A celebração Dia do Cliente já acontece em 14 estados do Brasil e vem tomando notoriedade a cada ano.
Contudo, é importante que cada consumidor, cada vez mais, se atente a um consumo responsável tanto para assegurar melhores condições de vida para o nosso meio ambiente quanto para não cair nas pegadinhas do consumo e acabar enfrentando problemas financeiros e de saúde mental ao acumular coisas e dívidas.
Vazio emocional
Comprar é uma atividade necessária do dia a dia, porém, pode se tornar um grande problema para algumas pessoas. O comprar compulsivo (também conhecido como oniomania) pode ser caracterizado como o baixo controle de impulsos irresistíveis de obter diversos itens, definido por preocupações excessivas e desejo de adquirir objetos e compras de maneira desenfreada, a ponto de gerar sofrimento pessoal e dificuldades financeiras, com pouquíssima ou nenhuma avaliação das suas consequências.
Esse transtorno é caracterizado pela incapacidade de resistir ao ato de comprar. Tal ato gera prazer e muita satisfação e, em seguida, vem o sentimento de culpa, autorrecriminação e lamentação. O ato compulsivo pode estar relacionado ao desejo de preencher um vazio emocional, comprando objetos materiais que podem dar um contentamento por pelo menos alguns instantes. Porém, a satisfação da nova compra não dura muito tempo e, em um curto período, outra é feita.
O ato de comprar também serve como remédio para a angústia e a depressão. O ato de comprar desperta nas pessoas uma sensação de bem-estar, prazer e satisfação. No comprador compulsivo, esse sentimento não é diferente.
Síndrome psiquiátrica
O transtorno do comprar compulsivo foi descrito pela primeira vez como uma síndrome psiquiátrica no começo do século XX e foi considerado uma doença apenas recentemente, na década de 1980. Não existe uma causa específica e, sim, possibilidades, como: genética, ambiental e alterações em uma enzima que apresenta um elevado sistema de gratificação e recompensa. São pessoas sempre em busca de uma sensação de gratificação mais intensa e que nunca vem. A oniomania tem início no final da adolescência ou nos primeiros anos da segunda década de vida.
Devido ao fato que se pode, atualmente, comprar online durante as 24 horas do dia e que até adolescentes possuem cartões de crédito, é provável que alguns compradores compulsivos iniciem sua vida adulta com uma dívida substancial.
Muitos compradores compulsivos descrevem seu comportamento como repetitivo e aprendido com pensamentos intrusivos sobre comprar, aos quais eles tentam resistir, geralmente sem muito êxito. Nessa circunstância entende-se que a compra possui um caráter recompensador e prazeroso, persiste em ser uma maneira inadequada de enfrentar a tensão.
Comportamento repetitivo
Desse modo, existe a hipótese de que o comportamento de comprar compulsivamente possa ser motivado por sentimentos negativos e mantido pelo surgimento do desejo de compra, e durante a compra surge a euforia ou simplesmente a diminuição dos sentimentos negativos. Sugere-se, ainda, que a aquisição patológica de bens materiais e de consumo esteja ligada a ideias distorcidas de que o comprar o tornará mais feliz, relacionando-se a procura por um bem-estar subjetivo.
O comportamento repetitivo e crônico de gastar descontroladamente gera consequências negativas para o indivíduo, além dos elevados índices de comorbidade (doenças relacionadas), como: transtorno de humor, depressão e ansiedade, abuso de substâncias, compulsão alimentar.
Reflexões sobre o transtorno
Como podemos diferenciar uma pessoa que gosta de comprar de uma pessoa que tem compulsão por compras? Qual é o limite?
É importante distinguir as compras normais das compras compulsivas e a distinção não se dá na quantidade de dinheiro gasto, mas na intensidade e frequência das compras e nas consequências adversas, como angústia, culpa, preocupações. Apesar de não serem grandes ou caros em si, os itens parecem estar direcionados a necessidades de identidade pessoal e social,
As compras compulsivas reúnem características similares às de dependências das substâncias, nomeadamente no que se reporta à necessidade de ir aumentando progressivamente o tempo e o dinheiro gasto nas compras para obter os efeitos desejados (aumentar a dosagem), e nos transtornos alimentares (compulsão alimentar).
Saber identificar quando a pessoa se torna um comprador compulsivo é o primeiro passo para buscar tratamento. Porém, até chegar a esse reconhecimento, muitas complicações já podem ter ocorrido antes, como o endividamento e problemas sociais.
Ser “consumista” é diferente de ter compulsão por compras?
O “consumista” possui um comportamento mais exagerado: sempre atrás de novidades, das marcas mais conhecidas ou produtos mais qualificados. Mas, nesses casos, a pessoa tem consciência do quanto pode comprar e a compra não traz sofrimento. O problema é quando esse consumo passa a ser exagerado, que, em determinados casos, pode se tornar compulsivo.
A compulsão por compras tem comportamento repetitivo, crônico e difícil de ser interrompido. Outro sinal de oneomania é uma frustração ou tristeza intensa após a compra, ou seja, depois da euforia momentânea das compras, a pessoa é invadida por um sentimento de tristeza e se sente frustrada por não conseguir evitar gastos desnecessários.
