A supervisão clínica deve ser um processo em que o profissional supervisionado se sente acolhido, seguro, compreendido e, ao mesmo tempo, desafiado. Trata-se de uma relação complexa e que não deve ser confundida com terapia pessoal ou, ainda, com reunião administrativa. É regular e ocorre em um ambiente protegido, com foco na aprendizagem e na autoavaliação, devendo se perpetuar durante toda a carreira de um profissional de saúde mental.
Natural de São Paulo/SP, Gabriela Stilita é psicóloga clínica e supervisora em psicologia baseada em Melbourne, Austrália. Graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), tem diplomas em psicologia da saúde e terapia gestalt e pós-graduação em terapia cognitivo-comportamental e cuidados paliativos. É fundadora da clínica de psicologia Second Chance Psychology, trabalha concomitantemente na Broulee Psychology, é membro da Australian Psychological Society (APS) e tem registros profissionais também na Nova Zelândia e no Brasil.
Gabriela é autora de ‘Fundamentos de supervisão em psicologia’, publicado pela Sinopsys Editora. Trata-se de um livro que preenche uma lacuna na literatura brasileira especializada uma vez que não existe material impresso em português que discorra sobre supervisão em psicologia sem que esteja atrelado a abordagens psicológicas.
Ao enfocar desde fundamentos teóricos até ferramentas de uso prático, discute os mais variados aspectos da atividade, incluindo diferenças de sua prática ao redor do mundo. Com uma linguagem clara e acessível, a autora explica os fundamentos teóricos que embasam a supervisão, fornecendo ao mesmo tempo exemplos de sua própria experiência enquanto supervisora, tornando a obra mais próxima da realidade e do leitor.
Qual o papel e a importância da supervisão para um profissional da psicologia?
A supervisão é extremamente importante, porque é uma forma de o profissional da psicologia conseguir manter a qualidade do seu trabalho para melhor atender seu público. Trata-se de uma percepção de uma pessoa de fora que vai olhar seus pontos cegos, perceber em que esse profissional pode melhor, em que errou e tem que voltar atrás e resolver a questão como paciente. Alguém que vai prestar atenção para saber se o que você está fazendo é correto, ético e o melhor para o paciente. Também é uma forma de se manter atualizado e aprender sempre. Um processo de supervisão não acaba quando a gente se forma. Ele deve ser constante e para a vida profissional toda.
Todos os casos precisam ser levados à supervisão ou somente aqueles que o supervisionado considerar necessário? Qual melhor critério a seguir?
Seria impossível levar todos os casos para a supervisão, porque não daria tempo de resolver tudo. Além disso, muitos casos acabam sendo situações semelhantes. Os critérios a seguir englobam aqueles casos nos quais o profissional sente que não está avançando ou que tem alguma dúvida que não consegue sanar. Sugiro, ainda, que ele preste atenção em como se sente emocionalmente em relação aos casos, se está se sentindo desafiado, frustrado ou feliz, por exemplo. Também é importante levar casos de sucesso para a supervisão, pois ela propicia a avaliação sobre como foi aquele processo e o que o tornou bem-sucedido, o que, da mesma forma, contribui para o avanço no desenvolvimento profissional. São situações que auxiliam o psicólogo a descobrir mais sobre si mesmo, seu potencial e sobre as quais é importante conversar e ter o suporte de uma terceira pessoa com mais bagagem e experiência na área.
Quais são os princípios básicos para uma boa supervisão?
Existem algumas questões básicas que são muito semelhantes ao processo terapêutico. Assim como é preciso ter uma boa relação psicoterapêutica com o paciente, é preciso que o psicólogo tenha uma boa relação com seu supervisor. Isso porque se trata de um processo único, em que a gente expõe para uma terceira pessoa nossos medos, nossas falhas, as coisas sobre as quais a gente não sabe. E muitas vezes o supervisor, principalmente quando a gente está em treinamento ainda, vai dar a nota, vai dizer se a gente é bom o suficiente ou não, se passou ou não. E esse inclusive é um dos grandes trabalhos do supervisor, que, de certa forma, é um porteiro da profissão, que controla quem entra ou não no mercado de trabalho, sua qualidade. Então ter essa boa relação, saber que o supervisor está ali para ajudar o profissional a se desenvolver e a melhorar, é fundamental. Outro princípio básico diz respeito às competências que a gente precisa desenvolver enquanto profissional. Isso implica conversar com o supervisor sobre quais são as habilidades profissionais a serem desenvolvidas e os objetivos a serem atingidos com a supervisão. Isso é muito importante, porque, depois, para avaliar se a supervisão está sendo boa ou não, você vai olhar também para os objetivos traçados e se eles foram ou não atingidos.
