Este “muito” remonta há alguns séculos. Westerhoff (2010) cita alguns personagens históricos que já enfatizavam a importância do afeto na aprendizagem. Erasmo de Rotterdan é o primeiro da lista, quando postulou que “somente quem aprende sem medo aprende com êxito” (p. 36).

Johann Heinrich Pestalozzi, um tempo depois, destacou a importância das emoções na relação professor-aluno, em que a confiança é a base primordial, e ressaltou que a aprendizagem deve se dar coração a coração. Ele foi contra os processos de ensino-aprendizagem de sua época, que eram baseados nos castigos físicos e humilhações.

Mas foi Henri Wallon quem colocou a afetividade em um patamar idêntico ao da cognição e da motricidade. Para ele, motricidade, afetividade e cognição constituem uma tríade indissociável em termos do psiquismo, e que se manifesta de maneiras diferentes em momentos diversos no desenvolvimento do indivíduo.

Wallon, que foi conterrâneo de Jean Piaget e Lev Vigotski, considerava a emoção como essencialmente fisiológica, sendo uma linguagem anterior à fala (Bastos, 2014). A afetividade, por sua vez, surgiria a partir da emoção, sendo um processo que envolveria a percepção.

Lev Vigotski foi outro autor que também falou sobre a emoção e seu papel na aprendizagem (2018). Ele expressou o papel fundamental da emoção no comportamento: “a emoção mantém seu papel de organizador interno do nosso comportamento” (p. 139), pois “as emoções complexificam e diversificam o comportamento” (p. 135).

Ele explica este papel da seguinte forma: “se uma emoção forte, ligada à vontade e ao medo, atua de modo tão desestabilizador sobre o comportamento e perturba até o fluxo das reações inferiores, é fácil compreender o quanto são antipsicológicos todos os procedimentos pedagógicos como exames e similares {…]” (p. 87). E outras práticas docentes nada recomendáveis também.

Se Vigotski tinha certeza do que dizia ou não, não sabemos. Mas, claramente, foi extremamente correto ao postular tal associação entre a emoção e o comportamento.

Tracey Tokuhama-Spinosa (2014) é bem enfática neste sentido, ao afirmar que a “aprendizagem é ampliada pelo desafio e inibida pelo medo” (p. 231).

Vigotski enfatizava esta importância ao ressaltar que “o fato emocionalmente colorido é lembrado com mais intensidade e solidez do que um fato indiferente. Sempre que comunicamos alguma coisa a algum aluno devemos procurar atingir o seu sentimento” (p. 141). Isso confere ao ato comunicativo com o aluno uma importância especial, a do professor procurar “temperar” sua aula com o colorido emocional, o humor, a empatia e a flexibilidade cognitiva necessárias para lidar com as intempéries naturais do ambiente da sala de aula. Ele, porém, vai além disso.

A sugestão de Vigotski abrange o próprio ensino de conteúdos: primeiramente, o “momento da emoção e do interesse deve necessariamente servir de ponto de partida a qualquer trabalho educativo” (p. 145), ou seja, “o mestre deve suscitar a respectiva emoção do aluno e preocupar-se com que essa emoção esteja ligada a um novo conhecimento” (p. 144). Em outros termos, trata-se de utilizar os afetos em sala de aula intencionalmente não só como ambiência, mas também como um elemento atrelado à aprendizagem dos conteúdos.

Mas talvez o que mais enfatize a importância da afetividade – e, portanto, as emoções – seja a relação evidenciada por Tokuhama-Spinosa (2014): “não há decisão sem emoção, não há aprendizagem sem solução de problemas, não há aprendizagem sem emoção” (p. 230).

A Questão das Crenças

Se há algo poderoso no mundo da Educação, é o que comumente é chamado de crença. Uma crença, no sentido da abordagem pretendida neste artigo, é um pensamento que se acredita, de forma convicta, ser verdadeiro. Crenças, de fato, são tão poderosas que, não raro, distorcem a realidade de forma que há uma interpretação desfocada, influenciando fortemente o comportamento emocional e as atitudes, tornando não raro o modo de sentir e agir totalmente determinado por ela.

Segundo Lipp (2019), há uma classe de crenças que são geradoras de problemas de difícil solução: as crenças irracionais, que levam a uma interpretação de mundo baseada em um pensar distorcido, e que “elicia emoções inapropriadas ao evento presente”, além de induzir a comportamentos desadaptativos (p. 27). Dentre as modalidades de crenças irracionais, há uma de especial interesse para este artigo: a desvalorização pessoal. Isto é algo que acomete muitos alunos. Quem é ou já foi professor em sala de aula sabe muito bem disso.

