Quem nunca teve a oportunidade de presenciar um amigo, parente, colega, vizinho tendo uma “crise” nervosa que todos ao redor pensam (e alguns até dizem) que aquela pessoa parecia outra, que nem parecia que era o Fulano ou Sicrano falando, agindo?

Ou mesmo, quem nunca se viu tendo um comportamento que depois conseguiu questionar e ver que o que foi feito e dito distoou e muito daquilo que é padrão, conhecido de si.

Os modos de esquemas

Também há aqueles funcionamentos que, mesmo sendo inadequados e bizarros, parecem ser típicos de determinadas pessoas, tão típicos que outros não questionam.

Porém, deixemos claro, a falta de questionamento vem não porque é possível se considerar tal comportamento adequado, funcional e saudável, mas, pelo simples fato dele ser “comum” para aquela pessoa. Vocês conseguem pensar em casos assim?

Bem, o que acontece em situações assim é o predomínio daquilo que chamamos, na Terapia do Esquema, de modos de esquemas.

Esses modos, são momentos em que um indivíduo entra numa espécie de forma de funcionar e agir porque suas cognições, emoções e comportamentos estão ativados por um ou mais esquemas desadaptados.

É um estado emocional disfuncional, passageiro ativados quando a pessoa se vê diante de um necessidade essencial emocional não está sendo suprida, ou quando esquemas são acionados, engatilhados.

Reação emocional

Quando um paciente nosso entra em um determinado modo de esquema, alguma circunstância atual acionou uma reação emocional primitiva de algo esquemático, algo traumático (ou apenas algo nocivo e que se viveu sistemáticamente na infância e juventude) e que está “tatuado” no inconsciente do mesmo.

Mas, o que isso quer dizer? Talvez um exemplo torne tudo mais claro. Imagine uma criança que sistematicamente é exposta a uma série de descuidados, de desconexão, de inseguranças que a fazem sentir medo, angústia e ansiedade.

Essa criança, no momento em que está passando por isso tudo e mediante fatores como temperamento – por exemplo, pode se tornar tanto uma criança desrespeitosa e que afronta a todos, como também pode se ressignar diante de seus sofrimentos e se tornar ainda mais refém daquela situação.

Estudo de caso

Agora imagine a criança do exemplo número um, a desrespeitosa. Vamos, carinhosamente, chamá-la de Pedro. Pedro é um garotinho agressivo, que não respeita professores, que foge constantemente de casa, que é espalhafatoso e faz barracos por qualquer coisa.

Ao mesmo tempo, quando confia e ama alguém, Pedro é querido e colaborativo. Contudo, Pedro vai crescendo, torna-se adulto e o que todos sabem a seu respeito é que nunca se deve pisar nos calos de Pedro, porque ele vai virar uma fera, seja porque o mundo realment está acabando ou simplesmente porque alguém sem querer deu o troco errado a Pedro.

Pedro tem um lado carinhoso, amigo e saudável que paga suas contas e que trabalha e estuda como qualquer outro ser humano. Mas, lembre-se: não pise nos calos de Pedro, porque neste momentos, ele simplesmente parece outra pessoa.

Esquemas iniciais desadaptados

Num caso como o descrito acima, o personagem Pedro é alguém que possui esquemas iniciais desadaptados, porque viveu sistemáticos abandonos e situações em que suas necessidades mais primordiais não foram atendidas.

Pedro foi negligenciado e na sua imaturidade (pertinente para seu período da infância) passou a ter ataques de fúria, desobediência e zanga quando as coisas ficavam insuportáveis. Isso foi se solidificando dentro de Pedro que passou a acreditar que esta era a única maneira de alguém atender suas necessidades e olhar para ele.

Como aprendeu a se portar desta maneira e nunca foi consolado e entendido em suas dores, Pedro normatizou esse funcionamento.

Assim, na sua vida adulta, Pedro age de forma semelhante. Sempre que suas necessidades (não importa de qual tipo e certamente quanto mais importantes mais ele será ativado) não são atendidas ele entra num modo de funcionamento desadaptado, desfuncional, que talvez (e certamente aconteceu) até tenha funcionado no passado, na infância, quando os seus recursos e ferramentas de auto defesa eram imaturas, pouco desenvolvidas, mas, que certamente não funcionam mais hoje em dia.

Modo disfuncional ou desadaptado

Com toda certeza, se você visse um homem (o Pedro) fazendo pirraça em um supermercado e agindo com um comportamento aparentemente pouco adaptado para o tamanho de sua demanda, você acharia muito estranho. Veja bem, não se trata de se afirmar que a demanda de Pedro não tenha sentido, seja ilegítima.

Ele pode estar achando muito errado o preço do produto X estar errado na gondola do supermercado. E ele está correto. Não devemos aceitar que esse tipo de coisa aconteça. O problema está na forma, no modo como Pedro faz essa reinvidicação.

Se eu fosse a pessoa comprando algo com valor errado, chamaria calmamente alguém que pudesse esclarecer a situação, me posicionaria, mas de foram adequada. Mas, para Pedro que aprendeu que diante de um injustiça que lhe fazem ele precisa rugir como um leão para ter seu ponto atendido, isso não acontecerá de forma pacífica.

O modo disfuncional ou desadaptado é como se fosse uma terceira pessoa com características próprias e, por vezes muito diferentes de nós, vivesse lá dentro de cada pessoa esperando apenas a hora de tomar conta da nossa consciência e comportamento.

A Terapia dos Esquemas fala de modos como a criança vulnerável, a criança zangada e a criança impulsiva. Mas, fala também de uma criança saudável e feliz que tem boas lembranças de sua história e ajuda o modo adulto saudável a se recompor em momentos de deflagração dos modos não adaptados e que refletem a criança ferida, machucadas e com necessidades não atendidas.

Além disso, também podemos nos referir aos modos adultos não adaptados, que são os pais exigentes e punitivos e também o capitulador (ressignado), o protetor desligado (evitador) e o hipercompensador (estes três últimos usam estilos de enfrentamentos desadaptados).

Vê-se então, que o estudo e uso dos modos têm uma importância primordial no contexto da terapia dos esquemas, já que em casos em que os números de esquemas ativados ou os pacientes estão sendo resistentes ou com sintomas refratários, usar o conceito de modos fica muito mais fácil de acessar as emoções que provocam sofrimento e também os comportamentos inadequados decorrentes.

E MAIS…

Encontrar suas crianças feridas

O objetivo é trabalhar com o paciente para que enxergue esse modo de atual, agir e tentar colocar seu adulto saudável para assumir o controle e conversar e acolher de forma efetiva a criança ferida por traz do modo desadaptado de se comportar.

É emocionante ver Pedros, Marias e Eduardos, encontrando suas crianças feridas e percebendo que não precisam agir como elas ou em função delas. É mesmo libertador para estes quando percebem que suas atitudes e sentimentos atuais são tantas vezes fruto de feridas que nem imaginavam que existiam, tampouco que regiam suas vidas.

Trabalhar com modos é trazer vida. É como se a nossa criança ferida, tivesse uma grande chance de se sentir acolhida e respeitada pelo adulto que ela se tornou.

REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.
BOWLBY, John. Apego: a natureza do vínculo. Volume I trilogia Apego e Perda. 3 edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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____. Separação: angústica e raiva. Volume II trilogia Apego e Perda. 4 edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
YOUNG, Jeffrey. Terapia Cognitiva para Transtorno da Personalidade: Uma abordagem focada no esquema. 3° Edição – Porto Alegre: Artmed, 2013.
YOUNG, Jeffrey; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do Esquema: Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras.