A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem da psicologia bastante eficaz na prática clínica com casais que buscam melhorar a qualidade do relacionamento. Seus principais objetivos são a reestruturação de cognições inadequadas, o manejo das emoções, a modificação dos padrões de comunicação disfuncionais e o desenvolvimento de estratégias para a solução de problemas. Nesta entrevista, o psicólogo Bruno Luiz Avelino Cardoso detalha como a TCC age nesse campo e ressalta também a importância da terapia de casal como prevenção de potenciais situações conflitantes.
Natural e morador de São Luís/MA, Bruno atua há oito anos na área da psicologia e tem experiência em TCC com adolescentes, adultos e casais. Terapeuta cognitivo certificado pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) e delegado da FBTC no Maranhão, atualmente é psicólogo do Instituto de Teoria e Pesquisa em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (ITPC), do qual é sócio-fundador, e coordenador de cursos de formação em terapia cognitivo-comportamental, terapia do esquema, terapia do esquema para casais e terapia do esquema para crianças e adolescentes.
Possui treinamento em ensino e supervisão de TCC, TCC para casais e TCC afirmativa para pessoas LGBT+ pelo Beck Institute for Cognitive Behavior Therapy (Philadelphia, EUA). É doutor em psicologia (comportamento social e processos cognitivos) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com período sanduíche na The Pennsylvania State University e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); e mestre em psicologia (processos clínicos e da saúde) pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com estágio de pesquisa sobre violência e habilidades sociais na UFSCar.
Também é especialista em TCC pelo Instituto WP (IWP/FACCAT) e especializando em sexualidade humana pelo Child Behavior Institute of Miami. Tem, ainda, formação em terapia do esquema pela Wainer Psicologia Cognitiva – NYC Institute for Schema Therapy. É membro do grupo de pesquisa Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (RIHS, UFSCar) e do Grupo de Estudos em Prevenção e Promoção da Saúde no Ciclo de Vida (GeppsVida, Universidade de Brasília – UnB) e autor de livros e recursos nas áreas das TCCs, casais e relacionamentos.
Por que se tornou psicólogo e como aconteceu a escolha pela TCC e pelo trabalho nas áreas de relacionamentos interpessoais, sexualidade e terapia de casais?
Esta é uma pergunta que pode ser subdividida em três grandes processos de escolha: (a) psicologia, (b) abordagem e (c) trabalho com casais. No caso da psicologia, esta não era a minha primeira opção de curso. Naquela época, eu pensava em fazer medicina ou direito – duas áreas distintas entre si. Contudo, por meio do autoconhecimento e conhecimento sobre as áreas de atuação e características pessoais, identifiquei que, naquele momento, eu tinha características que me aproximavam mais da psicologia do que daqueles outros dois cursos. Ao pesquisar sobre o curso de psicologia, incluindo as atribuições do psicólogo, notei que esta forma de atuação me chamava atenção. Eu gostava (e ainda gosto) da ideia de escutar pessoas e auxiliá-las na busca por saúde mental e a lidar com os problemas que podem surgir na vida.
Já a escolha pela abordagem da terapia cognitivo-comportamental foi outro processo. Na minha graduação, não tive professores dessa linha teórica. Eu conheci a TCC durante um estágio que fiz no Hospital Sarah (Programa Quinta Dimensão), por meio de uma psicóloga desta abordagem. O momento foi engraçado, pois eu não sabia da existência da TCC. Então, quando a psicóloga tentava me explicar sobre a sua abordagem, eu tentava associar o que ela estava falando com outros modelos que eu já conhecia. Foi quando ela pontuou: “Pelo visto, você ainda vai ver sobre esta abordagem na sua graduação…”. Naquele momento, assim que cheguei em casa, pesquisei sobre a TCC no Google e encontrei o site do Beck Institute. Então eu imprimi todos os textos do site e comecei a estudar sobre cada conceito apresentado. Algumas características fizeram com que eu escolhesse definitivamente a TCC, além da identificação dos conceitos e a prática de estágio que tive no Programa 5D: (1) o empirismo colaborativo, (2) os protocolos de intervenção baseados em evidências e (3) a acessibilidade conceitual.
