Não importa quantas vezes eu ouça, sigo me espantando quando aqueles que se denominam psicanalistas afirmam que não é mais necessário ler Freud, pois autores posteriores já o superaram no desenvolvimento da teoria psicanalítica. Provavelmente, poucos desses se dedicaram de fato à leitura dos textos freudianos.

Tais afirmações levam-me a pensar sobre o imediatismo e a pressa nos quais estamos submersos. Muitas das informações necessárias carregamos na palma da mão, nas telas de nossos celulares. Em poucos segundos, enquanto espera-se o metrô ou aquece-se a comida no micro-ondas, acessamos a biografia de Melanie Klein, ouvimos um podcast sobre Psicanálise, assistimos a um trecho legendado do seminário de Jacques Lacan ou a um vídeo curto no Youtube sobre determinado conceito teórico e etc.

Podemos ter uma noção da Psicanálise em alguns desses formatos? Sim, podemos. Podemos considerar isso formação do analista? Não, não podemos. A formação do analista é estruturada sobre um tripé: a análise pessoal, a supervisão e a formação teórica. Tiramos um desses elementos e todo o edifício desmorona.

Construção da carreira

Hoje escrevo especificamente sobre a formação teórica do analista. Ela é contínua, não termina com a formatura que marca o final do curso universitário e nem com os cursos de pós-graduação que se gabam de oferecer a garantia de um certificado. O estudo permanente, as horas dedicadas à leitura atenta e à discussão dos textos fundamentais da psicanálise e dos novos ensaios teóricos sempre farão parte da vida daquele que decidir dedicar-se ao ofício de psicanalista.

Estamos disponíveis a escutar a fala de cada um dos analisados em sua singularidade e, para que isso possa ocorrer, há um método a ser seguido: a escuta flutuante. Não é qualquer escuta. Ela difere da escuta que um padre, um amigo, um familiar próximo ou um outro profissional de saúde podem oferecer. Se, por meio da leitura de seus textos, acompanhamos Freud em seu desenvolvimento teórico, podemos perceber como o relato das primeiras sessões com as histéricas vai cedendo espaço ao desenvolvimento dos alicerces teóricos do que será construído posteriormente como Psicanálise.

Escapar do senso comum

Isso levou tempo, foi a obra de toda a vida de Freud. Se afirmo que a formação do analista é contínua, de maneira alguma refiro-me a que tenhamos que seguir os mesmos passos de Freud, no mesmo ritmo. Freud montava os alicerces, lutava pela respeitabilidade da Psicanálise nos meios científicos e em toda uma sociedade. No mundo em que nos toca viver, a Psicanálise é razoavelmente conhecida. Cabe reparar que, quando nos autorizamos enquanto psicanalistas, nos afastamos das ideias do senso comum relativas à Psicanálise e nos dedicamos a compreender cada uma das etapas, dos procedimentos e dos materiais dos quais nosso arcabouço teórico é constituído.

Simultaneamente, escutamos e, quando deitados no divã, aprendemos a escutar nossos próprios significantes, a virar e a revirar nossa história, a decidir pelo nosso desejo mais íntimo. Somente com o submetimento, na maioria das vezes de longa duração, à própria análise é que poderemos compreender o alcance das postulações dos teóricos da Psicanálise. Elas são necessárias toda vez que ouvimos nossos pacientes, pois é com elas em mente que cada intervenção do analista é feita, até mesmo seu silêncio.

E MAIS …

Intercâmbio das reflexões e práticas atuais para o avanço teórico

Embora o caminho da formação seja único, ao longo do percurso encontramos pares com os quais podemos compartilhar a jornada. As diversas instituições psicanalíticas são compostas por sujeitos que buscam, continuamente, se debruçar sobre os textos teóricos e colocá-los em debate, podendo, com o intercâmbio das reflexões sobre as práticas atuais, incubar o próprio avanço teórico.

Se, em si, o processo de análise é solitário, o atendimento é solitário e as horas de leitura são solitárias, o avanço teórico, por sua vez, se dá no debate e na discussão dos temas caros à Psicanálise. Nisso, portanto, o psicanalista não está só.