O ano de 2021 bateu o recorde de divórcios desde o início da contagem, em 2007. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil – que representa 8.580 cartórios de notas do país – 80.573 casais desfizeram a união no ano passado. Mas, embora tenha se tornado uma prática mais comum e aceita socialmente, muitos casais ainda relutam em enfrentar o processo de separação.
Nesta entrevista, o psicólogo André Barbosa aprofunda o assunto.
Ele é formado em psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor), especializado em terapia cognitivo-comportamental pela UniChristus, graduado em administração e marketing pela Estácio e em business communication pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Também é professor do curso de formação em terapia cognitivo-comportamental do IEMB e de inteligência emocional da MEGE. Além disso, é autor de seis livros sobre depressão, comportamento, qualidade do sono e desafios emocionais, ciúmes e transtorno da personalidade borderline.
Quais as consequências de postergar uma separação mesmo quando se sabe que o relacionamento não funciona mais?
A maior consequência é a perda de tempo. O tempo passa, e tempo a gente não recupera. Quando você permanece num relacionamento o qual tem cada vez mais certeza de que já não funciona, é como se estivesse aprisionado(a), tolerando uma vida de migalhas, deixando de viver novas experiências, deixando de encontrar uma outra pessoa que lhe faça mais feliz. E, ainda, não permitindo ao outro(a) que também tenha uma relação boa, saudável, de amor, de admiração, de desejos, de simplicidade, de amizade.
De que formas os casamentos podem chegar ao fim?
Existem formas distintas: a amigável e a que traz prejuízos aos envolvidos. Existe o disfuncional de uma relação que não deu certo e de uma relação tóxica e abusiva. Quando uma relação simplesmente não funciona, mas tem a amizade e o respeito, as coisas são resolvidas de forma pacífica. As pessoas têm muito mais dificuldade de se separar quando estão em uma relação tóxica e abusiva do que em uma relação que simplesmente não deu certo. Por outro lado, muitas vezes, as pessoas que têm uma relação na qual não aconteceu nenhum episódio grave, mas simplesmente o sentimento foi se transformando e quebrando a expectativa do que se imaginava ser um relacionamento e precisa chegar ao fim, não aceitam que essa decisão deve ser tomada. Pode ser que o relacionamento se transformou em pura amizade. Com o passar do tempo, ao longo do relacionamento, inclusive por questões filogenéticas, a relação vai se tornando nisso mesmo: uma amizade, uma parceria.
Por que há mais dificuldade de separação em relações abusivas e tóxicas?
Nessas relações, se pressupõe que um dos dois é o abusador e o outro é o dependente emocional. A dependência emocional é como uma dependência química. A pessoa sabe que faz mal, mas continua lá. Ela sabe que, em vários momentos, aquela relação está a enterrando, mas tem dificuldade de sair, porque o próprio papel do abusador é imputar na cabeça da outra pessoa que ela não é nada, que o abusador é o príncipe encantado da vida dela, que o abusador está lhe dando uma chance.
E quando o casal tem filhos, a situação parece ainda mais complexa. Fale a respeito.
Muitos casais alegam não entrar com processo de divórcio por conta das crianças. Isso é complexo, porque existe uma consequência na formação da personalidade do sujeito nascendo em um ambiente no qual os pais não têm uma relação conjugal afetiva e efetiva, o que pode depender da relação entre o casal e também entre cada um e a criança. O primeiro exemplo que a criança tem de uma relação é a que vê dentro de casa. Por causa disso, ela provavelmente vai transpor aquilo que entendeu sobre o que é uma relação para a vida dela. Quando um casal simplesmente não funciona, não tem agressão, não tem ambiente tóxico, mas não tem uma relação entre si e são parceiros pra criar os filhos, ainda assim existem consequências, porque a criança vai aprendendo um papel frio nos relacionamentos. Isso não é bom. O sujeito se torna uma pessoa mais insegura, mais cética em relação aos relacionamentos. Já em relacionamentos tóxicos e abusivos, nos quais existem agressão, brigas, torturas e pressões psicológicas, a criança pode ter prejuízos incontáveis, podendo até desenvolver um transtorno da personalidade, como o borderline.