e o respeito entre as pessoas. Na prática, são as competências necessárias para interagir com os outros de acordo com as regras de boa convivência e civilidade, seja no âmbito familiar, acadêmico, profissional ou social.
O estímulo ao desenvolvimento de tais capacidades desde cedo na infância é fundamental, porque elas também proporcionam uma autoestima saudável, bem-estar e qualidade de vida. Por outro lado, os indivíduos com poucas habilidades sociais podem sentir com frequência estresse, desconforto e emoções negativas, como frustração, raiva, sensação de rejeição ou desvalorização. E são mais predispostos a desenvolverem transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão.
Dimensões
Para definir um comportamento hábil, algumas dimensões são levadas em consideração: a comportamental, que se refere ao tipo de habilidade social; a pessoal, ligada às variáveis cognitivas; e a situacional, vinculada ao contexto ambiental. Existem diferentes tipos de habilidades sociais. As básicas são as primeiras que as pessoas adquirem e fundamentais para se iniciar, manter e finalizar uma comunicação.
Já as habilidades sociais avançadas são aquelas que os indivíduos aprendem depois de adquirirem as básicas. Entre elas, estão saber compartilhar uma opinião, ser assertivo, saber pedir ajuda, pedir desculpas, dar e seguir instruções. Por sua vez, as habilidades sociais emocionais são intimamente ligadas ao gerenciamento e à identificação dos sentimentos e das emoções. Estão entre elas, portanto, saber identificar e expressar sentimentos e emoções, empatia e respeito.
As habilidades sociais de negociação são aquelas que promovem o gerenciamento dos conflitos de uma forma adequada. Incluem negociação, resolução de conflitos, altruísmo e compartilhamento com os outros. E as habilidades sociais de organização são importantes para estruturar o dia a dia das pessoas corretamente, evitando estresse, ansiedade e outros aspectos negativos. Entre elas, encontram-se a capacidade de tomada de decisões e de ordenamento.
Baralho
Nesta entrevista, a psicóloga Camila Tarif Folquitto fala sobre habilidades socias em tempos de rápidos avanços tecnológicos. Ela é coautora do ‘Baralho das habilidades sociais: desenvolvendo as relações’ (Sinopsys Editora), uma ferramenta que permite ao psicoterapeuta trabalhar com o público infantojuvenil as interações que nem sempre são observadas na família e na escola, onde crianças e adolescentes deveriam aprender a expressar seus sentimentos, desejos, opiniões e direitos, propiciando que sejam adultos felizes, livres da agressividade e hostilidade que podem interferir de forma negativa em qualquer época da vida.
Trata-se de um recurso lúdico para auxiliar na observação, no treinamento e no desenvolvimento das habilidades sociais, tendo entre seus objetivos: observar os comportamentos individuais de cada jogador; verificar a interação dos jogadores no grupo; facilitar a exposição de possíveis conteúdos individuais conflitantes vivenciados no cotidiano; favorecer o reconhecimento e a nomeação das emoções nas diversas situações.
O baralho também visa estimular a reflexão acerca dos comportamentos apresentados a partir dos contextos culturais em que o indivíduo está inserido e de acordo com teorias das habilidades sociais; buscar alternativas para a resolução das situações conflitantes; promover mudanças e possíveis generalizações dos comportamentos e sentimentos para outros contextos; e, mediante os processos de intervenção, comparar o desempenho do paciente em diferentes momentos, observando possíveis mudanças.
Sobre a entrevistada
Camila é graduada em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Tem mestrado e doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do IPUSP e pós-doutorado em psicologia da saúde pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). É pesquisadora nas áreas de desenvolvimento psicológico e saúde com foco nas relações entre desenvolvimento e transtornos na infância e adolescência.
Como surgiu e qual o objetivo do baralho das habilidades sociais?
Surgiu a partir de um convite na época em que eu e Camila Luisi Rodrigues (coautora) estávamos fazendo nossas formações acadêmicas no Hospital das Clínicas, em São Paulo, onde integrávamos um grupo da psiquiatria da infância e adolescência que cuidava de pacientes com diversos transtornos. O desafio com que nos deparávamos era como trabalhar elementos fundamentais para que essas crianças e adolescentes pudessem ter habilidades e ferramentas para desenvolver as relações e melhorar sua qualidade de vida, não somente uma diminuição de sintomas externalizantes, como hiperatividade e agitação, mas uma melhora na qualidade das relações, na percepção social e no entendimento de si mesmos.
Após muitos diálogos e estudos, pensamos em desenvolver o baralho como uma atividade lúdica, um tipo de instrumento para auxiliar em diversas intervenções, não somente no contexto hospitalar. A ideia era fazer um jogo que pudesse simular elementos da vida real das crianças e dos adolescentes e que eles pudessem, de alguma forma, se colocar ali, despertar reflexões ou se identificar com contextos trazidos nessa situação de jogo.
Como o baralho pode auxiliar na prática clínica dos psicólogos?
O baralho foi publicado em 2015 e, nesse percurso de amadurecimento, tem mostrado uma grande riqueza e uma infinidade de possibilidades. Seu manual indica um caminho, mas a ferramenta pode ser usada de diferentes maneiras, pois ela não se esgota. O objetivo é colocar o paciente para pensar e refletir sobre seu mundo social, e isso oferece várias possibilidades de atuação e interação. Minha prática como psicóloga é muito identificada na expressão da criatividade e percebo no trabalho com o público infantojuvenil essa criação acontecendo o tempo todo. Ter um pensamento criativo viabiliza ao terapeuta fazer intervenções que o destravam em casos mais desafiadores.
