As estatísticas atuais apontam que os idosos representarão 36% da população brasileira em 2030. A procura e a oferta da psicoterapia para pessoas acima de 60 anos ainda são pequenas quando comparadas com outras faixas etárias, mas isso está mudando, pois os indivíduos da chamada terceira idade, cada vez mais, estão buscando atendimento psicológico para diferentes demandas. Portanto, os profissionais da área precisam saber trabalhar com esse público e entender suas particularidades.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela psicóloga Heloísa Gonçalves Ferreira, mestre e doutora em psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), professora do Departamento de Cognição e Desenvolvimento Humano e do programa de pós-graduação em psicologia social do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde é líder do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Envelhecimento (GEPE). Também é sócia-fundadora da Associação Brasileira de Psicogerontologia (ABPsiGero) e membro do GT Pesquisa em Psicogerontologia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP).
Em parceria com a também psicóloga Sabrina Martins Barroso, Heloísa é organizadora do livro Casos clínicos com pessoas idosas nas abordagens comportamental e cognitivo-comportamental, publicado pela Sinopsys Editora. Direcionada a profissionais de psicologia que atendem ou desejam atender ao público idoso, a obra tem como objetivo mostrar que o desenvolvimento humano perdura ao longo de todo o ciclo da vida e que, nas etapas tardias, ainda é possível fazer novas construções, mudar crenças, comportamentos e emoções.
Qual é a realidade das pessoas idosas no Brasil atualmente?
Temos uma realidade extremamente heterogênea, porque é a etapa em que se vê mais variações de trajetórias. A depender dos contextos, um recém-nascido vai se comportar de uma forma muito semelhante, mas, se você pensar na etapa da velhice, já houve todo uma vida inteira de relações, de contextos, de oportunidades e de estilos de vida diferenciando demais as trajetórias. Dessa forma, se pode ver uma pessoa idosa superativa, que corre uma maratona, que trabalha bastante, fisicamente ativa, e você também pode ver uma pessoa idosa fragilizada, institucionalizada, sofrendo isolamento social, solidão.
Portanto, os perfis são extremamente diversos, e essa diversidade é um grande desafio para todos os profissionais que trabalham com as pessoas idosas, porque as demandas podem ser muitas. E o Brasil especificamente é um país que ainda está envelhecendo marcado por profundas desigualdades sociais. Também observamos o fenômeno da feminilização da velhice: são as mulheres que vivem mais tempo aqui no país. Também vemos altos índices de vulnerabilidade social e grupos em risco para desenvolver tanto doenças físicas quanto mentais.
Para complementar, havia uma estatística que chegaríamos a 25% da população idosa até 2050. A estatística atual, que foi revista com a Covid-19, já coloca 2030 com 36% da população brasileira idosa. Isso engloba pessoas com as características mais heterogêneas que podem precisar buscar atendimento psicológico, e os profissionais da área terão que estar preparados para trabalhar com elas.
Com que frequência esse público busca atendimento psicoterapêutico?
Os públicos que mais recebemos em psicoterapia são adultos e crianças levadas pelos pais. Pessoas acima de 60 anos representam entre 20% e 30%, mas esses números vêm aumentado, porque as pessoas idosas estão entendendo que têm direito à felicidade, a se reinventar e a querer uma vida melhor em qualquer etapa. E a expectativa é que aumente muito, não apenas porque a população está envelhecendo, mas porque as pessoas idosas também estão entendendo que o atendimento psicológico pode ter um grande impacto na qualidade de vida e nos anos que elas têm para viver saudáveis.
Já há pesquisas mostrando aumento nessa procura, e precisamos nos preparar para atender a esse público específico, porque não adianta transpor o conhecimento do atendimento clínico com pessoas mais jovens para pessoas mais velhas. É preciso ter uma formação específica para dar conta das demandas desse público, que é muito heterogêneo e isso representa um grande desafio. É necessária uma formação adequada para dar conta dessa demanda.
Não estaria na hora de rever o marcador de idoso, jogando a régua dos 60+ para 70 ou 75+?
Em primeiro lugar, não existe um marcador preciso. Se pararmos para pensar, estamos envelhecendo a partir do momento que um óvulo é fecundado. Uma criança está envelhecendo, todo mundo está envelhecendo. Esse critério de 60+ usado no Brasil (65+ é critério internacional) é meramente cronológico. Ele ajuda, por exemplo, na elaboração de leis e de políticas públicas, por exemplo. É um critério importante para delimitar certos públicos-alvos. E muito provavelmente, aqui no Brasil, daqui a pouco, vai acontecer de ampliar esse marcador, porque a população idosa está crescendo.
Mas tem um problema que é o estereótipo negativo associado às palavras idoso, idosa e pessoa idosa, que remete ao “vovozinho” e à “vovozinha” de cabelos brancos, fragilizados e inativos. Ser velho, ser idoso, não deveria vir associado a esses estereótipos negativos. Precisamos começar a desconstruir o idadismo e não associar a palavra idoso ou idosa a algo negativo.
As gerações vão mudando em termos de comportamento, de crenças, de modos de viver, e isso vai implicando outros modos de viver a velhice. A previsão que temos é que as crenças idadistas sejam cada vez mais descontruídas. Penso que se trata de uma construção social, um processo educativo de anos, para o envelhecimento saudável, o qual começa antes de se ficar velho, independentemente do marcador cronológico determinado pelos governos. A ideia é quebrar o preconceito de que é preciso se encaixar em algum estereótipo. Hoje, há muitas pessoas de 60+ que têm vidas sociais mais ativas do que jovens de 20 anos. Se entendermos que a idade cronológica é só um número, é possível ter uma vida muito mais legal em qualquer etapa.
Como combater o idadismo na sociedade como um todo?
Esta é uma pergunta para meu grupo de pesquisa. Podemos responder de forma mais genérica: vamos fazer intervenções, políticas públicas, campanhas educativas, fazer as gerações conviverem entre elas para poderem criar empatia. Mas penso que ainda falta para nós, aqui no Brasil, entendermos as características específicas de quem sofre mais idadismo e de quem pratica esse tipo de preconceito.
Para quem então temos que direcionar campanhas contra o idadismo? O idadismo está presente dentro das universidades, por exemplo, e em diversos outros lugares. Acredito que, para que sejamos um pouco mais certeiros em pensar essas intervenções, essas políticas públicas e essas campanhas educativas, é preciso entender melhor o perfil desse grupo que sofre idadismo e de quem o perpetra. Então é algo para pesquisarmos, para entendermos e produzirmos material para intervenções que visem combater o idadismo, porque é realmente uma pauta bastante urgente para pensarmos no envelhecimento bem-sucedido, com qualidade de vida e saúde para as pessoas.