Em nosso artigo publicado anteriormente neste portal, Aprendizagem baseada em Projetos Estimula Solução Prática do Problema, pontuamos que “a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) é uma das metodologias ativas de aprendizagem, cujo foco está na utilização de tarefas e desafios em grupo no sentido de construir o conhecimento baseado em um problema autêntico, uma pergunta complexa e/ou um desafio, utilizando atividades práticas e/ou a aplicação prática da informação”[i].
Entretanto, conforme acontece com a maioria das metodologias ativas de aprendizagem, considera-se sua aplicabilidade de uma dificuldade considerável, além do fato de que a maioria dos relatos de experiências ou direcionamentos em textos encontram-se em nível de ensino superior. Apesar disso, se fizermos uma pesquisa mais apurada, encontraremos várias aplicabilidades para o ensino fundamental e a educação infantil[ii].
Relato do caso
A partir de uma aula por mim ministrada na disciplina “Neurociência e as teorias da Aprendizagem” de um curso de pós-graduação lato-senso em Neurociência Pedagógica[iii], houve um relato, de uma aluna, de que aplicava o ABP (PBL ou Problem Based Learning, em inglês) em sua turma de 3º ano do ensino fundamental de uma escola localizada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Instigado pela curiosidade, solicitei permissão à Coordenação da referida escola para acompanhar a apresentação dos alunos, resultado de um PBL com o tema central empreendedorismo.
Confesso que realmente fiquei curioso. A ideia foi fazer com que os alunos construíssem uma empresa de negócios a partir dos interesses comuns de cada grupo. Mas como se faz um PBL em uma turma do ensino fundamental anos iniciais, ainda mais com o tema de empreendedorismo? De que forma isso foi realizado? Os resultados foram bons? Eu tinha que ver isso de perto.
Permissão concedida, em dia e horário determinados para a apresentação, no mês de junho de 2022, apresentei-me ao local, uma escola particular, que tem o método PBL como o método padrão da escola para todo o ensino fundamental, desde o 1º ano, tendo sido implantando há quatro anos (ou seja, em 2018, antes mesmo da implantação oficial da BNCC – Base Nacional Comum Curricular)[iv].
Mudança de paradigma
Claro que tal mudança de paradigma não deve ter se dado sem problemas e questões, como é natural em qualquer implantação de metodologias ativas em substituição à pedagogia tradicional. É sempre necessária a implantação de uma “cultura” ativa, que envolve a mudança de hábitos profundamente arraigados na equipe gestora, professores e estudantes, relacionada ao ensino tradicional, o que envolve resistências e dificuldades de várias ordens. Isso envolve, no dizer de Julia Andrade e Juliana Sartori, “recriar nosso sentidos e direções, ressignificando nossas práticas por meio de narrativas compartilháveis em rede”[v].
O foco da mudança foi tornar o aluno o centro do programa acadêmico da instituição, baseado em quatro focos de habilidades: comunicação, colaboração, criatividade e pensamento crítico. Além disso, utilizam-se também um programa de aprendizagem socioemocional (SEL – Social and Emotional Learning), que é inclusive a base da BNCC para o tema. “Para alcançar esse objetivo, usamos atividades de aprendizagem baseadas em projetos (Gold-Standard PBL), um ambiente de aprendizagem colaborativo e flexível, que promove a mentalidade de crescimento e os boletins baseados em padrões no 1º ao 3º Ano”[vi].
O que encontrei?
Ao chegar na sala de aula, conduzido pela professora, encontrei um ambiente que João Mattar chama de “produto público: os alunos tornam público seu projeto, explicando, exibindo e/ou apresentando-o a pessoas além da sala de aula”[vii]. Havia vários “postos” de apresentação, em que os conteúdos estavam sobre mesas com seus realizadores ao redor, e todos com auxílio de um tablet. Todos os trabalhos apresentados tinham QR Code, o que possibilitava o acesso pelo celular, o que fiz de imediato para ter noção do que haviam produzido.
