Miriam é especialista em psicologia clínica e medicina comportamental pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e tem duas décadas de experiência em atendimento psicoterapêutico a crianças, adolescentes, adultos, casais e grupos.
Ao longo do século passado, a psicologia encarregou-se dos problemas e das patologias, ocupando-se do que havia de errado com as pessoas e com o que não funcionava. Como resultado, o conhecimento para diagnosticar e tratar os mais diversos transtornos mentais é uma realidade hoje. Porém uma lacuna no processo foi percebida na década de 1990 pelo psicólogo norte-americano Martin Seligman, considerado o papa da psicologia positiva. Ele é autor da frase: “Precisamos olhar para o que dá certo com as pessoas”.
Durante sua graduação e quando se formou em psicologia, há 20 anos, Miriam Rodrigues tinha essa mesma inquietação. Foi somente na pós-graduação em medicina comportamental que conheceu, se identificou e se apaixonou pela psicologia positiva. Trata-se de um movimento científico que estuda pensamentos, emoções, sentimentos e comportamentos humanos evidenciando os pontos fortes em vez de fraquezas, preocupado em construir as melhores coisas da vida, que promovem felicidade e bem-estar, e não somente em consertar as piores.
Miriam é também supervisora clínica, professora e idealizadora da Educação Emocional Positiva, um programa psicoeducacional de competências socioemocionais e habilidades para o bem-estar presente em todo o Brasil e em outros países, como Espanha, Argentina, Estados Unidos, Portugal e Japão.
Ainda consta em seu currículo a autoria e coautoria de mais 20 livros nas temáticas de psicologia positiva, educação emocional e terapia cognitiva. Entre as publicações, está o título ‘As descobertas de Vavá e Popó’, um dos seis volumes de sua ‘Coleção psicologia positiva para crianças’ (Sinopsys Editora), o primeiro livro infantil de psicologia positiva publicado no Brasil. Nesta entrevista, Miriam fala sobre como é possível trabalhar a psicologia positiva com o público infantojuvenil e as principais diferenças do tratamento de crianças e adolescentes em comparação com o tratamento de adultos.
Por que escolheu trabalhar com a psicologia positiva?
Desde a época da faculdade de psicologia, eu já me interessava em entender os aspectos saudáveis das pessoas, o que elas têm de forças e o que as faz ficar bem. No entanto, no curso, se estuda muito as escolas mais tradicionais, que focam no funcionamento daquilo que faz adoecer e na patologia. Essa inquietação me acompanhou durante toda a graduação. Só conheci a psicologia positiva na pós-graduação em medicina comportamental, em um módulo sobre qualidade de vida. Foi quando falei: “Meu Deus, é isso que eu sempre quis. Essas são as respostas para as minhas perguntas. Era isso que eu queria entender”. Desde 2007, venho trabalhando e estudando cada vez mais e me apaixonando cada vez mais por esse movimento científico que estuda a felicidade e o bem-estar.
Defina o que é a psicologia positiva.
A psicologia positiva não é uma nova abordagem psicológica. É um movimento científico multidisciplinar que estuda a felicidade, o bem-estar, as potencialidades, o funcionamento ótimo do ser humano, das instituições, das comunidades e o que é necessário se fazer para que indivíduos, comunidades e instituições possam viver com mais bem-estar. E a partir do momento que temos parâmetros da ciência, parâmetros de ações que são validados cientificamente sobre aquilo que nos ajuda a construir a nossa felicidade e o bem-estar, nós temos ações mais efetivas tanto para aplicar na nossa vida quanto para ajudar nossos pacientes a construírem uma vida com mais bem-estar.
E qual sua importância?
É preciso pensar o seguinte: desde que o mundo é mundo, as pessoas estão procurando compreender o que é a felicidade. Com a psicologia positiva, podemos ter essas respostas, esse entendimento, a partir de pesquisas científicas. Ela nos fornece uma infraestrutura de conhecimento, de pesquisa, que faz com que tenhamos orientações válidas para construirmos a nossa felicidade e o nosso bem-estar. A partir do momento que a gente sabe quais ações impactam mais no nosso bem-estar, as chances de errar são menores, desde que se coloque em prática as ações apontadas dentro da psicologia positiva. Importante destacar que a felicidade não é a ausência de sofrimento e muito menos a ausência de estados emocionais desconfortáveis. Felicidade e bem-estar incluem um sentimento de inteireza, em que o indivíduo está inteiro no mundo. Apesar do sofrimento, das emoções desconfortáveis que sente, tem recursos para lidar com essas adversidades, com os infortúnios, mantém um estado de ânimo, como a esperança e o otimismo, que faz com que haja de uma maneira para modificar as situações adversas as quais está vivendo. Quando se fala de felicidade, muita gente acredita que é um estado de euforia, um estado de mania. Não é. A felicidade é muito mais um mar com pequenas ondas constantes em que, de vez em quando, vem uma ou outra onda brava, mas não é um mar calmo, sem ondas.
De que forma é possível trabalhar a psicologia positiva com o público infantojuvenil?
A psicologia positiva tem os pilares, as emoções positivas. Então é necessário conhecer, saber quais são as emoções positivas. Inclusive na coleção ‘Psicologia positiva para crianças’, falo bastante das emoções positivas, para que se possa reconhecê-las, para ajudar os nossos pacientes, as nossas crianças, os nossos adolescentes, a vivenciarem as emoções positivas, como, por exemplo, admiração, esperança, interesse, apreciação, gratidão. Outro ponto que é essencial para se trabalhar com crianças e adolescentes é o reconhecimento das forças pessoais, ou seja, aquelas características psicológicas positivas que se assemelham a traços de personalidade, mas que são qualidades, são positivas, são moralmente valorizadas. É importante a gente reconhecer das nossas crianças e dos nossos adolescentes quais são suas forças pessoais. E não só reconhecer, mas ajudá-los a aplicarem essas forças pessoais no mundo. É importante o agir, o colocar as forças pessoais no mundo, porque, quando eu utilizo as minhas forças pessoais, as minhas melhores qualidades, para construir algo melhor, eu vivencio a felicidade autêntica, aquela felicidade eudaimônica. E é sobre isso que a psicologia positiva trata.
Quais as principais diferenças do tratamento de crianças e adolescentes em comparação ao tratamento dos adultos na psicologia positiva?
A diferença principal é que, com crianças, é necessária a ludicidade. O lúdico é praticamente a linguagem natural das crianças. Também é premissa básica respeitar as etapas de desenvolvimento de cada paciente, seja criança, adolescente ou adulto. A psicologia positiva veio para complementar qualquer abordagem da psicologia. Veio para nos informar: “Olha, já temos informações sobre vida feliz; já temos informações sobre o que impacta no bem-estar dos indivíduos”. Então cabe ao profissional utilizar essas informações e adequá-las dentro da sua abordagem. E, claro, com crianças e adolescentes, a gente sempre pensa na possibilidade de uma prevenção. Sempre falo isso para meus alunos: um grama de prevenção vale um quilo de cura. Tudo aquilo que se cuida na infância e na adolescência é proteção contra problemas posteriores.
Como surgiu a ideia de escrever a coleção de livros ‘Psicologia positiva para crianças’, contando as aventuras de Vavá e Popó?
Todos os temas trabalhados na coleção, assim como no ‘Baralho das forças pessoais – A Psicologia positiva aplicada às crianças’, no ‘Baralho das forças de caráter – Psicologia positiva para o desenvolvimento das potencialidades de adolescentes e adultos’ e em outras publicações, são temas centrais da psicologia positiva. Entre eles, estão emoções positivas, forças pessoais, famílias das emoções, resiliência, comunicação ativa e construtiva, amor, esperança e gratidão. A ideia de escrever a respeito surgiu da necessidade mesmo, porque não havia materiais para se trabalhar psicologia positiva com crianças e adolescentes. Havia uma lacuna nesse sentido. A importância desse material é que ele está pronto, mastigadinho, para ser utilizado por quem quer trabalhar os temas relacionados à felicidade e ao bem-estar com o público infanto-juvenil. Em 2019, quando participei do Congresso Mundial de Psicologia Positiva, na Austrália, apresentei as publicações a Martin Seligman e Tayyab Rashid. Na ocasião, perguntei a Seligman se podia me considerar recebendo a bênção do papa, e ele respondeu que sim. Então hoje brinco que recebi a bênção do papa.
Fale sobre a Educação Emocional Positiva, programa do qual é idealizadora.
A Educação Emocional Positiva é um programa psicoeducacional de competências socioemocionais e habilidades para o bem-estar no qual eu ensino profissionais a trabalharem formas de ensinar as competências socioemocionais e as habilidades para o bem-estar como forma de prevenção e promoção de saúde mental e emocional. Trata-se de uma metodologia já com atividades prontas, estruturadas, para os profissionais que querem trabalhar com prevenção e com promoção de saúde mental e emocional, desenvolver resiliência e promover todos os aspectos que realmente contribuem para a construção do bem-estar.