Nos últimos meses, a notícia de que a mortalidade por câncer superou a de doenças cardiovasculares em 727 municípios no Brasil chamou a atenção.

Mas por que parece que o câncer está em ascensão? A “genética” dos brasileiros está pior?

“Sabemos que há fatores de risco modificáveis para câncer, incluindo nutrição, obesidade, diabetes e o microbioma. As chamadas doenças metabólicas (obesidade, diabetes, hipertensão, colesterol alto e triglicerídeos altos) são consideradas um fator-chave no início e na progressão de muitos tipos de câncer. Existe até um termo médico, a síndrome metabólica, para descrever pessoas que têm três ou mais dessas condições. A incidência dessa síndrome tem aumentado há décadas e a dieta ocidental combinada com um estilo de vida inativo são em grande parte os culpados. É importante destacar que hoje não consideramos o câncer uma doença puramente genética. Agora sabemos que o câncer também é uma doença metabólica com necessidades metabólicas únicas”, explica o Dr. Ramon Andrade de Mello, oncologista de São Paulo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Pós-Doutor clínico no Royal Marsden NHS Foundation Trust (Inglaterra) e pesquisador honorário da Universidade de Oxford (Inglaterra). 

Cuidar da saúde mental

De forma geral, quando alguém se afasta de um estilo de vida saudável, há um aumento do risco de câncer. De acordo com o médico, de forma geral, as recomendações incluem: não fumar, não beber, evitar o sobrepeso, não consumir em excesso carboidratos refinados e alimentos ricos em gordura, principalmente saturada; por outro lado, é recomendável aumentar o consumo de vegetais e frutas, ricos em polifenóis e substâncias antioxidantes, e fibras, que melhoram a saúde intestinal, além de praticar atividade física, modular o estresse, dormir bem e cuidar da saúde mental.

“Portanto, os hábitos saudáveis podem ajudar”, diz o médico. Hoje, os cientistas sabem que o metabolismo defeituoso – o processo pelo qual as células geram e usam energia – é uma marca registrada do câncer. “Apenas 5 a 10% dos cânceres estão ligados a uma mutação genética específica, e nenhuma mutação única está associada a todos os cânceres. Alterações metabólicas, por outro lado, ocorrem em quase todos os cânceres. Então, faz sentido que as taxas de câncer estejam aumentando junto com a crescente epidemia de doenças metabólicas”, explica o oncologista de São Paulo.

Estudo recente

Um estudo de 2024 relatou que pessoas que tinham pelo menos três dos cinco componentes da síndrome metabólica tinham um risco 30% maior de desenvolver cânceres de todos os tipos durante o período de estudo (nove anos) em comparação com aquelas que tinham menos de três desses fatores de risco.

“Os pesquisadores descobriram que o risco de câncer de mama, endométrio, rim, colorretal e fígado entre aquelas no grupo com as maiores pontuações de síndrome metabólica era entre duas e quatro vezes maior do que aquelas com as menores pontuações”, explica o médico.

A obesidade, um componente da síndrome metabólica, está associada a altos níveis de inflamação que danificam tecidos saudáveis e contribuem para o surgimento de pelo menos 13 tipos de câncer.

“Por exemplo, estudos mostram que mulheres obesas têm um risco três vezes maior de câncer endometrial e um risco 2,5 vezes maior de câncer renal em comparação com suas contrapartes metabolicamente saudáveis e de peso normal. O excesso de gordura corporal, especialmente ao redor da região central, impulsiona o aumento da inflamação, do açúcar no sangue e da produção do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), todos os quais estão ligados a certos tipos de câncer”, diz Dr. Ramon.

“Os mecanismos podem ser diferentes para diferentes tipos de câncer, mas a disfunção metabólica é o denominador comum”, explica.

Mas o que comemos e quanto pesamos não são os únicos fatores em jogo. Pesquisas mostram que mesmo indivíduos com peso normal e síndrome metabólica têm um risco maior de desenvolver câncer.

“O estilo de vida, por exemplo, pode mudar a resposta do seu corpo à insulina e o quão bem você converte energia dos alimentos em combustível utilizável. Estudo após estudo relaciona estresse, sono interrompido, inatividade e solidão com cânceres de todos os tipos, independentemente do peso ou índice de massa corporal”, explica o oncologista.

Afastar-se dos excessos

Células cancerígenas devoram glicose, mas cuidado com extrapolações. A teoria de que o câncer é uma doença metabólica data da década de 1920, quando o cientista alemão Otto Warburg relatou que as células cancerígenas têm uma peculiaridade metabólica: “Ao contrário das células normais, as células cancerígenas usam glicose quase exclusivamente para energia, mesmo quando há oxigênio suficiente para quebrar fontes alternativas de combustível, como ácidos graxos e proteínas”, diz o Dr. Ramon.

Mas isso não significa que é possível eliminar os carboidratos da dieta para ‘matar de fome’ as células cancerígenas. “Os estudos não são conclusivos a respeito desse tema. Sabemos que devemos nos afastar dos excessos. O consumo excessivo de glicose por meio de bebidas adoçadas com açúcar e carboidratos refinados (também conhecidos como açúcar) aumentam o risco de câncer. O descontrole de açúcar no sangue deve ser observado. A literatura científica sugere que pacientes com diabetes que tomam o medicamento estabilizador de açúcar no sangue metformina têm menos probabilidade de ter câncer do que aqueles que não tomam o medicamento”, explica o médico.

Intervenção precoce

A compreensão dos cientistas sobre os fundamentos metabólicos do câncer continua a evoluir. “Portanto, monitorar níveis de açúcar no sangue, pressão arterial e colesterol, e tomar medidas para reprogramar a disfunção metabólica pode ajudar os médicos a encontrar o câncer mais cedo, ou até mesmo preveni-lo completamente. Além disso, tornar-se metabolicamente saudável por meio de estratégias de estilo de vida pode melhorar as chances de sobrevivência para quem já tem câncer. Com inúmeras maneiras de melhorar os fatores de risco metabólicos, os pacientes podem assumir o controle de sua saúde, pelo menos até certo ponto. As decisões que eles tomam todos os dias podem fazer uma diferença dramática em seu risco de desenvolver câncer e outras doenças”, finaliza o médico.