Um dos alunos apresentou o plano de trabalho dos grupos. Seus objetivos foram: a) aprenderem a como criar um negócio; b) trabalharem melhor em grupos; c) aprenderem a como criar um plano de negócios; d) serem mais pacientes. Os trabalhos foram centrados nas seguintes temáticas, com a produção das seguintes empresas (todas tiveram logos construídos pelos estudantes, seja digitalmente, seja por desenho manuscrito feito por eles):
- Sugar Free Sweets – empresa criada a partir da ideia de comercializar doces e bebidas sem açúcar para pessoas que têm diabetes e querem consumir doces. Seus preços são direcionados para pessoas com baixo poder aquisitivo, apesar dos produtos serem de qualidade. O nome da empresa foi pensado a partir de um Brainstorming entre seus pensadores, o que gerou um nome único, simples e fácil de lembrar. Ah, sim, eu provei os doces e um suco, e estavam deliciosos.
- Star Plane – com o slogan “Just Fly Free” (apenas voe livremente), a empresa se destina a produzir aviões de brinquedo, tanto mais “tecnológicos”, quanto mais tradicionais, como um protótipo de um avião de caça, e um modelo tipo “B-52”, usado na 2ª Guerra Mundial. O preço de R$ 90,00 por avião é competitivo, segundo eles, pois os competidores custam R$100,00 por avião.
- Crazy Pasta – Italian Food – com um propósito bem altruísta, esta empresa pretende ajudar à comunidade com sua receita financeira. Em um restaurante italiano feito exclusivamente para crianças, estas seriam entretidas com brincadeiras enquanto esperariam pela deliciosa comida. Realmente, como dizem, um local com um bom alto astral e relaxante. O nome foi pensado para facilitar a lembrança, sendo engraçado e legal. Custando entre R$50,00 a R$70,00 o prato, é convidativo por este aspecto também.
- Luxury Dolls – uma empresa de personalização de bonecas, para torná-las luxuosas, para um público que ama e são loucos por bonecas de luxo, como crianças e colecionadores. Promete lojas em diversos países, como o Brasil, Estados Unidos (Nova York e Califórnia), Japão, China e Alemanha. Um projeto realmente ambicioso. O preço também é de luxo: R$ 4.040,00 por boneca!
- Furniture Masters – com o slogan “Fix It or Buy it New We Can Help You” (Conserte ou compre novo, nós podemos ajudá-lo), é mais uma ideia para auxiliar a comunidade com seu mobiliário, comprando novo ou consertando o que já existe. O preço é o que me espantou, já que circula entre uma faixa de $500,00 a $850,00 dólares.
- Drawing Galaxy – é uma ideia para que você crie seu próprio universo artístico, a partir da aquisição de materiais de artes (lápis de cor, canetas, tintas, papéis, marcadores etc.) em uma papelaria. Seu diferencial é que teriam na loja cães fofos para adoção, seu preço seria menor aos domingos e as primeiras cem pessoas que comprassem ao menos 5 itens ganhariam uma surpresa. O que seria?
- Game Zone – com o slogan “Eat, Sleep, Game Repeat” (Comer, dormir, o jogo repetir), sua proposta é ser uma loja de venda de insumos de alta tecnologia para gamers maníacos. Também com a proposta de ajudar a comunidade, sua venda de produtos promete ser mais barata do que seus competidores. A conferir.
- King of Sports – loja de venda de itens esportivos, que também promete ajudar a comunidade por meio de doações de caridade. Somente usarão material nacional (bem no estilo patriótico), como algodão e couro, e pretendem vender mais barato que a concorrência.
Claramente, os grupos estiveram bem engajados em suas produções, desde a proposta original, até a apresentação. A partir de uma série de questões colocadas pelas professoras (um questionário por escrito), foram construindo suas ideias e foram sendo auxiliadas em suas dúvidas e questões.
Os resultados foram bastante condizentes com a proposta, e muito bem elaborados, especialmente considerando serem alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Uma pequena mostra de como não somente é possível ensinar com PBL no Ensino Fundamental (e até mesmo na Educação Infantil), mas principalmente como isso promove várias qualidades tão necessárias, de acordo com a BNCC: engajamento, criatividade, empatia, compromisso, responsabilidade e autonomia, dentre tantas outras.