A alienação parental é um fenômeno nefasto que assola muitas famílias, mesmo havendo punições previstas em lei, que está sendo indevidamente descumprida por inépcia dos Setores Técnicos em não ter instrumentos e parâmetros específicos para identificar os casos de alienação parental, e por manobras inescrupulosas de instituições que exigem, equivocadamente, a revogação das melhores leis de proteção às relações parentais, as leis nº 12.318/2010 (da alienação parental) e as leis nº 11.698/2008 e 13.058/2014 (da guarda compartilhada) (SILVA, 2021, a, b)[1].
Efeitos nocivos
Profissionais idôneos e respeitados vêm pesquisando os efeitos nocivos da alienação parental, exatamente para alertar a sociedade dos perigos de se extinguir as leis que esclarecem o fato e punem quem pratica a alienação parental. O assunto do artigo de hoje é um efeito da alienação parental nos dois filhos de uma cliente minha, de 12 e 10 anos, que estão influenciados pelo discurso “paradisíaco” do pai se optarem a vir morar com ele, e para isso o pai desqualifica a mãe, induz os filhos a serem desobedientes, agressivos, rebeldes na escola (brigas, recusa a entrar na sala de aula). Em casa, os filhos já ameaçaram a mãe e a agrediram com panela, frigideira, espátula de raspar tinta de parede, facas. Os filhos já quebraram e arrancaram as câmeras de segurança da casa (sala, cozinha, dormitórios) e, quando questionados, dizem que “as câmeras tiram a privacidade deles”, que “violam direitos humanos”, que “estão com medo” (mas, quando a mãe pergunta do que estão com medo, não sabem explicar). O pai sugeriu aos filhos que pegassem um Uber (sozinhos!) e fugissem dali, “porque a justiça não presta para nada”, e que o filho de 10 anos disse à mãe que “meu pai vai ‘virar a mesa’ aqui, você vai ver o que vai acontecer” (sic).
Conforme os laudos já identificaram, e este também é o meu entendimento, que os filhos se tornam envolvidos nos conflitos parentais que o pai acirra (com seus comportamentos e discursos), objetivando torná-los ‘aliados’, ‘parceiros’ e até ‘cúmplices’ dele.
Teorias importantes
Conforme ensina DOLTO (2011)[1]:
INÉS [DMPdS1] ANGELINO: Muitos divórcios ainda são homologados ‘pelas falhas’ e ‘pelos erros’. Estes ainda podem ser compartilhados, mas ainda é comum ouvirmos dizer: ‘Meu marido (minha mulher) tem toda a responsabilidade pelos erros’.
FRANÇOISE DOLTO: Qualquer que seja a idade do filho, essa expressão pejorativa e acusatória é desestruturante para ele, sem contar que é sempre falsa; destila seu veneno no coração dos filhos.
As dissenções de um casal provêm de dificuldades bilaterais relacionadas com a evolução pessoal de cada um. E o único erro de cada um foi de se enganar a seu respeito e a respeito do outro ao constituir uma família.
As dissenções de um casal provêm de dificuldades bilaterais relacionadas com a evolução pessoal de cada um. E o único erro de cada um foi de se enganar a seu respeito e a respeito do outro ao constituir uma família.
AMENDOLA (2009, p.130-131)[3], como fundamento de sua pesquisa científica, que estruturou sua obra Crianças no Labirinto das Acusações – falsas alegações de abuso sexual (Curitiba: Juruá, 2009), e descreve as reações da criança, envolvida nos conflitos pelo litígio pós-divórcio, que se alia a um(a) dos(as) genitores(as): assimila suas fraquezas, mágoas, raiva e ressentimentos, tornando-se confidentes deste(a) genitor(a), e opondo-se ao(à) outro(a) genitor(a), temendo o desagrado, abandono ou rejeição daquele(a): O empenho em formar alianças e coalizões com os filhos com o propósito de romper os vínculos estabelecidos com o outro genitor aponta para o que Wallerstein e Kelly (1998)[4] definiram por “alinhamento”. Neste caso, os filhos, ao se identificarem com o sofrimento, a raiva ou o apelo do genitor, privilegiariam esta relação, desferindo ataques ao outro genitor. As autoras explicaram que, quando alinhados ao genitor que detém a guarda, os filhos mantêm relacionamentos inspirados nos sentimentos subjacentes ao divórcio, cuja permanência seria resultante do reforço/convívio diário. (AMENDOLA, 2009).