Em termos dos resultados de aprendizagem, a crença de que não se é capaz de aprender pode fortemente comprometer ou até impedir a aprendizagem por parte de um aluno. Claro que as crenças irracionais não são as únicas, também há as racionais, mas claramente as primeiras estão relacionadas à “não possibilidade da aprendizagem” por parte do aluno, pois não há, de fato, quem não possa aprender.

Não há como mensurar as consequências em termos de comportamento emocional ou até mesmo reações fisiológicas que podem desmotivar, dificultar ou mesmo impedir que o aluno possa aprender, tornando disfuncionais, por exemplo, sua atenção e os processos de memória, que estão ligados diretamente à aprendizagem. É algo que merece extrema atenção no ambiente escolar.

Motivação

Motivação e comportamento motivado são causados pela mesma causa: “o motivo ou o conjunto de motivos para a ação” (Codea, 2020, p. 40). Em outros termos, podemos dizer que os comportamentos podem ser direcionados pelos motivos que o impulsionam, e que motivos são emocionais, pois são determinados por nossas necessidades. Envolvem o sistema límbico, e são mediadas, inclusive, por questões que perpassam o nosso inconsciente.

O comportamento motivado para aprender envolve, não raro, questões que vão muito além do mero ambiente de sala de aula e que tem a ver com a vida do aluno fora da escola. Mas indo além de tais questões, muito pode ser feito pelo professor e pela escola para melhorar o comportamento no sentido de fazer o aluno apreciar e gostar do ambiente escolar e da aprendizagem. É uma tarefa essencial para o sucesso da aprendizagem.

E MAIS…

O que fazer então?

Há variadas ações que podem ser feitas em sala de aula melhorar a aprendizagem utilizando a afetividade. A seguir estão listadas algumas recomendações que podem fazer a diferença entre a sala de aula do jeito que está e outra com alunos mais motivados positivamente, mais interessados em aprender e com maior autonomia. Ou seja, de como a afetividade pode transformar positivamente sua sala de aula – e sua vida.

1 – Use a curiosidade – “o ato de ser curioso motiva o aprendizado” (Codea, 2020, p. 46), pois nos motiva a procurar respostas para os problemas. Isso significa não dar respostas prontas para seus alunos, mas trabalhar neles o “espírito de cientista”, ou seja, a descobrir as respostas por si mesmos. Pergunte bastante sobre o conteúdo que deseja trabalhar com eles, instigue questões. Trabalhe com solução de problemas com os alunos.

2 – Use Novidades – novidades ativam o sistema atencional, e “são motivadores essenciais para ativar o nossos sistema de recompensa” (Codea, 2019, p. 55). Tratar conteúdo novo como uma grande novidade, ao invés de simplesmente apresentá-lo de forma mecânica aos alunos pode fazer a diferença em relação às suas motivações para aprender. Pode-se fazer isso variando o tipo de tarefa, usando jogos e desafios, colocando os alunos para solucionar problemas – novamente.

3 – Use Neurônios-Espelho – neurônios-espelho são uma classe de neurônios que nos torna capazes de entender a intenção alheia, criar empatia e copiar comportamentos. Por exemplo, “criamos mais empatia por pessoas sorridentes do que por pessoas carrancudas” (Codea, 2020a, p. 51), o que sugere que receber e atender alunos com um sorriso no rosto e com bom humor pode criar um clima de empatia em sala de aula. Sugere também que sua forma de agir também será copiada. Se é uma pessoa agradável e pacífica, seus alunos tenderão a copiar ou no mínimo a respeitar este comportamento. E o contrário também será verdadeiro. Tokuhama-Spinoza (2014) é enfática no sentido de sugerir que “professores devem ser mais conscientes de gerenciar ativamente o clima social e emocional de sua sala de aula” (p. 233).

4 – Use Recompensas – calma, não se trata de dar dinheiro, docinhos ou outros “prêmios” para os alunos. Se trata de modelar comportamentos. Há várias classes de recompensas que podem ser usadas pelo professor. Dentre elas, salientamos o reconhecimento pelas pequenas vitórias decorrentes dos esforços dos alunos, representado por um “muito bem”, ou mesmo por um “não desista, tente novamente, mude isto aqui”, quando o aluno não tem sucesso. Ou, como diz Tokuhama-Spinosa, “recompense a perseverança e celebre o erro”. Reconhecimento genuíno é uma das mais poderosas formas de recompensas. Reconhecimento é afeto.

