Ela teve o privilégio de estudar com luminares como Skinner, Charles Ferster e Stanley Weiss – pesquisadores que satisfizeram o seu interesse pelas leis do comportamento, no behaviorismo e nos esquemas de reforço que determinam o aprendizado do normal e do patológico. Cientista, escritora, psicóloga, diretora fundadora do Centro Psicológico de Controle do Stress e, membro da Academia Paulista de Psicologia, Marilda Lipp já foi presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (2015-2017) e da Associação Brasileira de Stress (ABS). É, atualmente, docente pesquisadora do Instituto de Psicologia e Controle do Stress (IPCS) do qual é diretora e coeditora da revistaBoletim, da Academia Paulista de Psicologia.
Seu interesse pelo estresse como tema de estudo ocorreu de modo peculiar. Lipp trabalhava na Great Oaks Center com pessoas com deficiência mental de nível profundo e observava o desespero dos pais e familiares frente às dificuldades decorrentes desse nível de comprometimento. Via o estresse em suas vidas, sem se dar conta que era estresse o que passavam.
Na época, fez um curso com Charles Spielberger, autor dos testes de Ansiedade e de Raiva, que indicou o caminho para o estudo do estresse emocional. Nos livros sobre este tema de autoria do Dr. Spielberger, que a psicóloga reconheceu que aqueles pais apresentavam, em grande parte, estresse.
Com 25 livros e dezenas de artigos científicos publicados ou organizados sobre o estresse, o tema passou a ser o principal foco de suas pesquisas e atuação clínica. Nesta entrevista, ela aponta as principais causas de estresse (que ela faz questão de manter escrito como no original em inglês, stress, e assim mantivemos nas respostas), além de apontar alternativas de tratamento e explicar sobre a Terapia Racional-Emotiva Comportamental, sobre a qual também escreveu a respeito.
Como se tornou terapeuta?
Fiz o colegial e o clássico no Imperial Colégio Dom Pedro II no Rio de Janeiro. Fui para o exterior em 1965 e lá fiz todo o meu percurso acadêmico universitário, tendo feito graduação na América University. Essa universidade é extremamente orientada para pesquisa. Na época, recebi um prêmio de “jovem pesquisador” outorgado pela Sociedade de Ciências dos EUA. Mestrado e PhD. Realizei na George Washington University, onde tive a honra de ser orientanda do famoso inventor do visual cliff, Dr. Richard Walk, com quem aprendi a importância dos estudos da percepção. Nada, no entanto, comparou-se com a satisfação de ter feito pós-doutorado em estresse social no National Institute of Health, com vários cientistas dos EUA, Inglaterra e Rússia, sob a orientação de David Anderson.
Na American University,tive o privilégio de estudar com luminares como Skinner, Charles Ferster e Stanley Weiss. Pesquisadores esses que satisfizeram o meu interesse pelas leis do comportamento, no behaviorismo e nos esquemas de reforço que determinam o aprendizado do normal e do patológico. Na George Washington University, aperfeiçoei meu conhecimento em psicologia clínica, mas meu interesse principal sempre foi pesquisa. O interesse pelo trabalho clínico foi um prolongamento da pesquisa.
Quando decidiu estudar o estresse?
Minha motivação pelo estresse ocorreu de modo peculiar. Trabalhava em uma instituição – Great Oaks Center — com pessoas com deficiência mental de nível profundo. Observava o desespero dos pais e familiares frente às dificuldades decorrentes desse nível de comprometimento. Via o estresse em suas vidas, só que não sabia que se tratava de estresse. Na mesma época, fiz um curso com Charles Spielberger, autor dos testes de Ansiedade e de Raiva, que me indicou o caminho para o estudo do estresse emocional. Nos livros sobre este tema de autoria do Dr. Spielberger, reconheci que o que aqueles pais apresentavam era em grande parte estresse. Foi aí que comecei a estudar esse fenômeno.
Devo dizer que me considero uma pessoa privilegiada profissionalmente, pois minha história como pesquisadora tem sido pautada pelo auxílio à pesquisa tanto no Brasil como nos EUA, o que valida o esforço que tenho despendido à investigação durante toda a minha vida. A FAPESP e o CNPq sempre disponibilizaram recursos para as pesquisas e ser bolsista de produtividade do CNPq desde 1986 até a minha aposentadoria é uma honra para mim.
Qual é a principal causa de estresse dos brasileiros?
No momento não há dúvida, a principal causa é a Covid-19, com o isolamento social, perdas financeiras e medo de contaminação. Antes da pandemia, um dos maiores estressores do povo brasileiro eram as relações interpessoais e a incerteza quanto à política e o futuro próprio
Quais são os mecanismos fisiológicos do estresse e sua relação com a neurobiologia?
