Hoje, dia 13 de julho, é comemorado o Dia Mundial da Conscientização do TDAH.
Quem nunca ouviu falar sobre o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)? O tema vem sendo veiculado na imprensa, tanto eletrônica, quanto impressa, além da variedade de reportagens em revistas, jornais e até sites com explicações e orientações de como fazer “seu teste”. Não é por acaso que o TDA/H vem ocupando rodas de conversa em diversos ambientes e principalmente entre pais e professores, e também nos consultórios médicos, psicológicos e psicopedagógicos. Mas será que estamos mesmo rumo a uma conscientização real desse transtorno?
O espaço que o TDAH vem ganhando é assustador, o problema existe, é real, mas acredito que seja necessário mais cuidado e conhecimento ao abordá-lo. O momento contemporâneo é de excessos, tudo ou nada e diante do nada, o vazio aparece e com ele um nome para aquilo que não entendemos. E é aí que mora o perigo de uma banalização em torno de tantos transtornos.
O que a medicina diz
A nomenclatura TDAH (Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade) passou a ser usada na década de 1980. Antes disso, o transtorno era mais conhecido como DCM (Disfunção cerebral mínima). Naquela época, o transtorno já era tratado com psicoestimulantes. A estimativa é de que o transtorno afeta cerca de 5% a 8% da população, em especial o público infantil. Para a área médica, o TDAH é um distúrbio biopsicossocial, ou seja, não se pode separar a causa genética da psicológica e do meio em que se vive. Os principais sintomas aparecem na idade escolar, já que, conforme as exigências escolares aumentam, as crianças começam a apresentar falta de atenção, recorrentes esquecimentos, dificuldade em se concentrar, em seguir instruções, combinados e em organizar tarefas por suas prioridades, além de iniciarem várias atividades ao mesmo tempo e quase sempre não as finalizarem. Ainda de acordo com o discurso médico, as manifestações que hoje caracterizam o transtorno, está classificado pelo DSM-IV e situam-se em torno de três sintomas básicos: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A característica essencial deste transtorno é a persistência de desatenção e/ou hiperatividade.
Sob a luz da Psicanálise
A cada dia que passa, fico mais atenta e focada nos chamados “desatentos”. Passado, dois anos da publicação do meu livro, Cabeça nas nuvens – orientando pais e professores a lidar com o TDAH, tenho o desejo de explorar as manifestações de hiperatividade e de déficit de atenção, sob a luz da Psicanálise, e é isso que venho fazendo em uma constante interlocução com outros profissionais psicanalistas. O TDAH, não deve ser visto apenas com os olhos de um transtorno e sim em seu contexto histórico, social e cultural. Quem é o sujeito que sofre?
O momento educacional contemporâneo nos convoca ao esvaziamento, deixar tantas certezas e começar a nos interrogar por que crianças e jovens andam “hiperativos” e desatentos?
Na esteira desse pensamento não é possível desconsiderar o momento contemporâneo que vem sendo marcado pela velocidade das mudanças e as rápidas transformações de tudo e de todos, sem contar os clicks daqui e dali e com isso rapidamente excluo, deleto, curto ou bloqueio. Os almoços mudaram, os tipos de alimentos diversificaram, o tempo de espera foi encurtado com tantas tecnologias e o tempo e a forma de relacionar-se com o outro sofreu grandes transformações. Consigo conversar com várias pessoas ao mesmo tempo, sem estar presente, posso dar boa noite ao meu filho por mensagem e considerar diversas famílias em um mesmo núcleo. Crianças e jovens já nascem conectados em seus aparelhinhos. O mundo mudou, as crianças “levadas”, “molecas”, “desobedientes”, “faladeiras” e “desobedientes”, como eram chamadas em outros momentos, hoje são conhecidas em uma categoria: hiperativas e desatentas. Como fazer com que elas sigam o protocolo pós-moderno?
Dados estatísticos versus relatos
Onde estão nossas crianças e jovens? Segundo os dados estatísticos, boa parte delas estão medicadas e tentando cumprir o protocolo de uma educação da eficácia pautada em “bons comportamentos e boas notas”, “bons filhos”, “bons alunos”, ficando encoberto a questão primordial do sujeito que sofre. Questão essa que muitas vezes passa desapercebido. Com isso, perde-se a possibilidade de pensar questão do sintoma, algo que é sinalizado pelo sujeito “adoecido” algo da singularidade.
