Quando o assunto é desenvolvimento infantil, pesquisas comprovam uma relação direta entre os estilos parentais – modo de educar dos pais – e os adultos nos quais seus filhos se tornarão. Embora essa relação nem sempre seja fácil de demonstrar, pois crianças criadas em ambientes diferentes podem ter personalidades similares, os estilos parentais são responsáveis por normalizar comportamentos e moldar características que seguirão acompanhando a pessoa ao longo de toda vida.

Nesta entrevista, o tema é aprofundado pela psicóloga jurídica Lara Brasileiro, graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em criminologia e psicologia criminal pelo Centro Universitário de João Pessoa/PB (UNIPÊ). Ela atuou por 8 anos como perita na área de família do Tribunal de Justiça de Pernambuco e hoje atua no âmbito da gestão como secretária-geral da Coordenadoria Estadual de Família do mesmo órgão. Tem certificação em disciplina positiva pela Positive Discipline Association (PDA) e é coautora do ‘Baralho de investigação dos estilos parentais: o impacto da forma de educar no desenvolvimento das crianças’, publicado pela Sinopsys Editora.

Baralho

O baralho nasceu da necessidade de instrumentalizar a avaliação da dinâmica familiar e das habilidades parentais. Busca auxiliar crianças a expressarem suas percepções sobre as principais práticas parentais observadas em seu ambiente familiar. Além disso, ajuda o aplicador a identificar quais práticas parentais são mais ou menos prevalentes e por quem são exercidas, facilitando, assim, a coleta de elementos que vão sugerir o estilo parental predominante.

A ferramenta é recomendada para crianças de 3 a 12 anos, tendo 12 cartas com desenhos direcionadas para o trabalho para a faixa etária pré-escolar e 40 cartas com frases para a faixa etária escolar. Pode ser utilizado em psicoterapia infantil, terapia de família ou em outros contextos em que a avaliação de habilidades parentais seja relevante, o que inclui casos de divórcio e disputa de guarda. O instrumento foi desenvolvido a partir da prática clínica com crianças que vivenciavam conflitos no âmbito familiar e da prática jurídica em perícias psicológicas para varas de família.

Qual o objetivo do baralho e como surgiu a ideia de produzi-lo?

Percebemos que precisávamos de um instrumento que facilitasse entender qual o estilo parental predominante na família que busca atendimento para melhorar para que, a partir daí, pudéssemos pensar num plano de intervenção e num prognóstico a longo prazo. E o baralho surgiu como uma ferramenta muito preciosa, porque ela deve ser respondida pelas crianças. Um segundo ponto que nos chamou a atenção foi a carência de material que falasse sobre a família do ponto de vista das crianças, de como elas veem a forma como vêm sendo educadas pelos pais. Ainda não temos disseminada em nossa cultura uma educação para a parentalidade e tendemos a repetir padrões de gerações passadas em que predominavam relações familiares mais hierárquicas. À medida que estamos abrindo espaço para discutir a educação infantil, esses padrões vêm sendo desconstruídos.

Qual foi o maior desafio na produção desse material?

Retratar as práticas parentais mais diversas foi um desafio, pois cada família tem uma realidade, uma dinâmica. Nós buscamos respeitar as diversidades, mas, ao mesmo tempo, buscamos disseminar a informação de que não é toda a prática parental que é saudável. Existem certas práticas que não podem ser toleradas. Não é só uma questão de respeito, mas, antes de tudo, de a família respeitar o desenvolvimento saudável dos filhos.

Quais são os estilos parentais?

Os estilos parentais, de uma forma geral, devem ser encontrados a partir de duas dimensões. Uma delas é a responsividade, que são aquelas práticas relacionadas às demonstrações de afeto, de carinho, de envolvimento dos pais. E a outra dimensão é a do limite, das regras, da autoridade. É preciso encontrar um equilíbrio entre essas duas dimensões para haver uma parentalidade saudável. A definição do estilo parental é muito reflexo da nossa cultura brasileira, do mundo ocidental. Mas, com base no avanço da literatura, escolhemos quatro estilos parentais para retratar no baralho.

