O mercado da psicologia, seus nichos de atuação e carreira profissional são assuntos aprofundados pela psicóloga Juliana Amaral nesta entrevista. Segundo ela, não há uma fórmula mágica para a construção de uma carreira profissional bem-sucedida na área, mas o esforço e a dedicação contínuos são regras básicas e devem começar já na graduação, uma vez que cada um é sua própria marca e seu cartão de visita.
Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Juliana é terapeuta cognitivo-comportamental pelo Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC) e tem formação em terapias de terceira geração. Também é mestre em educação pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), especialista em psicologia organizacional e do trabalho e especialista em gestão de equipes pela Libertas.
Atua com atendimento clínico voltado para estudantes – gestão de emoções antes, durante e após as provas – e auxílio a recém-empossados em cargos públicos para lidarem com os novos desafios da carreira e da vida. Também supervisiona uma equipe de cinco psicólogas que integram um grupo de trabalho sobre gestão emocional nos estudos.
Por que escolheu a psicologia como profissão?
Desde criança eu gostava de psicologia e queria ser psicóloga. Tinha contato com o meio, pois minha mãe é psicóloga. E sempre me interessei pelo ser humano. Sou gente que gosta de gente. Sempre fui uma pessoa estudiosa e, quando entrei na faculdade, segui dedicada, inclusive fiz iniciação científica, fui monitora de alguns professores e, consequentemente, acabei sendo convidada para estagiar e, posteriormente, contratada por uma empresa de consultoria em RH. Ou seja, já saí da graduação (em 2009) trabalhando em uma organização, não passei por aquele período sem emprego e de dúvidas após a formatura. Até que, dois anos depois, chegou o momento em que aquela atividade celetista não me atendeu mais. Meu noivo na época (hoje marido) passou em um concurso público e precisava se transferir para uma pequena cidade no Mato Grosso. Como meu plano de vida incluía formar uma família, escolhi acompanhá-lo. Ponderei que trabalho eu conseguiria em outro lugar do Brasil, mas uma pessoa com tantas afinidades comigo seria mais difícil de encontrar. Não existem escolhas sem perdas. Mas essa mudança me possibilitou tempo – que antes eu não tinha pela dinâmica do trabalho – para fazer meu mestrado e investir na psicologia clínica. Foi quando começou a se delinear o nicho de trabalho no qual atuo até hoje, pois percebi que aquela situação a qual meu marido vivenciou (e várias outras pessoas vivenciam), estudando para concursos, passando e se mudando de cidade (longe da família) para tomar posse, gera sofrimento e fissura emocional.
Fale mais sobre como definir um nicho no mercado de trabalho da psicologia.
É preciso fazer alguns questionamentos, tais como: o que faz seus olhos brilharem, o que interessa a você, qual o assunto que faz você vibrar, o que você gosta de estudar sobre o ser humano, o que você quer oferecer e a quem? Minha história de vida me levou a acompanhar várias pessoas que estavam estudando para concursos públicos. E também vários profissionais que, após a aprovação nos concursos, estavam felizes, mas tinham novas demandas que não se resolveriam com a posse. Isso porque surgem outros dilemas, como, por exemplo, morar longe da família ou morar numa cidade muito pequena. Foi então que comecei a trabalhar na clínica atendendo esse nicho.
O que eu também aconselho para a definição de um nicho é olhar as oportunidades que estão à volta. Nós, como psicólogos, fomos treinados a observar somente as objeções, o que não está dando certo, o que é difícil. Mas é preciso olhar para as oportunidades, que podem estar até mesmo na família ou entre amigos e colegas. Por exemplo, se o psicólogo tem um pai que é cirurgião plástico, pode trabalhar com um nicho de autoimagem, autovalorização. Ou se tem uma irmã nutricionista, pode enveredar para a área da psicologia alimentar. Outros exemplos de nichos são de pessoas que estão tentando engravidar, de relacionamentos amorosos, de atendimento a bancários (uma categoria com sérias questões emocionais a serem resolvidas). Há diferentes demandas a serem atendidas e muitas pessoas precisando dos serviços dos psicólogos. Ainda é muito forte a ideia da psicologia ligada à doença, ao transtorno mental, mas ainda há todo o lado da promoção de saúde, inclusive do envelhecimento saudável, da longevidade. Então vamos levar essa saúde mental para as pessoas.
Como encontrar os primeiros pacientes na área clínica e depois expandir a clientela?
Não tem uma fórmula mágica, mas o que sempre digo é: comece. Não fique a vida inteira esperando o momento perfeito. Se você esperar o momento perfeito, talvez ele não chegue. O cenário ideal precisa ser construído. E é necessário começar com o que se tem hoje: o material, a condição, o espaço. Trace uma meta, um plano de ação, sobre como quer estar daqui a dois meses, o que quer ter feito pelo seu negócio clínica nesse período. Seja montar a página no Instagram, começar a criar conteúdo, seja aparecer todos os dias na rede social para as pessoas verem você, se cadastrar num plano de saúde, seja fazer parceria com profissionais que harmonizem com seu nicho, seja informar às pessoas da família que agora você está atendendo na clínica, para elas começarem a avisar aos conhecidos. Se você não marcar uma data, não se levantar da cadeira, não agir, vai ficar muito difícil esperar cair do céu. Troque a reclamação pela ação. Também vale destacar que seu melhor vendedor é o seu cliente. Sendo assim, se você tem somente um cliente, o trate da melhor forma possível, com o melhor que você tem para dar, porque ele sai do seu consultório dizendo para as outras pessoas como está se sentindo; e o exemplo de vida dele vai fazer com que outras pessoas queiram (ou não) fazer a sessão com você.