Recebo em meu consultório, jovens que estão nos cursinhos da vida, tentando um lugar ao sol e vez ou outra eles chegam com suas latinhas de “energético” na mão. E eu pergunto: Para que isso fulano? Rapidamente vem a resposta: para eu conseguir ficar ligado. Vale ressaltar, que dois destes jovens, fazem uso de outros estimulantes, receitado por seus médicos. Vale ressaltar ainda, que não estou aqui para levantar nenhuma bandeira contra a medicina e muito menos contra ou a favor dos medicamentos prescritos e seus desdobramentos. Apenas quero chamar atenção para o acompanhamento por parte dos médicos junto a escola e suas famílias, pois já tenho relatos de jovens que em dia de provas, levam seus comprimidos para socializar com seus amigos.
No início deste mês, recebi a ligação de uma mãe desesperada porque ela não concordava com o uso do medicamento (Ritalina) pelo seu filho de 12 anos e o pai do garoto, não abre mão, já que, o médico da família prescreveu para o menino. A mãe, relatou-me que seu filho é quem cuida da administração do próprio remédio e o critério do menino é: a quantidade de deveres e provas, quanto mais obrigações, mais ele toma e já teve dias em que o menino tomou 3 comprimidos. Por ser uma mãe muito atenta, além de ser psicóloga, ela estudou a propriedade da droga e descobriu que o metilfenidato tem o mesmo mecanismo de ação que as anfetaminas e cocaína, a diferença está na intensidade. Para resumir este caso, dentre outros que estamos acompanhando, esse garoto e seus colegas, estavam inalando o remédio, pois dessa forma, ele teria quase que o mesmo efeito da cocaína. E como ele descobriu isso?É simples, basta ter acesso ao Dr. Google que descobriremos coisas que nem imaginamos. Não vamos esquecer que as novas gerações, estão anos a luz de nós, no quesito tecnologia.
Sofrimento psíquico
Vale lembrar, que existe um controle especial das receitas (amarelas), feita, em três vias, sendo que duas são retidas pela farmácia, bem como todos os dados registrados no sistema do órgão para que se possa se fazer o diagnóstico do comportamento do mercado brasileiro de remédios controlados…isso já não basta, no mundo contemporâneo. Muitos pais e professores só conhecem os benefícios da droga e o que precisam é da receita. Nunca ouvi tantos relatos de pais que foram “assaltados” e suas receitas roubadas, o que isso nos sinaliza? Outras receitas são fornecidas. Sem contar que alguns pais sugerem a outros pais que seus filhos experimentem. Na minha opinião, isso é crime.
Volto a ressaltar que o que venho observando é que são crianças e jovens em sofrimento psíquico, porque se vêem como “os diferentes” muitas vezes ao serem enquadradas nesses diagnósticos, deixam de ser vistas e escutadas como sujeitos e passam a atuar como invisíveis em nossas escolas e famílias.
O que venho constatando em minha pratica é um exagero na forma com qualquer dificuldade, seja ela de que ordem for. Recebo casos em que a realidade social dessas crianças e jovens vem sendo banida de tais diagnósticos. Não nego que algumas poucas crianças necessitem do medicamento, o que defendo é que existe um caminho que pode ser percorrido ANTES que isso ocorra.
Sintoma contemporâneo perigoso para o desenvolvimento do ser humano
Defendo um reposicionamento por parte das crianças e jovens frente as suas dificuldades, desde que atrás deles hajam adultos que possam orientá-los a lidar com suas dificuldades. Crianças e jovens necessitam de modelos adultos, sujeitos que possam direcioná-los e chama-los junto as suas responsabilidades. Como as novas gerações vem encarando seus estudos? Quando paramos para escutar a rotina dessas crianças e jovens, entendemos boa parte de suas “hiperatividades”. Que lugar o compromisso escolar tem em suas agendas? Como vem sendo estabelecida a relação entre professor e aluno? Entre família e escola? Estas são algumas questões que devem ser esgotadas no corpo docente para que algo interno na escola também seja alterado. O ser humano é complexo, os novos sujeitos adentraram as escolas e talvez ainda não saibamos como lidar com isso. Educação para todos é um direito e dever, porém ela começa com UM a UM e isso leva tempo, um tempo que é incompatível com a pressa. Educar é incompatível com a pressa. E a pergunta principal que permeia todas essas outras é “estaríamos diante de um sintoma contemporâneo”?