O estilo negligente é aquele caracterizado por práticas parentais que demonstram pouco afeto para os filhos e pouco limite ao mesmo tempo, ou seja, não há regras, a criança faz o que quer, não tem um direcionamento. Pela literatura, trata-se do pior estilo parental para o desenvolvimento dos filhos, porque, como a questão da afetividade é muito baixa, essas crianças não se sentem amadas, não se sentem dignas de receber afeto. E isso traz uma série de desdobramentos ao longo da vida, desde baixa autoestima até o envolvimento em relações tóxicas, abusivas, pois a pessoa acha que é dessa forma que deve amar e ser amada, numa relação de distância e violência.

Já no estilo parental permissivo ou indulgente, a questão da afetividade é muito alta, ou seja, são práticas que demonstram muito afeto, muito envolvimento dos pais, mas o limite está lá embaixo. Aquela situação em que, popularmente, se chama de criança mimada, sem limites. Isso também traz uma série de desdobramentos. São crianças que vão se desenvolver com senso de autoeficácia baixo, ou seja, autonomia muito baixa, precisando sempre de um terceiro para validar o que estão fazendo. Elas se aventuram muito menos, elas têm uma criatividade muito menor. Não só criatividade para fazer algo artístico, mas toda solução inovadora para um problema em diferentes âmbitos da vida, inclusive laboral.

Qual o terceiro estilo parental predominante?

No terceiro estilo parental, também predomina um desequilíbrio entre afeto e limite. Trata-se do estilo parental autoritário, que é o oposto do permissivo. Nele, a questão dos limites e regras é bastante alta e, muitas vezes, não há diálogo. E o afeto está lá embaixo. São aquelas relações muito marcadas nas gerações passadas em que as relações de hierarquia dentro de casa eram muito prevalentes. Aquela velha máxima: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Então essa criança tem a probabilidade de crescer com a autoestima diminuída, com uma tendência a ter relações na vida adulta de submissão, de estar sempre diante de uma figura de autoridade.

E qual o estilo parental mais indicado?

Segundo a literatura, o estilo parental mais indicado, que entrega maiores ferramentas para os filhos se desenvolverem de uma maneira saudável, é o autoritativo ou participativo, em que as duas dimensões, de responsividade e limites, estão equilibradas. Ou seja, são pais que possuem envolvimento afetivo, de cuidado, de acompanhamento diário do filho, de intimidade, de relacionamento alto e, ao mesmo tempo, não abandonam as regras e os limites. É um apego seguro, que traz estabilidade para o desenvolvimento infantil. Ao mesmo tempo, essa criança é colocada dentro dos limites e das regras de que todos precisamos para conviver dentro e fora de casa, em sociedade.

Esse é o estilo parental que nós encontramos no dia a dia e na literatura que mais tende a fazer as crianças se desenvolverem de uma maneira saudável, colaborativa, repetir padrões saudáveis, encontrar relações saudáveis tanto para dividir a parentalidade quanto no mundo do trabalho, por exemplo. Estamos falando de família, mas esses mesmos comportamentos estão no mundo laboral da mesma forma.

Como os pais podem praticar o estilo parental mais assertivo?

Continuem sempre desenvolvendo a sua assertividade. Estamos em um movimento mundial, o Brasil também está fazendo parte dessa disseminação do conhecimento sobre parentalidade. Esses estudos sobre as consequências de ser pai e de ser mãe estão saindo das academias, do muro das universidades, e chegando na vida das pessoas, se popularizando cada vez mais. Então eu diria para os pais procurarem, terem acesso, olharem para si mesmos e refletirem com humildade se de fato o que estão praticando no dia a dia está dando ferramentas para os filhos alcançarem as habilidades para a vida ou não. Sair do automático, olhar um pouco para como seus filhos estão crescendo, é uma oportunidade de ouro para fazer diferente.