Lançada em março de 2025 na Netflix, a minissérie britânica Adolescência tem dado o que falar, especialmente entre pais e psicólogos. Com vários assuntos e análises a serem feitas, hoje gostaria de me ater à atuação do psicólogo em casos como esse. Mas, antes de mais nada, vamos conhecer um pouco do enredo?

Na história, acompanhamos Jamie Miller (Owen Cooper), que é acusado de assassinar uma colega de escola. O drama não foca apenas no crime em si, mas também nas repercussões psicológicas e sociais geradas tanto para o adolescente quanto para a sua família, que se vê envolta em emoções conflitantes, como vergonha, negação e a busca por respostas.

Como (futuros) psicólogos, a minissérie é um prato cheio para análises, mas não para por aí, pois conta com um episódio inteirinho voltado à interação de Jamie com a psicóloga designada a avaliá-lo. E é para esse momento que vamos voltar nossa atenção hoje.

O episódio

O episódio 3 começa com a psicóloga tentando criar um ambiente acolhedor para que Jamie se sinta à vontade. Ela pega chocolate quente com marshmallows que ele gosta, leva um sanduíche, faz brincadeiras. Jamie, a princípio, se monstra aberto, mas, à medida que a psicóloga faz perguntas relacionadas à sua família, ele parece desconfortável, mas aceita falar sobre essa dinâmica e suas frustrações familiares, como a falta de comunicação com seus pais e o sentimento de isolamento.

O episódio revela um pouco sobre sua família disfuncional, na qual sua mãe, que parece estar em uma negação sobre o acontecido, se recusa a aceitar que Jamie possa ser responsável por algo tão grave, enquanto seu pai está em desespero, tentando entender como o filho se envolveu nessa situação.

A psicóloga se depara com vários momentos de raiva e descontrole por parte do adolescente com os quais precisa lidar de maneira firme para que o mesmo se acalme e possam continuar a avaliação. Por mais estratégicas que as perguntas da profissional sejam, não vamos nos ater muito a elas hoje, mas sim no papel em que ela está representando ali, o de psicóloga jurídica.

Comportamento humano

A psicologia jurídica é uma área da psicologia que estuda o comportamento humano e o sistema jurídico. Abrange o estudo, a avaliação, a prevenção, o acompanhamento e o tratamento de fenômenos psicológicos que afetam ou podem vir a afetar a conduta de uma pessoa ao ponto de levá-la a infringir as normas legais vigentes na sociedade. O psicólogo jurídico trabalha junto aos advogados, fornecendo dados e laudos psicológicos necessários que contribuem com o processo judicial.

A conduta humana é de interesse tanto do direito quanto da psicologia jurídica, mas, enquanto os psicólogos tratam de estudar as características dos comportamentos, os advogados trabalham com as leis que regulam essas condutas. Em casos que há um desvio de conduta com origem psicológica, esse profissional irá atestar, justificar ou explicar, a partir do ponto de vista psicológico, os motivos que levaram ao delito.

Quando essa área é analisada à luz de uma minissérie como Adolescência, que envolve um crime, a psicologia jurídica oferece uma perspectiva para compreensão de como fatores psicológicos influenciam o comportamento e a responsabilidade de um indivíduo no contexto da justiça.

Avaliação

Um dos aspectos principais da psicologia jurídica é a avaliação psicológica, que envolve a análise do estado mental de um indivíduo no momento do crime, durante o processo judicial e em relação ao seu comportamento futuro. No caso de Jamie, a psicologia jurídica poderia ser aplicada para determinar se ele possui responsabilidade penal, como quando a psicóloga faz perguntas para compreender se o adolescente tem noção do acontecido e se compreende o que é a morte e que Katie está morta.

A psicologia jurídica avalia se Jamie compreende o que estava fazendo quando cometeu o crime e se havia intenção de cometer o ato ou se ele estava agindo de maneira impulsiva ou influenciado por fatores externos, como traumas ou pressões sociais. Dependendo das circunstâncias, pode ser feito um exame para avaliar se há algum transtorno psicológico que tenha impactado sua percepção e seu julgamento no momento do crime.

No contexto jurídico, a idade de Jamie é um fator importante, pois se avalia como o desenvolvimento cognitivo e emocional pode influenciar a compreensão das consequências de suas ações. Por ser um adolescente, isso pode afetar a decisão de se ele será julgado como um adulto ou se será tratado de maneira mais branda, com foco na reabilitação.

No campo da psicologia forense, a análise do comportamento criminal, incluindo a motivação é essencial. Em casos como o da minissérie, é preciso fazer a avaliação dos fatores que poderiam ter levado Jamie a cometer o crime, como influências externas, conflitos familiares, bullying ou problemas emocionais. Os psicólogos podem usar entrevistas e testes psicológicos para tentar entender se ele agiu de forma premeditada ou se foi algo impulsivo, como resultado de um impulso emocional, bem como o risco de reincidência.

Riscos

Jamie apresentou comportamento um tanto quanto agressivo com a psicóloga durante a sessão, abrindo uma brecha para discutirmos não só a atuação do psicólogo jurídico, mas os riscos que o mesmo pode correr. A agressividade de Jamie pode ser vista como um reflexo de fatores emocionais e psicológicos, como trauma, frustração, isolamento e dificuldade em lidar com a culpa e o arrependimento. A maneira como a psicóloga lida com esse comportamento é fundamental para garantir que o processo terapêutico não seja comprometido e que Jamie consiga, de alguma forma, se abrir para a avaliação.

Na psicologia jurídica, lidar com a agressividade de um adolescente em processo de avaliação pode ser um grande desafio e é preciso saber equilibrar seu papel como profissional de saúde mental com a necessidade de ajudar a esclarecer o comportamento de Jamie para o sistema de justiça. O comportamento agressivo do personagem pode levantar questões sobre sua capacidade de julgamento e sua responsabilidade penal, e, em uma avaliação psicológica, o psicólogo precisa avaliar até que ponto a agressividade do paciente está relacionada a um transtorno psicológico ou se é uma resposta a uma situação específica.

O risco de comportamentos agressivos futuros também precisa ser levado em conta. Em casos como esse, os psicólogos devem manter uma postura imparcial, o que significa que, embora sejam empáticos com o paciente, também precisam manter limites claros. A psicóloga de Jamie demonstra isso ao não ceder ao comportamento agressivo ao mesmo tempo que tenta criar um espaço seguro para que ele se abra.

Se a psicóloga não for cuidadosa, o comportamento agressivo de Jamie pode se intensificar, o que pode prejudicar a relação terapêutica e até mesmo colocar a integridade física e emocional dos envolvidos em risco. Em situações de comportamento agressivo extremo, a psicóloga pode precisar intervir de forma mais direta e envolver outras autoridades, como a polícia ou seguranças. Para isso, é essencial que o psicólogo saiba quando o comportamento do paciente ultrapassa os limites do tratamento terapêutico.

Dicas de livros

Você se interessa pela área jurídica? Eu tenho as dicas perfeitas para você e para a psicóloga de Jaime: os livros Violência: compêndio teórico-prático sobre vítimas e agressores (Cristiane Flôres Bortoncello) e Avaliação psicológica: contextos de atuação, teoria e modos de fazer (Sabrina Martins Barroso, Fabio Scorsolini-Comin e Elizabeth do Nascimento).