Finalmente, chegamos em dezembro/2021. Com graves traumatismos da situação econômica, política e sobretudo sanitária no Brasil e no mundo. Momento para verificar o que ‘sobrou’ da devastação pandêmica (falecimento de entes queridos, sequelas fisiológicas pela contaminação da COVID-19, perda de emprego ou redução de jornada de trabalho e salário, entre outros), mas sobretudo para reflexões, reorganizações e decisões: “E agora?”.

Ciclo completo

Estamos completando o ciclo de 1 ano (que é somente a órbita da Terra em torno do Sol, para nós que saímos do século XV e deixamos há 600 anos de acreditar ingenuamente no terraplanismo e no geocentrismo, certo?), mas que para nós sempre trouxe um significado simbólico: se a Terra completou um ciclo de órbita, nós também podemos completar um ciclo e iniciar outro. Criamos expectativas de mudança, fazemos lista de promessas (ex.: emagrecer, conseguir/mudar de emprego, casar, ter filhos, mudar de casa, fazer aquele curso que estamos protelando há anos, etc…), mas nem sempre sai do papel.

Por que isso acontece?

Porque por vezes não entendemos que muitas dessas mudanças dependem exclusivamente de nós (mudar hábitos como ser desorganizado com os objetos pessoais, ter apego excessivo a objetos materiais, ter organização financeira), e existem coisas que dependem dos outros ou das circunstâncias (ex.: para casar, dependemos do consentimento da outra pessoa, da aceitação das famílias, etc.; para mudar de emprego, precisamos verificar a situação do mercado daquela outra carreira almejada, se tem vagas, se o selecionador vai nos aprovar ou não, etc.). Mas, de qualquer forma, as coisas só vão produzir algum resultado se tomarmos a iniciativa de realizá-las. As expectativas e promessas de ano novo acabam não saindo do papel se ficarmos esperando que ocorram espontaneamente, sem nosso esforço, dedicação ou persistência. Por exemplo, não vamos emagrecer somente com as expectativas, se não fizermos um planejamento com reeducação alimentar, cronograma de atividades físicas, e alguma intervenção médica (ex.: medicação, cirurgias) em último caso; não vamos conseguir comprar o apartamento novo se não fizermos uma reorganização financeira que verifique a relação recebimentos-pagamentos para verificarmos se há possibilidade de economizar, e se não identificarmos os fatores que dificultam o hábito de economizar (é renda insuficiente? é uma compulsão para compras supérfluas?). Por isso muita gente desiste até de fazer essas promessas de Ano Novo. Quando tomamos qualquer atitude, não sabemos qual será o resultado; mas, se não fizermos nada, o resultado será certo: nenhum!

E mais…

Metas concretas

“A travessia do deserto começa com o primeiro passo”, diz um ditado árabe. Quando estabelecemos metas concretas, plausíveis, alcançáveis, temos mais chances de constatar pequenos resultados. Isso vai nos motivar a almejarmos etapas posteriores e até sermos mais ambiciosos. Se criamos a expectativa de emagrecimento sem iniciativa, achando que ‘de um dia para outro’, que entre 31/12 e 01/01 a solução virá magicamente, tendemos a nos frustrar de forma mais severa. Esforço, dedicação, persistência e prudência são elementos fundamentais no planejamento do novo ano. Vamos com outros ditados árabes significativos? “Quem não sabe o que procura, não reconhece o que encontra”, e “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.

Ocorre que essa pandemia da COVID-19 nos ensinou a dar o devido valor ao que é realmente prioritário: a vida, as relações afetivas (com família, amigos) e sobretudo, o tempo. Elementos que, se perdidos ou desperdiçados, nunca mais voltam. Não podemos ‘brincar’ com as oportunidades, porque não sabemos se virá uma nova devastação pandêmica. Enquanto tivermos recursos, temos que utilizá-los, inclusive nos desfazendo de crenças, preconceitos, tabus, padrões arraigados em nosso inconsciente que se tornam ‘fossilizados’ (nos termos de MOSCOVICI, 2015[1]), sendo que FREUD, 1914[2] nos ensina que repetimos os mesmos erros enquanto não nos conscientizarmos deles. Esse é o momento de nos desprendermos do que realmente nos ‘encalha’ na vida, e planejamos o nosso Ano Novo totalmente novo, renovado com esperanças, mas também com maturidade, organização, dedicação, esforço.

Feliz Ano Novo!!!


Referências
[1] MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed.Petrópolis: Vozes, 2015.
[2] Em “Recordar, repetir e elaborar”, FREUD (1914/1980) observa que o paciente repete no relacionamento com o analista comportamentos e atitudes característicos de experiências iniciais, que ficaram reprimidas no inconsciente; mas, quando se tornam conscientes, o paciente tem a autonomia para mudar de atitude e não mais repetir tais comportamentos.
FREUD, S. (1980). Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II). In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.  Rio de Janeiro: Imago, v. 12, p. 191-203, 1914/1980.