Esses dias uma amiga ligou pedindo indicação de analista, e contou que estava estudando Lacan e não entendia coisa alguma. Argumentava que deveria haver um curso básico. Escutando-a, lembrava-me de uma das primeiras vezes em que me deparei com um texto desse psicanalista. Eu voltava de uma aula, estacionei na garagem de casa. Não tinha forças para sair do carro, fui capaz de colocar só os pés para fora. Passados uns minutos, vieram ver por que eu não havia entrado em casa. Apenas fui capaz de dizer: “Não entendo o que dizem. Sei que falam português, mas é outra língua, não entendo nada.”. Na época, eu também defendia a necessidade da “apostila zero”.

O caminho da vida acadêmica

Na faculdade de Psicologia, eu pouco li Freud, meio por culpa dos professores – que não pediam – e meio por minha culpa – que não era o que se pode chamar de aluna aplicada… Dessa forma, me formei sem ler Freud e sem fazer análise. Que mal haveria aí? Eu havia planejado seguir o caminho da vida acadêmica. Já dando aulas na universidade, ouvia os professores de Psicanálise conversarem sobre as análises. Pedi uma indicação de analista.

Paguei para ver; sim, pois se paga cada sessão. E se paga mais do que as cédulas postas na mesa do analista ao final da sessão ou, em tempos de atendimento on line, depositadas no banco. Esse, o pagamento em dinheiro, embora houvesse época em que a situação financeira se tornasse bem delicada, não foi o mais difícil.

Difícil foi enfrentar o trânsito que me separava do consultório do analista, levantar do divã irritadíssima comigo mesma, com o silêncio vindo da poltrona atrás de mim ou suportar a duração variável das sessões lacanianas.

A cura analítica exigia que, a cada vez, eu me levantasse e retornasse ao divã. Era um trabalho de insistência. O mesmo trabalho que dediquei ao estudo dos textos lacanianos. Insistentemente, apostava na possibilidade de uma vida menos aprisionada pelos sintomas neuróticos, apostava que aquele idioma desconhecido seria minha própria língua.

Um idioma desconhecido

Para se aprender uma língua, há que morar no país, não é isso que dizem? Com os anos, percebi que a compreensão dos textos andaria de mãos dadas com minha análise pessoal. Com minha própria análise, fui habitando esses textos, convivendo com eles. Experenciei que não há teoria sem clínica. Desde Freud, é da escuta analítica que surgem os conceitos da teoria psicanalítica. A escuta clínica sempre começa pela análise pessoal. A língua do divã é a mesma dos textos e toma vida. E vida se constrói nas bases da teoria psicanalítica que nos convida a um delicioso estudo permanente de inúmeras desconstruções.   

E MAIS…

Meu reencontro com Lacan

Em um determinado momento, decidi deixar a universidade e dedicar-me ao consultório. O profundo interesse pelos estudos teóricos transformou-se em uma editora de Psicanálise, a Aller, voltada especificamente para a formação de analistas.

Há dois anos, em minha defesa de doutorado, um dos integrantes da banca me perguntou por que eu não havia usado tal conceito lacaniano. Respondi dizendo que não tinha certeza da necessidade desse avanço teórico. Seis meses depois, relendo um livro, me dei conta da centralidade do conceito. Relendo o livro! Ou seja, eu precisei de mais tempo para que aquele conteúdo – que já havia estudado milhões de vezes – tomasse vida em mim. Mas não acaba aí: semana passada, ao assistir a uma live, fiquei com uma dúvida e escrevi ao analista. Surpreendentemente, ele me respondeu fazendo uso do mesmo avanço teórico. Era óbvio! Haveria que seguir trabalhando – no divã, na poltrona e na escrivaninha.