Em relação à escolha para atuação com casais, o processo foi, inicialmente, mais acadêmico. Embora eu gostasse de estudar sobre relacionamentos e diversos amigos chegassem até mim para pedir conselhos sobre os seus próprios relacionamentos, eu não imaginava que me tornaria terapeuta de casais. Durante o meu mestrado, meu foco inicial era estudar sobre modelos complexos de avaliação em pacientes com esquizofrenia. Contudo, devido a ausência de orientadores nesta temática, troquei o tema para os que estavam disponíveis no programa em que fiz meu mestrado. Então comecei a investigar sobre habilidades sociais de mulheres em situação de violência por parceiro íntimo. Durante os meus estudos, também identifiquei a carência de pesquisas no campo das habilidades sociais conjugais e terapia de casais, o que me fez aprofundar os estudos sobre a temática. Além da minha dissertação de mestrado, elaborei um modelo específico de conceitualização para casais na minha monografia de conclusão da especialização em TCC e, no meu doutorado, construí e avaliei o primeiro programa brasileiro de treinamento de habilidades sociais conjugais para casais de diferentes orientações sexuais, na modalidade on-line.
Quais são hoje os principais obstáculos que dificultam a harmonia e a qualidade dos relacionamentos conjugais?
Estamos em um período bem complexo. As relações de forma geral estão submetidas a novas demandas, incluindo as influências que a pandemia da covid-19 resultou nas interações sociais. Alguns dos obstáculos que podem dificultar essa harmonia e qualidade da relação são (a) presença de uma série de distorções cognitivas (ou seja, de erros no processamento de informação de cada pessoa da relação) nas relações conjugais, o que pode fazer com que as pessoas entrem em sofrimento e desajuste no relacionamento; (b) dificuldades na comunicação do casal, o que faz com que muitas vezes os problemas não sejam resolvidos de forma adequada e/ou que os atritos na forma de expressar suas necessidades acabem por afastar mais do que aproximar; e a (c) não expressão emocional das suas necessidades na relação, o que faz com que as pessoas negligenciem aquilo que realmente sentem para se encaixar na relação e/ou não perder a pessoa amada ou expressem de formas muito inadequadas, por meio de agressões, chantagens, violências e/ou outras estratégias desadaptativas.
Quando é a hora de procurar a terapia de casal?
Imagino que uma das melhores formas de lidar com potenciais situações conflitantes é a prevenção, ou seja, saber como lidar com situações difíceis de maneira a superar o conflito antes que ele ocorra e fortalecer a relação. Desse modo, o ideal seria um trabalho em terapia de casal como preventivo. Assim, mesmo sem ter algum tipo de “problema”, os casais poderiam buscar terapia de casal para conhecer mais sobre a relação, aprender mais um(a) com o(a) outro(a) e/ou fortalecer a conexão. Mas sabemos que nem sempre funciona assim. Então um outro momento para buscar a terapia é quando, na presença do problema, o casal identifica que precisa do auxílio especializado de uma outra pessoa que possa auxiliá-lo de forma mutuamente empática e validante para passar pelo momento difícil. O ideal é que se busque terapia antes que grandes desgastes ocorram na relação.
De que forma a terapia de casal com base na TCC contribui para um relacionamento conjugal mais funcional?
A terapia cognitivo-comportamental é um modelo psicológico baseado em evidências que tem contribuído para uma diversidade de públicos, incluindo os casais. A compreensão deste modelo pode auxiliar os casais a compreenderem mais sobre seus processamentos de informações e em como eles podem influenciar na dinâmica conjugal. Além disso, a TCC pode ser vista também em sua compreensão integrativa com outros modelos cognitivo-comportamentais, como, por exemplo, a terapia do esquema, que nos auxilia na compreensão das necessidades emocionais que temos enquanto indivíduos e em como elas precisam ser supridas também nas relações conjugais. O casal, ao saber das suas necessidades e dos seus “botões” que são acionados em determinados momentos da relação, pode aprender a lidar melhor com essas situações. A psicoterapia auxilia as pessoas a reconhecerem essas questões e a saberem como melhor expressar na relação. Recentemente, eu e a psicóloga Kelly Paim lançamos o livro ‘Sua história de amor: um guia baseado na terapia do esquema para compreender seus relacionamentos e romper padrões negativos’ (Paim & Cardoso, 2022), que visa justamente auxiliar o público geral a reconhecer seus processos cognitivos, necessidades básicas e em como expressá-las na relação conjugal. Nosso objetivo é que não só profissionais se beneficiem, mas pacientes e público geral consigam também aprender a ter uma relação conjugal mais satisfatória.
