Segundo a neurocientista italiana Donatella Marazziti senso moral é aquele código de valores e costumes que diz respeito à conduta de uma pessoa em sociedade.

Muitas emoções levam as pessoas a agir de uma forma socialmente aceitável e isso tem impacto sobre o meio. Basta considerar a fidelidade, a vergonha, o constrangimento, a gratidão, a compaixão, o orgulho, o medo de ser julgado negativamente pelos outros e a indignação ao lidar com comportamentos injustos.

A abordagem científica parte da hipótese de que existem princípios em nossa espécie, aqueles chamados por alguns estudiosos como “emoções morais”, que estão vinculados aos interesses e ao bem-estar de uma sociedade ou grupo.

Segundo a neurocientista Donatella Marazziti, da Universidade de Pisa, na Itália, os sentimentos de culpa, gratidão e piedade são exemplos típicos de emoções com forte valor social. A pesquisadora afirma que, por serem essenciais para o grupo, presume-se que já estivessem presentes em nossos ancestrais primitivos e que seriam um fator decisivo para a sobrevivência de nossa espécie. Por exemplo, a importância da divisão de alimentos em períodos de fome. 

Cooperação

A neurocientista lembra que é possível que sentimentos como a falta de vontade de prejudicar os outros, o senso de justiça, a empatia, que é a capacidade de compreender os pensamentos, sentimentos e emoções dos outros, tivessem se desenvolvido devido à sua utilidade na sobrevivência do homem, permitindo a cooperação.

Acredita-se que existe uma moralidade inata dentro do cérebro humano. Ela parece semelhante a todos aqueles mecanismos desenvolvidos ao longo da evolução e  favoreceu a sobrevivência do indivíduo na sociedade. Se o sentido moral é inato, deve ser regulado por padrões neurais específicos e, portanto, não é surpreendente que possa ser alterado pela presença de certos distúrbios neurológicos.

O tema foi abordado no estudo “A neurobiologia do senso moral: fatos ou hipóteses?”. Os achados sugerem que pode haver um centro integrativo principal para a moralidade inata, em particular o córtex pré-frontal ventromedial, com suas múltiplas conexões com o lobo límbico, tálamo e tronco cerebral. O sentido moral subjetivo seria o resultado de uma integração de múltiplas respostas automáticas, principalmente associadas às emoções sociais e à interpretação dos comportamentos e intenções dos outros.

Julgamento moral

As contribuições do neurocientista português António Damásio, professor da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, são fundamentais neste sentido. Eles demonstraram como as emoções desempenham um papel fundamental nos processos cognitivos que implicam julgamento moral. Acredita-se que o processo pelo qual as emoções morais operam seja principalmente inconsciente, mas o acesso dessas emoções à consciência é tão rápido que parecem estar fortemente enraizadas nas funções cognitivas superiores. 

Curiosamente, Damásio e sua equipe desenvolveram testes específicos para a investigação de pacientes com lesões cerebrais que apresentavam mudanças significativas de personalidade e comportamento, no contexto de pontuação normal nas investigações neuropsicológicas tradicionais.

Estudos realizados por Damasio e pelo neurocientista Antoine Bechara, também da Universidade do Sul da Califórnia, mostram que lesões podem estar associadas à inadequação social ou ao comportamento de risco. Um caso notório foi do operário americano Phineas Gage, que foi atingindo na cabeça por uma barra de ferro, no século 19, e passou a apresentar desvio de conduta após o acidente. Enquanto trabalhava na Universidade de Iowa, o neurocientista usou técnicas de visualização do cérebro para determinar a localização mais provável da lesão de Gage.

Senso moral inato

A suposição da Marazziti é a de que nos humanos existiria um senso moral inato. Se isso for verdade, sem dúvida deveria ser regulado por mecanismos cerebrais específicos selecionados ao longo da evolução, pois promoveriam a sobrevivência de nossa espécie. 

A pesquisadora observa que algumas atitudes morais provavelmente já estavam presentes em nossos ancestrais hominídeos: em particular, pensa-se que eles eram capazes de assimilar regras baseadas em um sistema de recompensa e punição e de atribuir e perceber as intenções, sentimentos e desejos dos outros.

Os primatas mais próximos do homem apresentam diversos comportamentos sociais. Por exemplo, os chimpanzés mostram uma capacidade altruísta e uma espécie de senso de justiça, interpretados como antecedentes da moralidade humana. 

Empatia

Estudos sugerem que as pessoas ajudam mais as outras quando têm empatia por elas, o que explica porque a empatia geralmente é associada ao senso moral, justiça, altruísmo e cooperação. As pesquisas com neurônios-espelho despontam como aliado no debate quanto à natureza de decisões morais. Elas reforçam a tese de que os comportamentos morais têm um traço afetivo porque envolvem a capacidade do indivíduo de sentir as emoções do outro e dependem do sistema de recompensa (circuitos do cérebro ligados à sensação do prazer).

Por outro lado, emoções morais levadas ao extremo e dirigidas à preservação do próprio grupo, como a indignação e o desprezo, podem estar na base da xenofobia e dos conflitos sociais.

Alguns estudos propuseram que essa rede moral pudesse ser contornada por processos racionais, levando ao utilitarismo, ou seja, agindo pelo bem maior do maior número de pessoas. O resultado é a criação de uma tensão psicológica positiva (empatia?), que permite compreender o estado mental do outro (teoria da mente). A menos que seja ativamente inibido, o início deste processo ocorre automaticamente através dos neurônios-espelho e resulta em empatia, emoções e comportamento moral. 

E MAIS…

Responsabilidade pessoal

“Embora preliminares, os dados disponíveis parecem sugerir que o problema de algumas formas de criminalidade pode estar enraizado em alterações cerebrais. Por outro lado, não podemos invocar apenas estes últimos para justificar um ato vicioso, ou para eliminar aquela responsabilidade pessoal que deve ser sempre levada em conta”, diz Marazziti.