A supervisão muda de acordo com a abordagem da psicologia?
Muda, mas não mudam os princípios básicos da supervisão. Quando se pensa em supervisão por abordagem, a gente está ensinando e refletindo sobre aquele caso dentro de um aspecto teórico que cada um tem e muitas vezes a própria supervisão reflete aquele aspecto teórico. Mas o processo é muito maior e mais rico do que isso. É preciso compreender quais são os tipos de competências que a gente precisa buscar com supervisão, porque existem vários papéis que o supervisor desempenha: o de professor, o de consultor e, às vezes, até de terapeuta (embora supervisão não deva ser confundida com terapia, mas, em alguns momentos, é preciso compreender como é que determinado caso está afetando o psicólogo). É muito importante que o supervisor compreenda tudo isso para que possa auxiliar da melhor forma possível quem está buscando supervisão.
A supervisão pode ocorrer com o mesmo profissional da terapia individual?
Pelo código de ética da Austrália, é antiético. Esta é uma questão interessante porque, no processo histórico da supervisão, que surgiu dentro da psicanálise, uma das primeiras quebras foi justamente sobre esse assunto. Uma escola defendia que deveria ser o mesmo e outra defendia que não precisava ser. Na minha percepção, não deve ser. A supervisão tem um caráter educacional e tem um caráter avaliativo. E numa terapia, a última coisa que você quer é ser avaliado pelo psicólogo. Então eu acredito que deva ser separado para que o processo seja tão profundo quanto possível dentro dos dois aspectos.
Qual a melhor forma de se preparar para uma supervisão enquanto supervisionado?
Um aspecto é como se preparar psicologicamente para ser questionado e se colocar numa posição mais frágil. E a outra é se preparar academicamente. Então é muito importante que a gente já saiba qual é o caso sobre o qual quer conversar, quais são as perguntas a serem feitas, para não sair do foco, divagar e perder o tempo da supervisão. O que, na minha opinião, funciona bem é ter uma agenda com as prioridades a serem perguntadas.
O que é preciso para se tornar supervisor em psicologia?
O Conselho de Psicologia daqui exige curso de supervisão para que você possa se tornar supervisor daquelas pessoas que estão em processo de graduação. E para supervisionar quem já é registrado e está no mercado de trabalho, basicamente, são necessários muita ética, estudo, experiência e compreender como é o processo. Outra questão bastante importante é ter supervisão de supervisão, que é uma coisa que eu não sabia que existia antes de fazer esse curso e eu achei muito interessante, ou seja, levar para um supervisor as suas questões enquanto supervisor.
Quais os benefícios de se tornar um supervisor em psicologia?
É uma questão muito pessoal e profissional. Se você gosta de ensinar, de ajudar as pessoas a se desenvolverem naquela profissão, vai gostar de supervisionar. Se você não gosta muito disso, aí já não é muito a sua área. Enquanto supervisor, você tem mais responsabilidades, pois é responsável pelo profissional e pelo paciente desse profissional. Ao mesmo tempo, é um benefício para seu desenvolvimento profissional. E também tem algumas vantagens no dia a dia, porque, depois de atender meia dúzia de pacientes em um dia, a supervisão ajuda a quebrar um pouco a dureza do nosso trabalho, porque a gente sabe que o nosso trabalho não é nada fácil. Outro benefício é a possibilidade de descobrir e ajudar a solucionar casos que eventualmente ainda não passaram pela sua clínica. Pessoalmente, me tornar uma supervisora de estagiários da psicologia me ajudou muito na resolução da síndrome de impostora, com o reconhecimento da minha atual experiência em comparação com a fase inicial dos estudos.
O que acontece quando o supervisionado discorda do posicionamento do supervisor?
O supervisionado não é obrigado a seguir as sugestões do seu supervisor, mas é importante que ele tenha como justificar por que motivo escolheu fazer de forma diferente. O discordar é um processo importante para o desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo, contanto que ele compreenda o motivo e de onde estão vindo suas ideias. Para que, depois, se for questionado, tenha como se defender.