Dos vários artigos que tenho escrito aqui nesta coluna, muitos falam sobre estratégias e metodologias que podem ser utilizadas em sala de aula pelo professor para tornar sua sala de aula mais ativa e melhorar a aprendizagem de seus alunos.

Neste artigo, falarei sobre a “cultura” da excelência, entendendo-se o termo cultura em seu significado etimológico, ou seja, “ato, efeito ou modo de cultivar”[i]. Como então o professor pode motivar – ou melhor, cultivar –  em seus alunos os hábitos de um rendimento de excelência?

Os Cinco Princípios

Doug Lemov é um dos que mais trata dessa questão em seu livro “Teach like a Champion”, traduzido aqui no Brasil como “Aula nota 10”[ii]. A temática de criar uma cultura de excelência junto aos alunos está descrita em seu capítulo 5, “Criar uma forte Cultura Escolar”.

Mas por que a questão de criar uma cultura de excelência se torna relevante? Em que isso poderá interferir ou alavancar o rendimento dos alunos? É o que pretendo discutir e elucidar aqui.

Lemov cita cinco princípios “para construir uma cultura escolar que conduza e sustente a excelência”[iii]: disciplina, gestão, controle, influência e engajamento. Vou apresentá-los resumidamente e explorar cada uma delas.

Disciplina

Para mim, um dos principais aspectos de uma cultura de excelência reside na disciplina. Não em uma disciplina imposta ou punitiva, mas sim naquela que cultiva hábitos que favorecem o que se entende como autodisciplina. Este termo se refere a uma das habilidades constantes das Funções Executivas do Cérebro, a de iniciar e terminar tarefas. Parece algo banal, mas iniciar e terminar tarefas é uma das funções cognitivas mais difíceis, em especial quando a tarefa é longa (como concluir um curso, por exemplo) e o aluno não possui ainda a necessária resiliência (outra função executiva).

Uma outra acepção comumente associada à autodisciplina se refere a usar formas práticas e eficazes de realizar tarefas, de criar rotinas de estudo e de ter um pensamento organizado e metódico. Claramente, quem já ensinou sabe perfeitamente que tal habilidade não só não é automática, mas que é razoavelmente incomum. Portanto, precisa ser trabalhada junto aos alunos. Eles precisam ser ensinados a aprender.

Gestão

O que Lemov chama de gestão é o velho e conhecido controle de turma, que – gostemos ou não – passa pelo conhecido reforço de comportamento, no melhor estilo Behaviorista. Ele resume tal necessidade na seguinte frase: “salas de aula eficazes precisam de sistemas de gestão”[iv]. Ele salienta que a gestão precisa ser “firme”, mas precisa estar em consonância com os demais princípios, sob risco de perder a eficácia e se tornar o contrário do que pretende. Na verdade, os princípios da gestão e da disciplina (agora no sentido de controle do comportamento) se confundem com o próximo.

Controle

Lemov inicia o tópico colocando sua definição de controle: “é a sua capacidade de levar alguém a fazer o que você pede, independentemente das consequências”[v]. Ele salienta, porém que muita gente não gosta da palavra controle, pois sugere ser algo antidemocrático e coercitivo. E pode realmente ser. Tudo depende da forma como se administra e se entende o controle. E é daí que enfatizo a diferença entre as palavras autoritarismo e autoridade. No primeiro caso, excede-se os limites da gestão, a ponto de se impor a própria vontade à força. No segundo, usa-se de uma autoridade legítima, concedida e respeitada. O controle corretamente usado concede liberdade, é baseado nos relacionamentos e transmite confiança e respeito.

Influência

Para Lemov, influenciar é inspirar. E inspirar significa ir além do mero controle, fazendo com que seus alunos internalizem os princípios que você passa, tendo a você e seus comportamentos como um referencial, e fazendo com que se comportem de forma positiva. E aqui voltamos a um conceito que tenho repetidamente enfatizado em meus escritos e palestras: a questão da crença. Se o aluno acredita firmemente que é capaz de aprender, então dificilmente não aprenderá. E o contrário também é verdadeiro. E todo o exposto até aqui converge para o último princípio.

Engajamento

Ter alunos engajados é talvez a principal ferramenta para a aprendizagem. Entusiasmo, curiosidade, autoconsciência, são atributos comuns aos alunos engajados, que gerenciam e determinam a melhor forma de comportamento possível para a aprendizagem: o protagonismo. Alunos protagonistas são aqueles que aprendem por si só, porque gostam, querem e se entusiasmam em aprender. E daí se tornam engajados nesta tarefa, de certa forma, sem depender do professor, tendo-o como um guia, um motivador e uma referência.

