ESTUDO DE CASO
Lembro-me de uma paciente que num relato disse se incomodar com o filho adolescente que todos os dias se trancava no banheiro por longo período para se masturbar. Contou que passados dez minutos ela começava a bater na porta e “gritar” para ele sair! Perguntei-lhe se ela assim agia para liberar o banheiro para uso próprio ou de outro e ela respondeu que não, que havia mais de um banheiro na casa.
O estigma da culpa
Indaguei, então, por que ela se incomodava com a ideia de que o filho adolescente se masturbava e ela, parecendo surpresa com a pergunta, disse apenas: por que sim, porque não parece muito saudável.
Ora, mas do que se trata mesmo o ato de masturbar-se? Não será apenas a descoberta do prazer no toque dos próprios genitais? Recordei-me, no entanto, que cresci com a ideia de que a masturbação era algo bem errado, da ordem do pecado, cuja prática estaria a impor um castigo (como várias religiões pregam ainda hoje). Decorrente daí a culpa, como mais uma “pedra” a carregarmos.
Na verdade, a sexualidade desde sempre sofreu e sofre uma série de repressões, certamente porque muito pouco conhecemos a respeito dela. Assim, o assunto vira um tabu, de sorte que é melhor “não falarmos sobre isso”.
A coragem inquieta
Talvez por isso a cena recente de uma grande atriz da novela das nove na TV tenha chocado boa parte do público, mais ainda por retratar a masturbação feminina. Ao meu ver, ato de coragem da escritora que merece aplausos porque preferiu mostrar a encobrir. É que o silenciar, longe de aquietar, inquieta e faz surgir uma série de fantasias, algumas bem distorcidas da realidade.
Por outro lado, na Psicanálise, Freud já contemplava em seus estudos a masturbação infantil exemplificando com aquele menino ou menina que fica mexendo em seus genitais. Já dizia que em tais situações as crianças eram repreendidas pelos pais, com a ameaça de que “iriam cortar o pênis do garoto”. Nada mais assustador, imaginem.
Ainda hoje encontramos pais que diante de tais circunstâncias ficam desconcertados e pedem para a criança parar com aquilo dizendo ser algo “errado”, que “não podem fazer” (sem saber ou dizer o porquê).
Sabemos, no entanto, que a criança de três ou quatro anos de idade acha gostoso tocar-se, mas que não se fala aqui do prazer como aquele que mais tarde sentirão, com o orgasmo, é apenas a descoberta. É algo que está dentro da normalidade infantil e não requer reprimenda ou repressão, pois ocorre numa curta fase da infância, normalmente, e passará sem qualquer consequência.
Fase de transição
É na adolescência, enfim, que a masturbação com prazer nos genitais é descoberta e se acentua o que, igualmente, é natural e tende a se espaçar com a entrada na vida adulta e o início da prática sexual com o outro.
Não raro, no entanto, pacientes relatam que seus maridos/companheiros se masturbam e me perguntam “por que fazem isso ao invés de fazerem sexo comigo?” Dizem se sentirem rejeitadas, colocadas em segundo plano, já que a preferência dele é na satisfação individual e não com elas. Isto afeta a autoestima da mulher que fica ressentida. Enfim, não compreendem tal comportamento.
Bem, é preciso diferenciar o homem que se masturba eventualmente e não deixa de querer e gostar do sexo com a companheira, o que é natural, daquele que troca o sexo pela atividade masturbatória. Quando ocorre esta última hipótese, há algo errado e o diálogo é necessário.
Teoria freudiana
Mas por que a masturbação masculina é mais comum e pode gerar conflitos entre os casais?
Freud, explicando o complexo de Édipo, muito resumidamente, diz que o menino passa a se afastar do pai e querer tomar o seu lugar junto à mãe. Já a menina abandona a mãe para tomar seu pai como objeto de amor.
Esmiuçando mais sobre o percurso da menina no complexo de Édipo afirma: “Eu já tivera frequentemente a impressão de que em geral a mulher tolera menos que o homem a masturbação, opõe-se a ela com mais frequência e não é capaz de servir-se dela em circunstâncias em que o homem recorreria a tal expediente sem hesitação”[1].
Propõe Freud que essa distância maior da mulher da masturbação advém do fato de que a masturbação do clitóris seria uma prática masculina (masturbação fálica) e que uma condição para o desenvolvimento da feminilidade seria a eliminação da sexualidade clitoridiana. Daí a rejeição da mulher à atividade masturbatória[2].
Apenas um ato de prazer
Não nos enganemos, no entanto, pois a masturbação é natural ao humano e consiste em ato de prazer, não havendo nada de errado ou pecaminoso nisto, ao contrário, é uma forma de descarga da libido. Claro que há casos, não tão raros, de compulsão nessa prática, mas não é disso que estamos tratando aqui.
Enfim, a masturbação pode e deve ser vista como mais uma das muitas atividades de prazer do indivíduo (homem e mulher) e pode bem servir a conhecer e compreender o próprio corpo, ou a quem está sem um parceiro (a) ou até mesmo ser utilizada por ambos conjunta ou separadamente como mais um meio de satisfação ou quando, por exemplo, o ato sexual não se faz mais possível em razão da idade ou de uma doença.
A repressão feminina
Sem contestar a proposta de Freud mas, ao contrário, nela refletindo, gosto de pensar que a masturbação mais comum dos homens pode ser fruto do maior incentivo de sua sexualidade por nossa sociedade, de sua maior liberdade nesse campo. Não podemos esquecer que os homens cedo eram iniciados na vida sexual, muitas vezes levados por seu pai, enquanto a mulher sofria grande repressão à sua sexualidade, pois tinha que “se guardar” e casar-se virgem. Ao homem era permitido ter várias mulheres, ainda depois de casado, enquanto que a mulher deveria ser de um único homem e eventual separação, ainda que motivada por traição do marido, era razão de sua desonra.
Atualmente, aliás, encontramos famílias com adolescentes que permitem ao filho homem trazer namoradas para passar a noite em seus quartos, enquanto que à filha mulher isto é negado ou visto com maus olhos.
Assim, para além de questões religiosas havia e ainda há, em menor escala, é certo, uma forte pressão e repressão à sexualidade feminina, o que pode ser um gatilho também, para que a mulher evite com maior vigor a prática masturbatória, vista como mais uma negativa (repressão) ao exercício de seu prazer.