5 – Use o Conhecimento de Mundo – há um tipo de memória – a memória semântica – “que armazena informações gerais sobre objetos, lugares, fatos e pessoas” (Williams e Ribeiro, 2015, p. 42), e há um segundo tipo – a memória episódica – que se refere aos eventos pelos quais passamos. Em suma, a aprendizagem decorrente dessas memórias é única em cada um, pois tanto o conhecimento semântico quanto o episódico decorrem de nossas percepções e experiências. E todas têm total influência da afetividade, pois as emoções geradas por tais experiências são pessoais. Aproveitar tais conhecimentos são uma forma de conectar a nova informação às informações existentes, além de valorizar as experiências únicas de seus alunos. Traga os conhecimentos deles à sala de aula como forma de reconhecimento e de conexão, e a aprendizagem será em muito ampliada. Como sugere Tokuhama-Spinoza (2014), “o estabelecimento de conexões emocionais relevantes ao que está sendo aprendido é chave para relembrar a informação” (p. 233).

6 – Use as Crenças – conforme visto, crenças na não aprendizagem são um poderoso meio de impedir ou atrapalhar que o aluno tenha sucesso em aprender. E a única forma de combatê-las é com um sistema de crenças contrário, ou seja, criando crenças de que todos somos capazes de aprender, que não alguém que não seja capaz e, principalmente, de que dificuldades não são impossibilidades. Combater as crenças impeditivas ou incapacitantes pode ser a diferença entre seus alunos aprenderem ou não, pode ser a diferença entre um aluno desmotivado e motivado para a aprendizagem.

7 – Use o Bom Humor – não há nada melhor do que uma pessoa com bom humor, especialmente nos momentos mais críticos e delicados em um contexto de sala de aula. O bom humor transforma situações complexas em amenas, desfaz semblantes amargurados e contribui enormemente para a boa ambiência e a aprendizagem. Claramente, não há como se estar bem todo o tempo, afinal professores são seres humanos e também têm problemas. Porém, sempre que possível, use o bom humor para as situações que acontecem em sala de aula, em especial as mais críticas. Os resultados são sempre surpreendentes, positivamente, é claro.

8 – Use os outros – nem sempre temos todas as respostas. Nem sempre o que fazemos dá certo. Nem sempre o que pensamos estar correto está. Não hesite em pedir ajuda. Esta ajuda pode ser para os próprios alunos, para os colegas professores, para a equipe gestora, para seus amigos, enfim, ideias e atitudes alheias podem ser sempre bons aconselhadores. Isso mostra aos outros se tem humildade e, principalmente, que trabalhar em conjunto é sempre melhor do que sozinho. Trabalhar com os alunos, particularmente, na solução dos problemas comuns, pode ser a melhor solução, já que os engaja ativamente em melhorar o que não está bom em termos de sua própria aprendizagem. Não trabalhe sozinho.

9 – Use o Engajamento – de tudo o que foi proposto até o momento, o engajamento soa como um corolário. Alunos engajados são talvez o mais desejado pelos professores em qualquer momento do sistema de ensino. Ter alunos engajados significa ter alunos autônomos e autorregulados no que diz respeito à sua aprendizagem. Engajamento se constrói, é trabalhável no contexto da sala de aula. Não é por menos que autogestão e engajamento com os outros são dois pilares – ou macrocompetências – das competências socioemocionais (IAS, 2023)

10 – Use a Paixão! – concordamos plenamente com Tokuhama-Spinosa (2014) quando ela propõe essa prática. E complementa: “sem paixão, não há motivação, e sem motivação (positiva ou negativa, intrínseca ou extrínseca), não há aprendizagem” (p. 241). A paixão é contagiante, é inspiradora. Professores apaixonados são reconhecidamente respeitados e amados. Ao lembrar de um grande professor de sua vida, veja se ele não se encaixa nessa perspectiva: um professor apaixonado.

Referências
Bastos, Alice Beatriz Barretto Izique. Wallon e Vygotsky: psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
Codea, André Luiz de Britto Teles. Neurodidática: fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: Editora Wak, 2019.
Codea, André Luiz de Britto Teles. Dossiê: somos movidos por recompensas e punições. Revista Psique, nº 166, ano 12, 2020.
Codea, André Luiz de Britto Teles. Dossiê: motivação aumenta com a novidade. Revista Psique, nº 166, ano 12, 2020a.
IAS – Instituto Ayrton Senna. Competências Socioemocionais dos Estudantes. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/o-que-defendemos/socioemocional-estudantes/. Acesso em: 08/01/2023.
Lipp, Marilda Emmanuel Novaes. Crenças e Emoções. Psique Ciência e Vida, nº 164, p. 23-31, Outubro de 2019.
Tokuhama-Spinosa, Tracey. Making Classrooms Better: 50 practical applications of Mind, Brain and Education Science. New York: W. W. Norton & Company, 2014.
Vigotski, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. 3.ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
Westerhoff, Nikolas. La neurodidacta a examen. Mente y Cerebro, nº 44, Septiembre/Octubre de 2010.
Williams, Caroline; Ribeiro, Fernanda Teixeira. Alicerces da Aprendizagem. Revista Neuroeducação, nº 3, 2015.