E MAIS…

O que podemos fazer para desenvolvermos uma Cultura da Excelência?

Dentre os variados aspectos possíveis, saliento alguns que são especialmente importantes para termos em vista em um processo educativo de excelência:

  1. Crenças

Como não poderia ser diferente, um dos fulcros de uma cultura de excelência é a crença de que isso é possível. Costumo salientar que não há nada mais forte do que a vontade, e que quando realmente queremos algo, mesmo que seja muito difícil, raramente não conseguimos. Isso se dá em ambos sentidos: no sentido positivo, de que realmente podemos atingir os objetivos que nos propomos, e no sentido contrário, de que não podemos. Trabalhar com os alunos a crença fundamental de que eles podem aprender é a primeira tarefa de um professor, especialmente naquelas famosas turmas de projetos de aceleração da aprendizagem, de educação de jovens e adultos e daquelas que contém muitos alunos repetentes. Se o aluno acreditar que pode aprender, quase certamente conseguirá; se acreditar que não, quase certamente não conseguirá. Afirme claramente: não existe pessoa incapaz de aprender. Aqui temos a base para os princípios da influência e do engajamento.

  • Orientação a Metas

Maria Caballero afirma que “as metas que uma pessoa persegue em relação com sua aprendizagem condicionam os padrões motivacionais”[vi], e que estes estão diretamente ligados às estratégias cognitivas e à autorregulação, dois condicionantes presentes nos ótimos alunos. Uma pessoa orientada a metas é capaz não somente de planejar seus estudos, mas igualmente de ter a persistência e dedicação necessários para chegar onde quer. Portanto, estabelecer o que se quer (objetivos) e como se deseja atingir (metas) é de fundamental importância. Assim como ocorre com a crença, a orientação a metas precisa ser trabalhada, ensinada aos alunos como uma ferramenta para a vida. Aqui temos a base da gestão e do engajamento.

  • Reforçadores

Aprender a trabalhar com reforçadores de comportamento é algo extremamente importante. Também é algo que vem fazendo parte de minha retórica ao longo do tempo. E um dos mais importantes reforçadores é o reconhecimento. Ter o reconhecimento como base das ações no sentido do reforçamento de comportamentos desejados o torna uma ferramenta poderosa. Um incentivo, um gesto amigável, afirmações positivas, são formas muito interessantes de reforçamento. Como o nome já sugere, é um trabalho de médio e longo prazo, mas se bem aplicado surte muitos bons resultados. Aqui temos a base da disciplina, da gestão e do controle.

  • Empatia

Claramente, um aspecto fundamental de uma cultura da excelência é a empatia. Esta cria as condições ideais para que o aluno adquira a confiança e as condições necessárias para não só aprender, mas principalmente ir além deste, e tornar-se protagonista. A ambiência empática em sala de aula é um dos principais pontos a se focar, em especial com aqueles alunos que foram continuamente rejeitados ou que têm algum sistema de crenças desfavorável à aprendizagem. Aqui temos a base da disciplina, da gestão, do controle, da influência e do engajamento. Todos os princípios se baseiam, de uma forma ou de outra, na empatia.

  • Colaboração

Criar ambientes colaborativos, estimular os trabalhos em grupo, realçar os relacionamentos positivos, eis o que podemos fazer para trabalhar todos os aspectos fundamentais de uma cultura de excelência. Os alunos precisam conhecer a força que os relacionamentos trazem à aprendizagem, ao serem capazes de reconhecer que um complementa o conhecimento do outro, e que juntos se consegue mais do que sozinho. É na força do grupo – o que inclui noções como democracia e diferenças – que se pode fazer com que um bando de alunos aparentemente derrotados se transforme em um grupo vencedor. Aqui também temos todos os princípios de um cultura de excelência mesclados.

Referências

[i] Cunha, Antonio Geraldo da. Novo Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
[ii] Lemov, Doug. Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo: Da Boa Prosa: Fundação Lemann, 2011.
[iii] Lemov, op. cit., p. 165.
[iv] Lemov, op. cit., p. 167.
[v] Lemov, op. cit., p. 168.
[vi] Caballero, Maria. Neuroeducación de profesores y para profesores: de profesor a mastro de cabecera. Madrid (Espanha): Edições Pirâmide, 2017.