O dia 30 de março se tornou o Dia Mundial do Transtorno Bipolar em homenagem ao aniversário do pintor holandês Vincent Van Gogh, que foi diagnosticado como possível portador do transtorno bipolar. Trata-se de uma doença mental que representa um desafio significativo para portadores, profissionais de saúde, familiares e comunidades. O objetivo da data é chamar a consciência mundial para transtornos bipolares e eliminar o estigma social.

“O transtorno bipolar é altamente incapacitante e está associado à mortalidade prematura”, afirma o psiquiatra Adiel Rios, mestre em psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e pesquisador do Programa de Transtorno Bipolar do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HCFMUSP). Segundo ele, uma taxa mais alta de doenças cardiovasculares (comorbidades) e taxas de suicídio explicam em grande parte a expectativa de vida reduzida.

Conforme informações da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (ABRATA), a adesão ao tratamento da doença tem como importância: a redução das chances de recorrência de crises, o controle da evolução do transtorno, a redução das chances de suicídio, a redução da intensidade de eventuais episódios e a promoção de uma vida mais saudável.

Como é caracterizado o transtorno bipolar?

A doença é crônica, caracterizada pela recorrência de episódios de mania/hipomania e depressão, com prevalência estimada na população em torno de 1% a 2,4%. As manifestações clínicas geralmente aparecem no final da adolescência e início da fase adulta, o que leva a grandes deficiências, redução da expectativa de vida e altas taxas de mortalidade.

Como identificar episódios de mania e hipomania?

No episódio de mania, o portador do transtorno bipolar apresenta um aumento da energia, euforia, uma alegria intensa e felicidade fora do normal. Também apresenta ideias de grandeza, superioridade ou elevada autoestima e autoconfiança excessiva, que pode atingir um grau fora da realidade. A pessoa pode apresentar também irritabilidade e impulsividade de forma exacerbada. O pensamento fica acelerado, muitas ideias e projetos fluem simultaneamente ou numa sequência tão rápida que fica difícil entender sobre qual assunto a pessoa está falando. Há diminuição da necessidade de sono, comportamento sexual excessivo, descontrole nos gastos e atitudes sem a percepção de sua inadequação. O indivíduo fica agitado, eventualmente agressivo, distraído e totalmente desconcentrado. A hipomania tem características similares ao de mania, mas os sintomas são mais brandos.

E como se caracteriza o episódio de depressão?

O episódio de depressão se caracteriza por tristeza profunda, perda de interesse por tudo, pensamentos negativos (ideias de ruína, culpa, inutilidade, baixa autoestima) que podem ser intensos a ponto de configurar um delírio. Há modificações no sono: enquanto algumas pessoas têm insônia, outras apresentam hipersonia (dormem mais do que o habitual). Em relação ao apetite, pode haver aumento no consumo de alimentos como forma de aliviar a ansiedade. No entanto, a perda de apetite é mais comum neste quadro. Há também diminuição da libido, perda do prazer, fadiga excessiva e desinteresse por tudo. A pessoa mal tem vontade de levantar da cama pela manhã ou não existem forças para realizar suas atividades básicas da vida diária.

Como ocorrem as manifestações dos diferentes episódios?

A sequência de manifestação dos episódios maníacos/hipomaníacos e depressivos é variada, ou seja, não acontece, necessariamente, de forma alternada. Os eventos de hipomania e mania, assim como os de depressão, têm duração, em geral, de dias ou semanas.

Qual a relação do transtorno bipolar com o suicídio?

Ao lado da depressão, o transtorno bipolar é uma das doenças psiquiátricas com maior índice de suicídios. Segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), de 30% a 50% dos pacientes com o diagnóstico, tentam o suicídio, sendo que cerca de 15% cometem o ato. No quadro agudo de euforia, a pessoa tem a sensação de que pode tudo, inclusive se colocar em situações de risco, podendo levar ao ato suicida. Já na depressão, a intensidade da angústia, da perda de interesse pela vida e dos pensamentos sempre negativos acaba chegando ao extremo do suicídio. Por isso, no transtorno bipolar, detectar os sintomas e o risco de um quadro suicida é uma tarefa ainda mais complexa, pois tanto na fase depressiva quanto na euforia existe a possibilidade de o paciente chegar ao ponto do suicídio.

Como é feito o diagnóstico da doença?

O diagnóstico costuma ser bastante difícil e pode demorar em média dez anos para ser estabelecido devido a tratamentos equivocados, ausência de comunicação entre os profissionais envolvidos, desconhecimento sobre como a doença se manifesta (seja pela falta de conhecimento como pela confusão dos seus sintomas com os de outros tipos de depressão), preconceito e autoestigmatização. O histórico do indivíduo é decisivo para o diagnóstico conclusivo, já que alterações de humor anteriores, episódios atuais ou passados de depressão, histórico familiar de perturbação do humor ou suicídio e ausência de resposta ao tratamento com antidepressivos alertam para o diagnóstico do transtorno bipolar. A maioria dos pacientes não procura o psiquiatra na fase de hipomania, mas apenas quando entra em depressão. Se o diagnóstico não for exato, ou seja, se não houver uma maior investigação que aponte o transtorno bipolar, o uso de medicações antidepressivas, sem estabilização do humor, pode piorar o quadro.

Qual a prevalência do transtorno bipolar?

Embora a doença se manifeste mais comumente no adulto jovem, ela pode acometer pessoas mais velhas, inclusive na terceira idade. Atinge ambos os sexos numa proporção semelhante e perdura a vida toda, ou seja, não tem cura, mas pode ser controlada.

Quais são as causas da doença?

A causa exata do transtorno bipolar é desconhecida, mas estudos sugerem que o problema pode estar associado a alterações em certas áreas do cérebro e nos níveis de vários neurotransmissores, como noradrenalina, serotonina e dopamina. Esse desequilíbrio reflete uma base genética ou hereditária para o transtorno. Há também fatores ambientais/externos, conhecidos como epigenéticos, como o uso de substâncias psicoativas (anfetaminas, álcool e cocaína, por exemplo).

Como deve ser feito o tratamento?

O tratamento depende da fase da doença. Os quadros maníacos/hipomaníacos são tratados com estabilizadores do humor, como o lítio, anticonvulsivantes e antipsicóticos. Já nos quadros depressivos, podem ser antidepressivos devidamente associadas com estabilizadores do humor e por curto período de tempo, para evitar a ocorrência de um quadro maníaco/hipomaníaco. Os sintomas de depressão são a causa mais frequente de incapacidade, sendo que mais da metade dos pacientes em episódios depressivos não respondem adequadamente aos tratamentos disponíveis. Portanto, há uma necessidade urgente de tratamentos coadjuvantes, visando à remissão completa do transtorno. O transtorno bipolar tem forte impacto na vida da pessoa e de seus familiares, comprometendo aspectos sociais, afetivos e profissionais. Na dúvida quanto à possibilidade de ser portador de transtorno bipolar, é importante que a pessoa consulte o quanto antes um médico psiquiatra, que poderá fazer a avaliação dos sintomas, o diagnóstico e indicar o tratamento adequado.