Em meu livro, “Neurodidática: fundamentos e princípios” (CODEA, 2019), entendi o fenômeno da neuroplasticidade como uma capacidade do cérebro em se reorganizar a partir da formação de novas conexões neurais, bem como da modificação ou mesmo da eliminação daquelas já existentes.

Este fenômeno, que é ao mesmo tempo interessante e vital para a aprendizagem, ocorre fundamentalmente, no contexto da aprendizagem, em resposta a atividades em que novas situações ambientais se apresentam para o organismo, levando a alterações na estrutura física do cérebro, alterações estas que estão intimamente ligadas à aprendizagem.

A plasticidade cerebral tem uma consequência vital para o organismo: ela nos transforma em seres individuais, pois não há um cérebro semelhante a outro.

Nossos cérebros como digitais

As redes sinápticas, formadas em um cérebro são fundamentalmente diferentes das de outros cérebros. E isso torna nossos cérebros como digitais. Ou seja, únicos.

Como sugerem Cosenza e Guerra (2011), são as formas diferenciadas pelas quais nossos neurônios se interligam, a partir de nossa história particular, que vão propiciar uma construção e reorganização próprias de nossas redes neuronais. Tanto pela genética, quanto pelo ambiente, não há como termos cérebros iguais.

A relação entre a plasticidade cerebral e a aprendizagem já está bem estabelecida por vários autores. Moura-neto e Lent (2021) asseveram que plasticidade neuronal é uma propriedade fundamental das sinapses, estabelecida a partir da capacidade morfológica ou fisiológica de mudança dos neurônios.

Tal relação se consolida na criação e desfazimento das sinapses em função da protrusão ou retração das espinhas dendríticas dos neurônios. Esse entendimento é acorde com Bridi Filho, Bridi e Rotta (2018), quando estes afirmam que partes dos elementos que compõem o neurônio constituem-se em fundamento para as modificações corporais, transformando o sistema nervoso em algo dinâmico tanto em nível celular, quanto em nível das complexas redes neurais.

Espinhas dendríticas

Destes elementos neuronais, as espinhas dendríticas são aquelas indicadas como um centro  de transmissão excitatória do sistema nervoso, com alto índice de plasticidade, tanto em nível estrutural, quanto em nível neuronal, sendo fundamentais para a organização da rede sináptica.

Tais espinhas se diferem morfologicamente em termos de seu tamanho, sendo que se sugere que as maiores são relacionadas com sinapses mais estáveis, e as mais finas (espinhas de aprendizagem) são jovens e passíveis de serem eliminadas. Por outro lado, novas espinhas são formadas quando há ativação sináptica e ocasional formação de agrupamentos sinápticos.

Se toda essa reorganização neural ocorre em decorrência das modificações ambientais que se apresentam para o organismo, isso sugere fortemente e que isso, de variadas formas, que está ocorrendo uma aprendizagem, o que isso quer dizer, e quais são as consequências disso para o “chão” da sala de aula? É o que tentaremos elucidar neste artigo.

Memória, Emoção e Aprendizagem

Quando retemos de forma permanente, em nosso intrincado sistema neural, uma dada informação na forma de novas conexões neuronais, estamos falando de memória.

A memória é, portanto, todo o processo que envolve tanto a formação, quanto a conservação e evocação desta informação, tendo a aprendizagem um papel inicial vital neste processo: a aquisição (CAMMAROTA, BEVILAQUA e IZQUIERDO, 2021).

Um outro aspecto importante da memória é que estas são moduladas pelas emoções (BRIDI FILHO, BRIDI e ROTTA, 2018), bem como pelo nível de consciência (o que chamo particularmente de estado da consciência) e pelos estados de ânimo.

Claramente, estes aspectos são igualmente vitais para a aprendizagem, pois nesta, as emoções são críticas, o nível de consciência tem que estar alerta (estado de atenção) e o estado de ânimo tem que estar propício para a aprendizagem (a motivação). Conforme inferi, as emoções são críticas para o processo de aprendizagem (CODEA, 2019).

Mas como esse processo de aprendizagem está relacionado à plasticidade neural? Algumas descobertas científicas elucidam este ponto. Por exemplo, no processo de aquisição de memória, que normalmente está relacionada a influências ambientais específicas, decorrentes do que se está aprendendo e da forma como se está aprendendo, áreas específicas do cérebro se tornam particularmente maiores em relação a pessoas que não têm aquela aprendizagem.

Neste sentido, a área de representação de dedos em músicos é significativamente maior do que em não-músicos. Um outro exemplo é o que ocorre em cegos: a área visual de cegos transforma-se em área de processamento tátil (LENT, 2021).

