O fim de um casamento ou união estável gera grande impacto não somente para o casal, mas também aos filhos, que sofrem com alterações em sua rotina, sentimentos de medo e insegurança. Uma consequência ainda mais negativa que pode surgir nesses momentos é a alienação parental. Trata-se de um fenômeno que ocorre quando um dos pais manipula a mente do menor para afastá-lo do outro genitor com o uso de diversos artifícios, como difamação, desvalorização e restrição do contato, que influenciam negativamente a percepção da criança ou do adolescente, resultando em sentimentos de raiva, medo e rejeição.

A prática, além de ferir o direito infantojuvenil a uma convivência familiar saudável, é considerada uma forma de abuso emocional e gera distanciamento afetivo do genitor-alvo e consequências para o desenvolvimento emocional e psicológico dos filhos. O genitor que aliena também pode ser afetado com sentimentos de solidão, culpa e arrependimento com o passar do tempo e a perpetuação do conflito. Em resumo, todos saem prejudicados.

Portanto, a construção de uma relação saudável entre os genitores mesmo diante do rompimento de laços conjugais, priorizando o bem-estar dos filhos, é fundamental. Como isso nem sempre ocorre voluntariamente, o direito de família dispõe de um conjunto de normativas para contribuir na solução de tais problemas. Nesta entrevista, a advogada Thaís Cristina Freitas Marques, associada do escritório Martins Cardozo Advogados Associados, aprofunda o tema.

Currículo

Thaís é bacharel em direito e pós-graduada em novas tendências do direito público pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB), pós-graduanda em direito de família e sucessões pela Damásio, pós-graduanda em mediação e conciliação pelo Centro de Mediadores e aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB/PPGD).

Também é professora voluntária do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais (CBEC Universitário), organizadora do grupo de pesquisa Constituição Democracia e Sociedade/CEUB, membro do grupo de Pesquisa de Direito Internacional Privado/UnB, da comissão de direito processual civil aplicado ao direito das famílias do IBDFAM/DF e da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/DF. Atua majoritariamente em litígios que envolvem direito civil, direito de família e sucessões.

O que deve balizar a adoção de medidas relacionadas aos filhos após o rompimento do vínculo conjugal?

No momento do divórcio ou da dissolução da união estável, o rompimento do vínculo conjugal entre os genitores não deveria causar impactos significativos na relação de ambos com os filhos, especialmente porque todos deveres e obrigações do ponto de vista parental vão se manter. Então a preservação do melhor interesse da criança e do adolescente deve ser o principal balizador inclusive na adoção das medidas, sejam elas relativas à fixação de alimentos, à fixação da guarda e até mesmo do regime de convivência que as partes irão adotar.

Partindo desse princípio do melhor interesse do menor, o que se espera mesmo em um momento como esse é que reste consignado um acordo, uma decisão judicial, que atenda às necessidades dos filhos e que lhes conceda um pleno desenvolvimento físico, mental, moral, social, inclusive em consonância com o que dispõe o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Qual a prática do judiciário brasileiro quando se trata do melhor interesse dos menores?

Quando se trata do melhor interesse da criança e do adolescente, atualmente, a prática do judiciário é a aplicação da guarda compartilhada. Conforme o parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil, pode ser compreendida como uma responsabilização conjunta justamente desse exercício dos direitos e deveres de pai e de mãe.

Contudo, é sabido que essa guarda compartilhada não será viável em todos os casos. Por essa razão, há situações em que o juízo ou até mesmo as partes voluntariamente, por meio de uma autocomposição, de um acordo, optarão pela chamada guarda unilateral. Nesse ponto, referenciando o professor Rolf Madaleno, que é um expoente na área do direito de família, pelo princípio da continuidade das relações familiares, o genitor que será o detentor da guarda unilateral terá por obrigação facilitar o relacionamento dos filhos com o outro genitor que não seja o guardião naquele momento.

A guarda unilateral contribui para a prática da alienação parental?

A guarda unilateral não pode ser conceituada ou entendida como algo que, por certo, ensejará uma alienação parental. Nós não podemos tirar essas conclusões pela simples modalidade da guarda. Mas é claro que, pela convivência, às vezes, se mostrar um pouco mais aproximada com o genitor guardião, é possível que essas práticas se manifestem com uma maior frequência nessas hipóteses.

Na legislação, qual o conceito da alienação parental?

A alienação parental encontra disposição específica no âmbito da legislação na Lei nº 12.318, de 2010. Inclusive o artigo segundo apresenta um brevíssimo conceito que se refere a essas práticas como uma interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos seus avós ou até mesmo por outra pessoa que tenha os menores sob sua guarda, sob sua autoridade ou sob até sua vigilância.

Dentre as práticas mais comuns, está, por exemplo, dificultar o exercício da convivência familiar, um dos genitores ou uma dessas pessoas que exercem a guarda, a autoridade diante da criança ou do adolescente, mudar de domicílio visando dificultar essa convivência e até mesmo apresentação de falsa denúncia contra o genitor, contra familiares, para tentar dificultar essa convivência. Trata-se de uma violência intramuros, intrafamiliar, que acaba por violar os direitos do menor.

Como deve proceder o genitor-alvo da alienação parental para fazer valer seu direito à convivência com os filhos?

Sendo identificado algum indício de alienação parental, é importante que o genitor-alvo procure um advogado, preferencialmente que seja especialista em direito de família, para que possa proceder com as medidas judiciais adequadas. Porque a própria lei da alienação parental atribui ao dever do juízo, em havendo indício dessas práticas, que ele determine inclusive perícia psicológica, biopsicossocial, para poder ter uma ampla avaliação do caso. A qual permite, por exemplo, por meio de entrevistas com as partes, exames e documentos, avaliar a personalidade dos indivíduos e, sobretudo, verificar de que forma a criança ou o adolescente se manifesta sobre essa acusação proferida contra o outro genitor.

Normalmente, essa perícia é feita por um profissional ou por uma equipe multidisciplinar, justamente por possuírem a expertise necessária para poder conceder ao magistrado responsável os aspectos técnicos para que ele possa assim decidir da melhor maneira e atendendo às necessidades e às peculiaridades daquele núcleo familiar.

Quais medidas um juiz pode determinar nesses casos?

Um juiz poderá adotar algumas medidas para tentar inibir, minimizar, os danos que vêm sendo causados à criança ou ao adolescente submetido a essa forma de violência. Entre elas, está a inversão ou alteração da fixação dessa guarda. Já houve casos inclusive de estipulação de sansão pecuniária ao genitor alienador. O juiz também poderá fazer uma alteração no regime de convivência entre o menor e o genitor que vem sendo prejudicado, para que ele tenha uma melhor oportunidade de se aproximar novamente do filho, e até mesmo determinar o acompanhamento psicológico ou outro tratamento terapêutico.