Como e por que nasceu a ideia de criar o ‘Baralho da conceitualização cognitiva para casais – Avaliação, psicoeducação e planejamento da intervenção’?
Em 2016, ao concluir o meu curso de especialização em terapia cognitivo-comportamental, notei que, embora a conceitualização cognitiva seja central nas intervenções que iremos conduzir com diferentes públicos, os modelos gráficos de conceitualização ainda eram muito orientados para uma prática individual. Muitos terapeutas ainda utilizavam diagramas de conceitualização individual para conceitualizar relações conjugais. Isso, de certa forma, deixava uma lacuna na compreensão da dinâmica conjugal e na psicoeducação com os casais. Então, ao concluir a especialização, propus um modelo de conceitualização cognitiva para casais que foi amplamente publicado em 2018 no livro ‘Terapias cognitivo-comportamentais: analisando teoria e prática por meio de filmes’ (Cardoso & Barletta, 2018). Após a publicação desse modelo de conceitualização e da apresentação em eventos acadêmicos, muitos terapeutas de casais entraram em contato para mencionar sobre como o modelo estava auxiliando em suas práticas profissionais. Então, em 2021, comecei a pensar em uma forma de organizar a compreensão da conceitualização para casais em um instrumento que auxiliasse tanto terapeutas quanto os casais na compreensão das relações. Com isso, lancei o ‘Baralho da conceitualização cognitiva para casais’ (Cardoso, 2021), o qual tive a honra de ter o prefácio e aprovação do professor doutor Frank Dattilio (referência mundial em TCC para casais).
De que forma este baralho contribui na terapia de casais?
Um dos objetivos do baralho é favorecer um processo de conceitualização colaborativa e dinâmica na terapia de casais. O manual conta com exemplos práticos de como preencher o diagrama, e as cartinhas abordam desde o estresse de minorias – que casais pertencentes a grupos sociais minoritários fazem parte – até detalhamentos sobre processos cognitivos, distorções cognitivas, estratégias de enfrentamento, consequências e histórias de vida. Além disso, há cartas específicas para psicoeducação e ilustração junto ao casal. O baralho pode auxiliar terapeutas e casais na compreensão do funcionamento das relações de forma lúdica e descontraída. Os apêndices também têm recursos importantes para avaliação e psicoeducação com casais.
Fale também sobre o ‘Baralho das habilidades sociais conjugais – Avaliando e treinando habilidades com casais’. Quais são essas habilidades e qual a importância de treiná-las para a qualidade dos relacionamentos?
As habilidades sociais conjugais são, grosso modo, conjuntos de comportamentos que tendem a facilitar e maximizar a qualidade e satisfação das relações. Entre as classes de comportamentos que podem ser consideradas, estão: assertividade, comunicação, expressividade emocional, empatia, resolução de problemas, habilidades relacionadas à sexualidade etc. O ‘Baralho das habilidades sociais conjugais’ (Cardoso, 2019) surgiu a partir da necessidade de um instrumento que favorecesse a avaliação multimodal dessas habilidades. No momento, temos o ‘Inventário de habilidades sociais conjugais’, publicado por Miriam Villa e Zilda Del Prette (IHSC-Villa&Del-Prette, Villa & Del Prette, 2012), que auxilia de forma significativa na avaliação psicométrica dessas habilidades. Contudo, ainda não tínhamos um baralho (em formato de entrevista) para avaliar e/ou treinar essas habilidades com casais. Então este recurso surgiu como uma ideia de auxiliar na terapia de casais por meio de uma ferramenta menos estruturada de avaliação que possa facilitar o acesso desses desempenhos na relação.