Uma das maiores tradições de final de ano é o estabelecimento de metas para o ano que vai se iniciar, simbolizando um recomeço. Confesso que a escolha de filme foi difícil dessa vez, mas a senhorita Jones veio ao meu socorro com seu diário e suas metas. Uma mulher de 32 anos um tanto quanto atrapalhada, ela decide que já está mais do que na hora de tomar o controle de sua própria vida. Nos primeiros minutos do filme ‘O diário de Bridget Jones’, a personagem principal comenta sobre suas resoluções de ano novo, como beber menos e parar de fumar, metas possíveis, mas que logo se somam a outras e fogem um pouquinho do controle.
Não podemos negar que o começo de um ano pode ser um ponto simbólico e motivacional para estabelecer metas, afinal quem não fala que o próximo ano será diferente ou melhor? Esse “marco temporal” pode estimular a motivação e o desejo de mudança, mas, para que as metas sejam alcançadas, é importante que sejam específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo. Também é importante que estejam alinhadas com os valores de cada um e com a mudança esperada. Essas características as tornam mais realistas e direcionadas, aumentando as chances de sucesso.
“De repente percebi que, se algo não mudasse, meu principal relacionamento seria com uma garrafa de vinho.” Assim, Bridget Jones decide tomar o controle de sua vida com um diário no qual anota suas metas na primeira página e logo começa a relatar suas angústias cotidianas, aventuras amorosas, frustrações com o peso e a sociedade e muito mais.
O filme traz uma personagem muito próxima da realidade que representa as inseguranças e os dilemas de muitos pacientes que estão em busca do amor enquanto tentam equilibrar a vida pessoal e profissional. Também mostra a evolução de Bridget. Mas, para que a personagem se tornasse madura, feliz e evoluída, as metas estabelecidas tiveram grande importância em sua vida, pois a guiaram para o caminho que ela deveria seguir, além de orientar suas decisões, expandindo seus horizontes. Essas metas, embora muitas vezes inspiradas por uma busca por aprovação externa e por padrões sociais, também podem ser vistas como um reflexo do processo terapêutico, no qual são definidos objetivos para melhorar a saúde mental e emocional.
Objetivos
Metas terapêuticas são objetivos específicos e mensuráveis que paciente e terapeuta estabelecem e que servem como um guia para o trabalho terapêutico, ajudando a direcionar o foco da intervenção e a medir o progresso. Elas são importantes porque dão direção e clareza ao processo de terapia, facilitam o monitoramento do progresso, permitindo avaliar se as intervenções estão sendo eficazes, além de aumentarem o engajamento do paciente, colocando-o em uma posição ativa.
Para melhor entendimento e estabelecimento das metas, elas podem ser separadas em tipos (de acordo com duração/prazo ou foco), podendo ser metas de curto prazo, com objetivos imediatos e tangíveis (como melhorar a qualidade do sono ou reduzir os sintomas de ansiedade); metas de longo prazo, com resultados mais abrangentes (como melhorar a autoestima, lidar de forma mais eficaz com as emoções ou desenvolver habilidades de enfrentamento); metas específicas, como aprender a identificar e mudar pensamentos negativos, melhorar a comunicação em um relacionamento, ou lidar com um evento traumático de forma mais saudável; e metas gerais, que são mais amplas e podem incluir objetivos como aumentar o bem-estar geral, alcançar um equilíbrio emocional ou promover autoconhecimento.
Para que elas sejam eficazes, precisam ser: especificas, mensuráveis, atingíveis, relevantes e temporais, além de serem revisadas e ajustadas conforme o progresso, garantindo que o paciente esteja caminhando em direção ao que é mais importante para ele. O filme reflete muitos dos desafios e das questões que os pacientes podem enfrentar em terapia, e os processos pelos quais Bridget passa são representativos de diversas metas terapêuticas, como aumentar a autoestima, melhorar os relacionamentos interpessoais, reduzir a ansiedade e alcançar o autoconhecimento e a autocompaixão.
Autoestima
No filme, observamos que uma das metas centrais para Bridget era melhorar sua autoestima. No decorrer da história, é perceptível a visão negativa que a personagem tem de si mesma, especialmente em relação ao seu corpo e à sua vida amorosa. Essa é uma área comum de intervenção terapêutica, e um dos objetivos seria ajudar o paciente a se aceitar e valorizar suas qualidades e conquistas, independentemente das comparações com os outros. Na sessão, técnicas da terapia cognitivo-comportamental (TCC) poderiam ser usadas para trabalhar a reformulação de pensamentos automáticos negativos sobre si mesmo e a autocompaixão.
Outra questão clara ao longo do filme é a relação de Bridget com a validação, se tornando algo necessário para a personagem. Em terapia, uma meta seria trabalhar a autossuficiência emocional, ajudando o paciente a reduzir a dependência da aprovação dos outros para sua autoestima e segurança. Esse processo envolve reforçar a confiança interna e ajudar o indivíduo a desenvolver um senso de validação interna, ou seja, aprender a se aprovar e se valorizar independentemente do que os outros pensam. Essa meta pode ser trabalhada de forma gradual por meio de estratégias que desafiem as crenças subjacentes que mantêm essa necessidade de aprovação externa.
Reflexão
No filme, Bridget usa o diário como uma forma de reflexão sobre suas ações, emoções e experiências. Essa prática é muito comum em terapias, como na TCC, em que o paciente é incentivado a escrever sobre seus pensamentos e sentimentos como tarefa que ajudará a alcançar a meta. Esse processo de auto-observação permite que o sujeito se distancie das emoções e reflita sobre seus padrões de comportamento e de pensamento, sendo uma das metas centrais da terapia.
Mas o que me chamou a atenção de maneira especial foi que Bridget não conseguiu atingir todas as metas e se frustrou. Vocês sabem por quê? Porque as metas traçadas não foram realistas. Devemos ter muito cuidado, como (futuros) psicólogos, ao estabelecermos metas terapêuticas com nossos pacientes. Elas precisam estar de acordo com a realidade, a capacidade e a vontade de cada paciente, entendendo que o processo de mudança não é linear.
Diferença
Para finalizar e não deixar confusão na cabeça de vocês: existe uma diferença entre metas terapêuticas e tarefas terapêuticas. As metas terapêuticas estão frequentemente relacionadas a tarefas terapêuticas, que são ações ou exercícios que o terapeuta propõe para ajudar o paciente a alcançar seus objetivos. Metas terapêuticas são objetivos a serem alcançados no processo terapêutico, enquanto as tarefas terapêuticas são os passos práticos ou as ações específicas para alcançar essas metas. As tarefas servem para ajudar a concretizar as metas, tornando o processo de mudança mais tangível e mensurável.
No filme ‘O diário de Bridget Jones’, as metas que Bridget estabelece para o ano (como melhorar sua aparência, encontrar um namorado, ser mais disciplinada) podem ser vistas como metas terapêuticas, enquanto suas ações e reflexões (escritas no diário, tentativas de mudança de comportamento) representam as tarefas terapêuticas que ela tenta cumprir.
Para que você possa auxiliar seus pacientes na definição de metas terapêuticas e tarefas a serem cumpridas, ficam algumas dicas de livros da Sinopsys Editora: Protocolos clínicos em terapia cognitivo-comportamental: de Beck à terceira onda (Sabrina Martins Barroso e Deise Coelho de Souza), com um capítulo inteirinho para definição de metas; Tarefas terapêuticas para clínica cognitivo-comportamental (Sabrina Martins Barroso) e Mais tarefas terapêuticas para clínica cognitivo-comportamental: atividades por objetivos clínicos (Sabrina Martins Barroso).