Hoje vemos até crianças de menos de um ano de idade já manuseando e consumindo conteúdo em celulares. O uso excessivo de telas pode levar ao surgimento de problemas mais graves de habilidades sociais nas gerações futuras?
A resposta mais honesta para isso hoje é que não sabemos. Já existem várias pesquisas que comprovam dificuldades de processamento, de atenção e no desenvolvimento de algumas funções executivas por causa dos excessos de tela. O desenvolvimento do ser humano, seja emocional ou cerebral, é todo dependente do contexto. Não somos animais que nascemos prontos. Precisamos desenvolver as relações sociais com qualidade não somente para sermos bons socialmente e não termos problemas com os outros, mas para aprender habilidades de raciocínio, habilidades empáticas, para aprender a acolher as nossas emoções. Isso é fundamental.
Estamos vivendo uma revolução tecnológica muito grande num espaço de tempo absurdamente curto, em que as pesquisas não conseguem acompanhar. Poderemos saber qual o impacto da exposição às telas em um bebê de menos de um ano de idade, por exemplo, daqui a 5, 10, 15 anos. Temos toda uma geração que está sendo exposta de uma forma excessiva a tecnologias e precisamos atuar nesse momento sem saber muito bem qual será o impacto disso. Estamos supondo algumas coisas.
O que é necessário fazer então?
Quando estamos num contexto de muita incerteza, temos que partir para as certezas que já temos. Uma delas é a importância fundamental dos seres humanos na vida dos outros seres humanos. Não é à toa que ninguém gosta de falar com um robô/inteligência artificial no atendimento ao cliente, por exemplo. Preferimos falar com uma pessoa em vez de um robô, que não entende você direito. Sabemos que a IA vai evoluir muito, mas é muito melhor conversar com uma pessoa.
Vemos crianças e adolescentes passando muito tempo diante das telas estando em relações sociais, ou jogando junto com outras pessoas, ou em redes sociais vendo postagens de outras pessoas. Então penso que não prescindimos da interação humana. Estamos, na verdade, buscando as interações humanas por meio das telas. O grande problema é que não podemos ter somente interações humanas que dependam da tecnologia.
Explique por que não podemos ter somente interações humanas que dependam da tecnologia.
Os meios tecnológicos possibilitam conversar com outras pessoas de diferentes estados, por exemplo, e a pandemia nos trouxe esse ensinamento de que a tecnologia pode unir. Por meio dela, podemos falar de uma forma prática, simples, e aprender sobre tantas coisas. O problema é quando ela é o maior repertório que alguém tem para se desenvolver, porque é um repertório pobre, pois não vem junto com o corpo e com as emoções.
Por meio da tecnologia, vemos a imagem do outro, que é algo que nos dá uma referência. Mas não é como estar numa mesma sala, num mesmo lugar, o que possibilita ver a expressão facial da pessoa, como ela está, ou seja, ver as pistas não verbais. As habilidades socias dependem dessas pistas. O toque e o abraço também são fundamentais para o envolvimento emocional.
Quando as crianças estão num ambiente em que, desde pequenas, têm as relações sociais virtuais e reais igualadas, não conseguem diferenciar a qualidade dessas relações. O excesso de tela, portanto, seria sempre prejudicial. Inclusive há vários documentários falando sobre essa questão do vício de telas, da endorfina, da noradrenalina, de se estar sempre recebendo informações e isso ser prazeroso. Mas em termos de qualidade das relações sociais, penso que o excesso de telas prejudica. A criança não consegue mais distinguir a diferença entre estar se relacionando com alguém por uma tela e estar se relacionando com alguém no mundo real.
E como usar a tecnologia de uma forma saudável?
Penso que precisamos, cada vez mais, resgatar coisas que possam proporcionar muitas atividades lúdicas para as crianças fora das telas. Inclusive pelo caminho das telas. Não é uma questão de brigar ou proibir. Há muitos recursos na internet que ajudam a ensinar, tais como canais de YouTube sobre desenho, artesanato e esportes, que puxam a criança para aprender e criar fora da tela. Se tem uma coisa que é muito interessante nesse mundo virtual que construímos por meio de inteligência artificial e de todos esses canais é essa possibilidade infinita de aprendizado. Temos uma biblioteca imensa, riquíssima e que se alimenta o tempo todo de novas informações.
Como transformar todas essas informações em conhecimento?
Elaborando, dando significado, pensando, construindo isso como um aprendizado próprio; o que só acontece se houver alguém junto. É ruim a ideia, por exemplo, de deixar uma criança pequena usando uma tela para que ninguém precise cuidar dela, ou seja, como uma babá eletrônica para entretê-la, fazendo com que seus cuidadores a esqueçam e sejam esquecidos por ela. Hipnotizar a criança pela tela ou qualquer outro recurso tecnológico empobrece as relações. Mas, em vez disso, é possível ficar junto com a criança, assistindo com ela aos vídeos e conteúdos de que gosta, a ensinando a ser crítica, a interagir sobre o conteúdo que consome. Assim, existe a possibilidade de interação, de construção de conhecimento e de uma relação social mais efetiva.