“A falta de perdão é quando você não deseja ou é incapaz de perdoar alguém por magoar, trair, quebrar sua confiança ou causar-lhe intensa dor emocional. O perdão é altamente recomendado, pois várias pesquisas foram realizadas que mostram que a falta de perdão causa problemas de saúde, incluindo: Câncer – 61% dos pacientes com câncer têm problemas de perdão, Raiva reprimida – as pessoas muitas vezes ficam com raiva por qualquer motivo, têm problemas associados ao perdão, Baixa autoestima – falta de amor próprio resulta de não perdoar a si mesmo ou autoaceitação, Amargura – aumenta o risco de depressão, Aumentos constantes e preocupantes do risco de privação do sono e ansiedade, Pressão arterial, Doenças cardíacas.” (MEGASE, 2017, s/p.)

4 fases do perdão

Phillip M. Sutton no seu artigo “The Enright Process Model of Psychological Forgiveness”, estabelece, pelo modelo Enright, as quatro fases para o perdão, onde, a primeira fase é a da Descoberta, a segunda da Decisão, a terceira do Trabalho e a quarta e última de Aprofundamento (SUTTON, 2018). Na primeira fase a pessoa descobre e percebe todo o mal que lhe foi feito ou percebe o mal que infligiu a um terceiro, na segunda fase a pessoa toma a decisão de perdoar para poder sair da “prisão do imperdoável” ou, pelo menos, percebe que o perdão é uma opção onde antes não se parecia possível, na terceira fase a pessoa trabalha o perdão e compreende a sua situação de ofensor ou de ofendido e na última fase a pessoa compreende realmente profundamente tudo o que está experienciando e sentido para poder sair de vez dessa prisão e se livrar dessa dor emocional (SUTTON, 2018). O autor ainda menciona que: “Por exemplo, se alguém abusar, ou um motorista bêbado machuca ou mata, um parente próximo ou amigo, não se pode perdoar o abuso ou a ofensa ao dirigir embriagado. Mas pode-se perdoar a dor emocional, angústia e perda experienciada por si mesmo porque um ente querido foi vitimado” (SUTTON, 2018, p.3).

Enrigth, afirma que a terapia do perdão “tem como objetivo o atendimento de uma pessoa injustamente tratada com o propósito de: restauração da saúde emocional do perdoador e reconciliação com a outra pessoa ou pessoas se o cliente desejar reconciliar e se não houver perigo em reconciliar” (ENRIGTH, 2011, p.10).

Prisão sem muros

O ato de perdoar, mesmo o imperdoável, pode nunca vir para a pessoa que cometeu o dano, o abuso ou a infração, mas jamais deveria ser omitido da própria pessoa que sofreu o dano. Isso porque é apenas a ela que cabe colocar um final nessa “prisão do imperdoável”.  O trabalho de perdoar e se perdoar, pode ser doloroso e difícil para ambas as partes, exige, nas palavras de Sutton: “Reconciliação”, ou seja, um grande esforço de ambas as partes para que ambas as partes aceitem o perdão, perdoar e ser perdoado.

Embora seja algo trabalhoso, muitas vezes levam-se anos até que o perdão possa ser oferecido ou aceito, o perdão pode libertar as pessoas das prisões sem muro que estão sujeitas no ato da ofensa, mas que, após esse momento, já estão livres para sair dessas prisões se e apenas se perdoarem. Caso contrário, mesmo livres, se mantém presas por si mesmas ao se agarrar a dor e aquele momento de sofrimento.

Todas as amarguras contra si mesmo ou a outra pessoa podem aprisionar, enganar e arrastrar a pessoa para uma vida miserável. Por mais difícil ou impossível que seja, o perdão parece ser a única saída viável, pois, principalmente em um ato de vingança, está presente em uma nova ofensa e uma nova prisão que se estende por cada ato negativo.

Um ciclo negativo

Esses atos negativos, hoje, tomam formas diferentes na sociedade de exposição que se formou na internet como, por exemplo, o chamado “cancelamento”.