E MAIS…

A plasticidade neuronal na sala de aula

Há várias situações em que podemos aproveitar os princípios e o fato da plasticidade cerebral estar diretamente vinculada à aprendizagem nas situações contextuais da sala de aula. Como nos lembram Cosenza e Guerra (2011), o aparecimento de capacidades funcionais está diretamente ligada à formação de novas ligações sinápticas. Assim sendo, é importante frisar que uma prática pedagógica pode (e deve) contemplar mais de um dos itens que trabalharemos aqui. Eis então algumas delas:

1 – Diversidade – a diversidade é um fato neurológico, conforme vimos, o que significa, na prática, que todos os nossos alunos são diferentes uns dos outros. Claro que isso parece de uma obviedade ululante, Mas o simples fato de sabermos não significa que agimos de forma a levá-lo em conta nos variados processos que utilizamos dentro da sala de aula. Usar a diversidade na sala de aula significa utilizarmos práticas pedagógicas que privilegiem o conhecimento dos alunos, e reforça a importância dos trabalhos em grupo, dos seminários e discussões na sala de aula. Todos têm uma contribuição a dar para a aprendizagem, desde que sejam estimulados a isso.

2 – Variabilidade – a variação dos estímulos por parte do professor, utilizando os vários sentidos corporais (visão, audição, tato, paladar, olfato, sentido cinestésico) é de fundamental importância para que os alunos, que possuem diferentes formas mais sensíveis de aprender, possam ser contemplados, o que contribui por sua vez para uma sala de aula mais dinâmica e motivadora para todos. O que tem diretamente a ver com o item seguinte.

3 – Atividade – Não há coisa mais maçante e desestimuladora para a aprendizagem do que uma sala de aula estática e monótona. A sala de aula precisa de atividade, assim como o ensino precisa ser ativo. Atividade significa maior número de estímulos que se obtém de forma engajada, o que exige atenção e motivação, e auxilia enormemente na consolidação e posterior evocação das informações na memória. Por isso, usar movimentos, proporcionar que os alunos se movimentem e façam atividades práticas (no melhor sentido do ensino “mão na massa”) é a diferença entre uma sala de aula “uau” e outra que provoca bocejos sem fim. Portanto, pensar em metodologias ativas – que usem ou não tecnologia – é uma das “receitas” para o sucesso de um professor e para uma aprendizagem significativa e real por parte de seus alunos. Dentro desta ideia, variar metodologias de ensino é uma boa forma de ter uma sala de aula mais dinâmica.

4 – Repetição – para memorizar, precisamos de repetição. Mas que tal, ao invés de simplesmente fazer os alunos repetirem mecanicamente, utilizar alguma técnica de repetição que é mais afeita à formação de novas redes neurais, como a repetição espaçada ou a repetição intercalada (no primeiro caso, estimula-se o estudo em momentos espaçados durante um determinado espaço de tempo, ao invés de estudar tudo de uma vez, massivamente; no segundo caso, estimula-se intercalar o estudo de novos temas com temas já estudados). Criar formas de repetição com músicas conhecidas dos alunos, utilizando aplicativos como mentimeter ou kahoot, ou ainda através de jogos que trabalhem movimento também são formas interessantes de trabalhar a repetição de forma interessante e criativa.

5 – Relacionamentos – relacionamentos são vitais para o ser humano. Vitais no trabalho, vitais na vida de relação e vitais também na sala de aula. Interações e troca de conhecimentos, mesmo que informais, são tão importantes que fazem parte da teoria de Vigotski. Se efetivamente aprendemos a partir do outro e com o outro, então as interações são fundamentais para a formação de novas conexões sinápticas, ou seja, para a plasticidade cerebral. Então, estimular as interações em pequenos grupos, os debates e a participação do aluno durante a aula vai aumentar enormemente a capacidade de aprendizagem de todos.

Referências
BRIDI FILHO, César Augusto; BRIDI, Fabiane Romano de Souza; ROTTA, Newra Tellechea. Intervenções terapêuticas que promovem o desenvolvimento sináptico. In: ROTTA, Newra Tellechea; BRIDI FILHO, César Augusto; BRIDI, Fabiane Romano de Souza (orgs.). Plasticidade Cerebral e aprendizagem: abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2018.
CAMMAROTA, Martín; BEVILAQUA, Lia R. M.; IZQUIERDO, Ivan. Aprendizado e Memória. In: LENT, Roberto (coord.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
CODEA, André. Neurodidática: fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2019.
LENT, Roberto. Neuroplasticidade. In: LENT, Roberto (coord.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
MOURA-NETO, Vivaldo; LENT, Roberto. Como funciona o sistema nervoso. In: LENT, Roberto (coord.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.