Manipulação é crime
A propósito, falando em “alienação parental”, temos que os comportamentos inapropriados, o discurso ofensivo e desqualificador de um dos genitores contra o outro em seu papel parental, as manobras para manipular os sentimentos dos filhos em relação ela, caracterizam atos de auto-alienação parental, ou alienação parental auto-infringida: obter para si a guarda do(s) filho(s) como se fossem ‘objetos’, ‘prêmios’ ou ‘troféus’ para então impor unilateralmente seus valores, sem respeitar as necessidades dos filhos, bem como seus sentimentos em relação ao(à) genitor(a) (ex.: criticar o(a) outro(a) genitor(a) na frente dos filhos, manipular-lhes os sentimentos para que passem a odiar, desrespeitar, desobedecer, rejeitar e hostilizar o(a) genitor(a), inclusive com agressões físicas e ameaças), mas isso é assunto de outro artigo.
A hipótese diagnóstica que estabeleço na análise deste caso concreto, em consonância com todos os elementos trazidos, é de que a alienação parental praticada de forma autoinfringida pelo pai esteja desencadeando um quadro clínico de Transtorno de Oposição Desafiante, ou Transtorno Disruptivo do Humor nos filhos da cliente, conforme descreve a literatura especializada:
DSM-5 (2014)[5]: A característica central do Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor (296.99 (F34.8)) é a irritabilidade crônica grave, mediante frequentes explosões de raiva em decorrência de frustrações, sendo que as agressões podem ser verbais ou físicas (contra objetos, contra si e/ou contra outros), incompatíveis com o nível de desenvolvimento, por período de 12 meses ou mais, em pelo menos dois de três ambientes (ex.: em casa, na escola, ou entre pares), e são graves em pelo menos um destes.
Atenção aos sintomas
O início do Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor deve ser antes dos 10 anos, porém com idade não inferior a 6 anos.
Embora haja uma semelhança entre os sintomas do Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor com os de Transtorno de Oposição Desafiante, em que estão presentes as explosões graves e frequentemente recorrentes e uma perturbação persistente no humor entre as explosões, somente o diagnóstico do primeiro deve prevalecer.
No caso do Transtorno de Oposição Desafiante (313.81 (F91.3)), apesar das semelhanças de sintomas, a gravidade, a frequência e a cronicidade das explosões de raiva são mais graves no Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor do que naqueles com Transtorno de Oposição Desafiante. A prevalência é em crianças do sexo masculino, mas não é encontrada em adolescentes e adultos. Porém, quando é persistente ao longo do desenvolvimento, os indivíduos com o transtorno vivenciam conflitos frequentes com pais, professores, supervisores, pares e parceiros românticos. Com frequência, tais problemas resultam em prejuízos significativos no ajustamento emocional, social, acadêmico e profissional do indivíduo. Práticas agressivas, inconsistentes ou negligentes de criação dos filhos são comuns em famílias de crianças com Transtorno de Oposição Desafiante.
Práticas educativas negativas
Nesse sentido, BARLETTA (2011, p.28)[6] descreve que os comportamentos negativos no processo de socialização dos filhos mais apontados na literatura são negligência, abuso físico e psicológico, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria estressante. Essa postura, conhecida como “práticas educativas negativas”, aumenta a probabilidade de deterioração do relacionamento e interfere na autoestima e na autoeficácia de todos os envolvidos (Friedberg & McClure, 2001; Salvo et al., 2005).
Segundo LUISELLI (2005, apud PAULO e RONDINA, 2010)[7], os principais padrões de comportamento dos pais, observados em famílias de crianças que têm um TDO (Transtorno Desafiador Opositivo) são: a imaturidade, a falta de experiência com relação à educação dos filhos, a hostilidade e a labilidade emocional. A presença de conflitos conjugais e de psicopatologia parental, em geral, sinalizam também um risco para o TDO. SERRA-PINHEIRO et al. (2004)[8] mencionam pesquisas que apontam que crianças com TDO distinguiram-se dos controles clínicos por seus pais terem uma maior prevalência de transtorno de personalidade antissocial e de transtorno por abuso de substâncias.
Demonstrando agressividade, desobediência, rebeldia, arrogância, as crianças desenvolvem TODO ou TDDH expõem suas fragilidades emocionais diante da manipulação emocional da alienação parental. Isso vai se refletir nas avaliações psicológicas judiciais e nos consultórios clínicos.
