Trânsito, falta de tempo e poluição sonora, física e visual – muitas são as questões que dificultam a qualidade de vida das pessoas nos grandes centros urbanos.
A cada ano que passa, as cidades sofrem com o crescimento desenfreado, que em decorrência da alta demanda por moradias, são cada vez mais projetadas às necessidades técnicas de prédios, ruas e veículos, do que de seus habitantes.
Saúde e bem-estar comprometidos
Essa mistura pode impactar negativamente na saúde e bem-estar das pessoas, resultando em transtornos como ansiedade, depressão, insônia.
Segundo Priscilla Bencke e Gabi Sartori, arquitetas e especialistas em neurociência – campo científico que estuda o sistema nervoso e suas funcionalidades, quando o espaço coletivo não é projetado para o protagonismo das pessoas, ele traz diversos pontos maléficos, inclusive à saúde física.
No entanto, evidências indicam que residentes de áreas próximas à natureza, que vivem em contato com áreas verdes, como parques e rios, se exercitam com maior frequência e saem mais de casa.
Neuroarquitetura
As arquitetas são fundadoras da Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura – NEUROARQ® Academy, empresa de educação especializada na formação de profissionais e disseminação da neurociência aplicada à arquitetura, também conhecida como “neuroarquitetura”, que une conhecimentos da neurociência, psicologia e outras áreas relacionadas ao comportamento humano para criar ambientes que sejam agradáveis e cumpram objetivos específicos, como promover relaxamento, foco, bem-estar, pertencimento, concentração, entre outros.
De acordo com Gabi Sartori, ter o conhecimento de como as pessoas se comportam em ambientes urbanos é fundamental para o desenvolvimento de cidades melhores e mais inclusivas, já que as metrópoles devem ser projetadas para todas as pessoas, independente de suas faixas etárias.
“Quando nós falamos em neurociência aplicada à arquitetura e ao urbanismo, nós estamos falando em trazer todas as informações que temos nesses campos e uni-las ao comportamento humano, a fim de promover benefícios à saúde psicológica e física.” Por meio desta união, segundo a especialista, é possível projetar cidades melhores, mais agradáveis e que promovam saúde e qualidade de vida.
Fusão neurociência e arquitetura
O assunto é tema de diversos estudos, como os do arquiteto e pesquisador dinamarques Jan Gehl, que constantemente fala da importância de projetar as cidades para beneficiar as pessoas.
Segundo Priscilla Bencke, ele defende que o ideal é que ao projetar, os profissionais observem a vida das pessoas que vão ocupar estes espaços, a fim de promover estas experiências. Desta forma, consequentemente, eles criarão uma cidade mais qualitativa.
“No entanto, hoje em dia acontece o oposto. Os profissionais começam a projetar as vias, priorizando questões técnicas como fluxos de veículos, edifícios e questões estéticas. Com essas medidas prioritárias, as cidades deixam de ser para as pessoas”, reitera.
Projetos priorizam a população
De acordo com Gabi, ao projetar um ambiente, seja ele residencial ou urbano, é necessário considerar as necessidades biológicas dos seres humanos, que incluem estar em contato com a luz natural e a natureza, e promover a locomoção e o movimento, dentre outras questões ligadas à ancestralidade humana.
“Todas elas vieram da nossa evolução no planeta terra. Nós sempre caminhamos muito, já que somos seres migratórios e o movimento está dentro da nossa genética. Ambientes coletivos que não sejam pensados dentro desses pontos, provavelmente, trarão malefícios para as pessoas que utilizam esses espaços”, alerta.
Como exemplo, a arquiteta cita os shopping centers, que priorizam uma locomoção por meio de escadas rolantes e elevadores, fazendo com que as pessoas caminhem menos. “O mesmo ocorre em vias urbanas que são preparados para utilização de carros e outros veículos ao invés dos pedestres. Isso tem um impacto negativo na saúde e qualidade de vida das pessoas.”
No entanto, as especialistas em neurociência explicam que tanto para o bem, como para o mal, os seres humanos têm a capacidade de se acostumar às coisas. “É muito natural que uma pessoa que vive em São Paulo, por exemplo, esteja acostumada ao caos diário de uma via que tenha muito trânsito”, explica Gabi.
“Porém, independente de estarmos ou não acostumados a esse estilo de vida, nosso corpo e centros de atenção – que estão completamente ligados à nossa sobrevivência – estão recebendo essa informação o tempo inteiro.”
Reação às informações visuais
Em ambientes caóticos, o organismo está a todo tempo em alerta, o que nos gera um estresse contínuo, com profundo impacto à saúde. Mesmo que acostumado, o corpo humano continua recebendo essas informações e funcionando, a fim de reagir diante de alguma situação que possa trazer algum risco.
Priscilla finaliza explicando que hoje em dia já existem projetos urbanísticos que priorizam o pedestre, fazendo com que ele tenha uma conexão com a natureza e esse pode ser um caminho para promover a qualidade de vida em ambientes urbanos.
“São projetos arborizados, com uma preocupação com o paisagismo, com o intuito de atrair a atenção das pessoas para as fachadas, incentivando a conexão entre as pessoas, e não aqueles muros imensos que tiram todos os pontos de atenção. É necessário repensar os ambientes coletivos, para que estes espaços sejam utilizados de forma saudável e qualitativa”, finaliza.