Embora não tivesse esse nome ainda, houve um caso há alguns anos onde um rapaz de família, trabalhador e fã de filmes de super-herói, tirou uma selfie diante do cartaz de um filme. Contudo, atrás dele havia uma criança que, por sinal, nem apareceu na imagem e a mãe da criança interpretou como se ele fosse um possível pedófilo. Ela espalhou imediatamente a foto dele pela internet e escreveu coisas terríveis apenas por essa suposição. No tempo que o rapaz levou para retornar para casa, a vida dele já estava destruída. Recebeu ameaças, perdeu o emprego e, mesmo a mãe da criança tendo percebido o erro, não se pode mais reparar o que havia sido feito. E, mais recente, um jovem foi simplesmente acusado de algo que não fez e, infelizmente, acabou tirando a própria vida, como em tantos outros casos, pois, principalmente a geração mais jovem, sofre com o poder destrutivo da internet. A sociedade, cada vez mais, está cheia de ferramentas para poder acabar com a vida de uma pessoa ou, por outro lado, ajuda-la de todas as formas possíveis.

Mais empatia e tolerância

O ato do perdão, por exemplo, pode começar nesses casos antes mesmo de se espalhar e se agravar, disseminando uma corrente de ódio e de amargura que força as pessoas a se aprisionarem. Se houver mais empatia e tolerância, buscar compreender o que realmente aconteceu antes de se disseminar o ódio, de forma positiva, as pessoas se tornarão melhores, assim como suas vidas. Isso porque, ao se livrar do peso da responsabilidade de sustentar a amargura, o ódio ou se ater aquele momento negativo, a pessoa está livre para retomar o controle da vida dela e fazer algo diferente com o seu futuro, deixando o passado para trás. O que, em primeira instância, significa um claro ganho pessoal e, em segundo lugar, como consequência desse crescimento pessoal, está o ganho profissional. Isso porque a pessoa, ao melhorar, pode se dedicar a carreira ou aos projetos que antes, por essa prisão de amargura, não conseguia se dedicar – tanto por pressão externa quanto por pressão interna. O ato de perdoar, também, pode se fazer presente dentro do próprio trabalho da pessoa onde, pelos mais diversos caminhos da empatia e do perdão, pode melhorar o convívio com os colegas de trabalho e clientes. Estudos científicos mergulham nesse tema e comprovam que o perdão traz benefícios a todas as esferas da vida.

E MAIS…

Um exercício prático para o perdão

Talvez um bom indicativo para compreender se estamos prontos ou não para o perdão é analisar, através do questionário desenvolvido por Thompson e Snyder (2003) – Disponível para ser feito no site em inglês: https://www.heartlandforgiveness.com/take-the-hfs.

Ao concluir o formulário é possível compreender a escala de como a pessoa perdoa a si mesma, perdoa os outros e como ela perdoa situações. É uma boa ferramenta para ser utilizada de tempos em tempos para as mais diversas situações.

REFERÊNCIAS
ENRIGHT, Robert, Psychological Science of Forgiveness: Implications for Psychotherapy and Education, USA: ACADEMIA, 2011.
HENRIQUES, Fernanda (org.), Paul Ricoeur e a Simbólica do Mal, Porto, Edições Afrontamento, 2005, pp. 35-40.
MEGASE, Kate, Unforgiveness and your health. Counselling Directory, 29 de dezembro de 2017, disponível em: https://www.counselling-directory.org.uk/memberarticles/unforgiveness-and-your-health acesso em: 08 de novembro de 2021.
PERDÂO, Etimologia da palavra perdão, Origem da Palavra, 2014, disponível em: https://origemdapalavra.com.br/pergunta/etimologia-da-palavra-perdao-2/ acesso em: 08 de novembro de 2021.
SUTTON, Phillip M., The enright process model of psychological forgiveness, 2018 disponível em: https://couragerc.org/wp-content/uploads/2018/02/Enright_Process_Forgiveness_1.pdf acessado em: 10 de novembro de 2021.
THOMPSON, Laura Y.; SNYDER, C. R., (2003). Measuring forgiveness. In Shane J. Lopez & C. R. Snyder (Eds.), Positive psychological assessment: A handbook of models and measures (pp. 301-312). Washington, DC, US: American Psychological Association.
WORTHINGTON JR, Everett L. (editor), Handbook of Forgiveness, New York: Routledge, 2005.
YOUNGER, Jarred W., et al., Dimensions of forgiveness: the views of laypersons, Journal of Social and Personal Relationships, SAGE Publications (www.sagepublications.com), Vol. 21(6): 837–855, Copyright © 2004 DOI: 10.1177/0265407504047843