O termo estressese refere ao transtorno de adaptação conforme descrito na quinta edição do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM-5 (APA, 2013). Estresse é uma reação adaptativa do organismo frente a desafios de grande magnitude que envolve mudanças físicas, mentais e emocionais necessárias para o enfrentamento de ameaças à sobrevivência ou ao bem-estar da pessoa.
O sistema nervoso central e o sistema imunológico comunicam-se por meio de várias rotas hormonais e neuronais. Cada uma destas tem como ponto final mecanismos bioquímicos e moleculares distintos. Tanto o sistema neuroendócrino quanto o sistema neuroimunológico fornecem uma auto regulação fina, necessária para a manutenção da saúde do indivíduo. Distúrbios em qualquer desses sistemas podem acarretar mudanças na susceptibilidade para desenvolver doenças graves. Oestresseemocional afeta todos esses sistemas.
Quais os maiores problemas causados pelo estresse e qual a relação dele com casos de depressão e suicídio?
As alterações psicofisiológicas que ocorrem como parte da reação do estresse envolvem o sistema nervoso central, incluindo os sistemas neuroendócrino, autonômico e imune. Como alguns órgãos têm seu funcionamento acelerado (sistema cardiovascular) e em outros ele é desacelerado (sistema digestivo), um desequilíbrio orgânico ocorre exigindo do organismo um grande esforço psicobiológico para lidar com o desafio presente. Quando existe uma hipossuficiência de recursos ou porque a pessoa é muito vulnerável geneticamente devido à ausência de estratégia de enfrentamento, ou ainda pela gravidade ou intensidade do estressor presente, o organismo pode ser afetado em sua plenitude com consequências graves para sua saúde física ou mental.
Como identificar as fontes de estresse no seu dia a dia? Quais são as principais estratégias para controle do estresse e encontrar o equilíbrio no dia a dia, ainda mais num contexto pandêmico?
Necessário é, sem dúvida, que cada indivíduo perceba as reações físicas e psicológicas que tem no dia a dia. Se o corpo ou a mente reage a determinados eventos ou pessoas de modo negativo, é provável que se esteja enfrentando um estressor.
O protocolo mais conhecido para lidar com o estresse, em nível preventivo ou de tratamento é o “treino de controle do estresse de Lipp” que envolve 4 pilares, sendo 3 coadjuvantes e um central. Os 3 primeiros são considerados coadjuvantes porque embora sejam necessários para auxiliarem a pessoa no enfrentamento de desafios de grande porte, não tem o poder de resolverem ou eliminarem o estressor. São eles alimentação antiestresse, relaxamento e exercício físico. O pilar central é a regulação emocional realizada com princípios da terapia cognitivo comportamental que capacita a pessoa para lidar com os desafios da vida.
É possível ensinar crianças a lidar com o estresse desde cedo? Como?
Sim, quanto mais cedo se começar a ensinar às crianças estratégias de enfrentamento, melhor.
Você escreveu sobre a Terapia Racional-Emotiva Comportamental. Qual é a origem desta terapia e do que se trata?
A TREC é a mais antiga das várias abordagens cognitivas existentes. Pode-se dizer que as terapias cognitivas tiveram seu fundamento nas ideias do filósofo estóico Epicteto. Em sua obra The Enchiridion (135 a.C.), Epicteto afirmava, enfaticamente, que o ser humano não é afetado pelas coisas em si, mas sim pelo modo como ele as percebe. Albert Ellis sentindo que em sua prática clínica faltavam elementos para atuar de modo mais diretivo, propôs em 1957 um modelo de terapia que ele designou de Terapia Racional porque propunha uma mediação cognitiva entre o mundo e a reação do ser humano. Mais tarde, Ellis expandiu o modelo TR para incluir também as emoções que eram aliciadas pelo modo de pensar da pessoa. Essa expansão, divulgada em 1961, recebeu o nome de Terapia Racional Emotiva (TRE). Anos depois, a TRE foi aprofundada e passou a contemplar um novo elemento, passando a ser chamada de terapia racional emotiva-comportamental (TREC) (Ellis 1994). A TREC professa que o fator determinante de como nos sentimos e agimos não é a situação em si. Entre o evento e a reação do ser humano, existe a interpretação que a pessoa dá a este. É importante entender que a interpretação que se dá a um evento em A é fundamentada em crenças (modos rígidos de ver o mundo) mantidas pela pessoa. A TREC funciona muito bem com todas as faixas etárias e é excelente no tratamento de depressão e ansiedade.