Como é feito o tratamento?
O primeiro passo para é entender as causas desse comportamento. O tratamento é por meio de tratamentos psiquiátricos e psicoterápicos, que podem ser realizados tanto individualmente como em grupos.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) contribui para o tratamento desse transtorno, para tentar “ressignificar” o comportamento compulsivo, mostrar outras formas de a pessoa obter recompensas e sentir-se amada que não seja pelo viés do consumo compulsivo.
Qual é a importância da família no tratamento? Como ela pode ajudar?
As reações dos familiares apresentam-se de duas maneiras principais. Uma delas consiste na reação crítica e hostil, a qual pode ocorrer quando os familiares acreditam que o paciente é capaz de controlar e manejar as compras. O ambiente hostil e estressante tende a aumentar os sintomas, dificultando a motivação e a adesão ao tratamento.
A participação da família é de suma importância para o tratamento e o bom prognóstico da doença, incidindo na motivação do paciente para realizar as exposições e manter-se em tratamento. Oferecer aos familiares instrução específica sobre o transtorno e o tratamento da oniomania por meio da psicoeducação pode ser uma fonte de contribuição adicional ao tratamento-padrão, resultando em melhora mais expressiva no funcionamento global do paciente. A psicoeducação de familiares pode ser feita tanto pelo médico psiquiatra como pelo psicólogo que atenda ao paciente.
“Não nos tornamos ricos graças ao que ganhamos, mas com o que não gastamos.” – Depois de falarmos sobre o assunto sob o viés da psicologia, contamos com a importante contribuição da planejadora financeira Rejane Tamoto, que possui certificação internacional CFP®, formação em Psicologia Econômica pela B3 e é jornalista.
A citação acima é do empreendedor Henry Ford e nos mostra o quanto o consumo inteligente tem peso tão relevante no bem-estar financeiro, quanto para o aumento de renda ao longo do tempo. A fala também traz a reflexão sobre a importância de gastar de forma planejada e consciente, por mais que exista abundância de recursos.
Quando o consumo é um ato compulsivo e leva ao desequilíbrio financeiro de uma pessoa, é essencial que seja tratado do ponto de vista psicoterapêutico como pontuado pela Dra. Elaine Di Sarno, em alguns casos, psiquiátrico, associado ao acompanhamento de um planejador financeiro.
Enquanto os profissionais aprofundarão a questão do ponto de vista da saúde mental e emocional do indivíduo, o planejador financeiro leva racionalidade ao consumo, ao trazer luz aos números, ou seja, o impacto das escolhas no bem-estar financeiro, na autonomia e realização de objetivos no momento presente e futuro. Nesse processo, a organização das finanças e a criação de um orçamento, por meio de anotações, são o primeiro passo para trazer à consciência tais impactos. É um processo que visa a mostrar a luz no fim do túnel, com objetivo de engajar o indivíduo na solução e cura do problema.
A compulsão deve ser tratada terapeuticamente e é definida pela dimensão dos problemas financeiros que acarreta, como o superendividamento e falência. As consequências são de fato maiores do que as causadas pelas compras por impulso, que têm a característica de trazer um sentimento de prazer imediato, para aliviar tensões e desconfortos emocionais. Quando esse é o assunto, o planejador financeiro busca entender o modus operandi das compras por impulso. Ou seja, quais são os gatilhos e comportamentos associados para propor mudanças de cenário, utilizando de nudges, que são empurrõezinhos no processo decisório. A ideia central é que muitas das nossas decisões, e ainda com mais intensidade aquelas por impulso, dependem da arquitetura de escolha a qual estamos expostos. Essa é uma teoria extraída de pesquisas de finanças comportamentais sobre a qual discorreu Richard H. Thaler, Nobel de Economia em 2017.
Um exemplo de como adotar nudges, nesse sentido, é mudar percursos para não passar na frente de determinadas lojas que incentivam esse consumo. Da mesma maneira, apagar aplicativos ou desabilitar notificações no celular para evitar compras que possam ser realizadas em segundos. O impulso, para cumprir a função do prazer, precisa ser realizado no momento em que surge. Uma outra estratégia é adiar a compra, deixar para depois, para verificar se será esquecida e, se isso ocorrer, teria sido um impulso não atendido.
Não apenas o dinheiro, o tempo, a vida, mas o esforço também são recursos finitos. Por isso, adotar medidas de arquitetura de escolha que diminuam a exposição às tentações é uma estratégia. Da mesma forma que aumentam as chances de uma dieta dar certo se o que estiver na geladeira e despensa forem produtos saudáveis, o mesmo acontece quando as melhores escolhas que envolvem o consumo estiverem colocadas à frente, e as que atrapalham sejam retiradas do cenário. As pesquisas sobre o tema já provaram que quando as frutas e saladas eram as primeiras opções expostas em uma sequência de bufê, elas eram escolhidas pela maioria das pessoas, diferentemente de quando os bolos e sobremesas apareciam como primeira opção. Importante salientar que são mecanismos auxiliares, já que dependendo da extensão das compras por impulso o tratamento ao indivíduo deve ser amplo e integrado, até mesmo para se formar um diagnóstico de compulsão.