Olhar profissional
Tanto na clínica psicanalítica como na avaliação psicossocial jurídica, é importante que o profissional procure localizar o sintoma da criança, entendendo-o como uma resposta que se impõe sobre a verdade do casal parental ou sobre a subjetividade do(a) pai/mãe, a fim de que esse mito seja identificado e não se torna uma lacuna na representação de cada um membro da família. Como afirma DUARTE (2012, p.168)[9]: “(…) A verdade da estrutura familiar, do par parental, deverá também ser colocada no lugar da resposta do sujeito.”. O sintoma consiste em uma tentativa de dar consistência de ‘ser’ ao sujeito, em procurar entender (sem sucesso) qual o seu lugar no contexto, em qual a importância ou sentido de sua existência para o Outro. Geralmente o sintoma aparece na criança, como ser com menos recursos psíquicos para lidar com o jogo de forças. E esse jogo de forças acaba também incidindo nos conflitos conjugais que são levados ao Judiciário.
Prosseguindo nos ensinamentos de DUARTE (2012, p.176): Nos casos de litígio conjugal, como é possível constatar na clínica, é que se podem e tender a ocorrer os maiores problemas envolvendo os filhos. Como os pais querem vencer, em geral, não se importam com as “armas” desse embate. E é nesse fogo cruzado que se encontra a criança, um sujeito que está se constituindo que preciso de amor e de modelos positivos para se identificar. Quando um casal, antes ligado pelos laços de amor, passa a brigar movido pelo ódio, pela necessidade de vingança e pela posse dos bens adquiridos, em que o sujeito criança, na sua posição radical de dependência e desamparo pode ser incluído, isso quase sempre não acontece sem consequências. Embora queiram permanecer neutros, os filhos do casal acabam aspirados pela luta e tornam-se “objetos torpedos” das batalhas travadas entre os pais.
A importância da preservação da Lei
A Lei nº 12.318/2010 está sendo gravemente ameaçada por manobras inescrupulosas de instituições que se conchavam com bancadas parlamentares extremistas para espalhar fake news acerca do fenômeno da alienação parental e do processo de elaboração da lei precisa ser preservada e aplicada com muita seriedade.
Eu acompanhei desde o anteprojeto, nenhum conselheiro regional ou federal de Psicologia, que hoje exigem a revogação da lei, se dignou a ouvir as histórias desses pais, mães, avós, filhos que sofrem com a alienação parental na época em que elaboramos o anteprojeto de lei!
Há a necessidade de providências em ritmo de “Urgência urgentíssima” para melhorar a lei, regulamentando onde está falha, principalmente quando não especifica quais os critérios para a qualificação do psicólogo para avaliação dos casos de alienação parental.
Enfim, para cada manobra inescrupulosa que exige a revogação da lei da alienação parental, felizmente temos muitas pesquisas idôneas e comprovadas de situações que aprofundam a compreensão desse fenômeno, reforçando a importância do ‘freio’ a essas práticas reprováveis da alienação parental, que tanto prejudicam o desenvolvimento afetivo e socio-familiar de nossas crianças e adolescentes.
REFERÊNCIAS:
[1] SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os aspectos processuais da perícia em Varas de Família. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2021.
SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os litígios em Varas de Família. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2021.
[2] DOLTO, F. Quando os pais se separam. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
[3] AMENDOLA, M.F. Crianças no labirinto das acusações – falsas alegações de abuso sexual. Curitiba: Juruá, 2009.
[4] WALLERSTEIN, J.S.; KELLY, J.B. Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998
[5] AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
[6] BARLETTA, J.B. Avaliação e intervenção psicoterapêutica nos transtornos disruptivos: algumas reflexões. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. São Paulo, v. 7, n. 2, p.25-31, 2011.
[7] PAULO, M.M.; RONDINA, R.C. Revista Científica Eletrônica De Psicologia – ISSN 1806-0625. Ano VIII – Número 14 – Maio de 2010.
[8] SERRA-PINHEIRO, M.A.; SCHMITZ, M.; MATTOS, P.; SOUZA, I. Transtorno desafiador de oposição: uma revisão de correlatos neurobiológicos e ambientais, comorbidades, tratamento e prognóstico. Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, v. 26, n. 4, p. 273-276, 2004.
[9] DUARTE, L.P.L. A guarda dos filhos na família em litígio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.