E para quem ainda está estudando, como começar?
A graduação também é um cartão de visita. Se você é aquela pessoa que não entrega seus trabalhos, não vai às aulas, não cumpre compromissos assumidos, seus colegas já vão estar ali observando; o networking é muito importante. Desde o momento em que você está na sua cadeira, na sala de aula, comece a construir a imagem do profissional que você quer ser. Além disso, converse com seus professores, com seus colegas, tente buscar já dentro da graduação amizades, afinidades e comunidades que agreguem, que mostrem que você quer ser psicólogo e que levem você para algum lugar.
Ao iniciar o trabalho na clínica, como determinar os valores a serem cobrados?
Uma coisa importante é perceber como é o mercado em sua cidade, em seu estado. Além disso, existe uma tabela de preços de sessão sugerida pelos conselhos estaduais de psicologia. Depois, é preciso avaliar seu nicho. É muito comum que alguns psicólogos tenham crenças disfuncionais limitantes sobre valor da sessão, do tipo: a psicologia é amor, então tenho que cobrar pouco. Aí, no decorrer das sessões, descobre que o paciente teria condições de pagar mais e fica desconfortável. Uma situação como essa prejudica o processo de transferência na psicoterapia. Por isso, é importante definir antes um valor justo, levando em consideração o mercado em que atua, a tabela sugerida e o investimento que você fez. E, claro, a cada ano que passa, é preciso um reajuste, porque você vai se tornando uma pessoa mais experiente.
O que você pensa sobre atender em convênios, com baixa remuneração, em vez do atendimento particular?
Penso que o convênio pode ser uma porta de entrada. Para quem está começando, que tem horário disponível para atender, é melhor adquirir experiência prática, ajudar o outro. Depois, à medida que o profissional vai construindo seu nome no mercado, pode ir limitando a quantidade de dias que atende por convênio. E nos outros dias, abrir sua agenda particular. No entanto, defendo que o tempo da sessão do convênio não deve ser menor que a particular. É preciso sempre avaliar o quanto se consegue atender naquele dia com qualidade. Não sobrecarregar a agenda com várias pessoas para fazer determinada quantia de salário e se sobrecarregar emocionalmente e fisicamente. É preciso lembrar do amor-próprio também. Os psicólogos precisam se cuidar, se valorizar, fazer o que é necessário para eles, como supervisão, terapia, necessidades básicas.
Para a credibilidade de um psicólogo, é melhor ser especialista ou generalista?
Fazendo uma analogia com a saúde física: se você estivesse com uma dor específica, iria querer ir para um clínico geral ou para um médico altamente especializado nessa dor? Muito possivelmente escolheria alguém que soubesse exatamente o que você está sentindo. A diferença do psicólogo generalista para o psicólogo especialista é justamente essa: o especialista é alguém que estuda, investe tempo e esforços em uma determinada fatia do mercado, em um determinado conteúdo. E por trabalhar na área e escutar questões semelhantes repetidamente, esse profissional tem know-how para falar do assunto com mais segurança e assertividade. Até na hora de fazer parcerias com instituições, o especialista mostra mais confiança naquilo que faz. Por exemplo, aqui em Recife/PE, há vários psiquiatras e alguns deles, como já sabem que atendo as demandas de concursados, logo me encaminham esses pacientes. Ou seja, quando você é especialista, é lembrado por outros profissionais como alguém que sabe tratar daquele determinado tema.
A modalidade de terapia on-line veio para ficar?
Estou apaixonada pela terapia on-line e já era apaixonada pelo atendimento on-line. Na resolução antiga do Conselho Federal de Psicologia, de 2012, não se podia fazer psicoterapia on-line, somente orientação psicológica. Eram apenas 20 sessões no máximo, o que muitas vezes gerava angústia para o paciente. A nova resolução (2018) veio para ampliar fronteiras, dizendo que quem decide quantas sessões vão ocorrer é o processo e não o conselho. Além disso, a terapia on-line possibilita que o paciente tenha a oportunidade de fazer psicoterapia com um psicólogo da região e do nicho que escolher, especialista naquilo que está vivenciando. Acredito que essa modalidade veio, sim, para ficar, porque, no mundo atual, estaríamos entrando na contramão se a terapia-on-line não fosse tomada como uma possibilidade. Só precisamos observar alguns cuidados e algumas limitações.
Como você percebe o mercado de psicologia no pós-pandemia?
Penso que a emergência pelo profissional da saúde mental seguirá muito forte, porque somos seres sociais e o isolamento social fez com que muitas pessoas perdessem o contato com os outros. Além disso, tem a questão da perda, do luto. Um nicho muito importante é a psicologia do luto, e vejo poucos psicólogos trabalhando com isso. Também houve muitas perdas nos negócios, em que também entra a questão da ressignificação de carreira, um nicho que não é tão novo, mas que vem ganhando força, uma vez que as pessoas estão precisando mudar totalmente a configuração do trabalho e se organizar internamente para lidar com isso. Então são vários nichos despertando no pós-pandemia. Há mercado. Quem trabalha com esses nichos está com a agenda lotada.