Na nossa sociedade, o ciúme romântico sempre esteve atrelado à quantidade de amor, seguindo a lógica de que quanto mais ciúme há, mais intenso é o amor. Mas, na prática, em vez de cumprir o papel de zelar pela relação, ambas as emoções – tanto o amor, quanto o ciúme – precisam ser dosadas e vivenciadas para trazer harmonia para a relação.

É claro que há uma parcela de ciúme considerada normal nos relacionamentos amorosos. E a emoção surge como forma de reação a situações reais ou a possibilidades de traição, com a presença de um rival real ou imaginário. Neste contexto, ele é passageiro e, diante novas informações e fatos, a pessoa ciumenta consegue controlar suas emoções e pensamentos.

Mesmo que seja dolorido e triste aceitar que o parceiro possa se interessar por outra pessoa, e que possa vir a existir uma separação do casal, nesta situação de ciúme normal, a pessoa consegue superar o rompimento e perda da relação depois de um certo período de adaptação.

Quando se torna excessivo

No ciúme excessivo, ou patológico, a pessoa ciumenta tende a questionar o tempo todo a fidelidade do parceiro, distorcendo a realidade, agindo de forma irracional e fazendo interpretações erradas de eventos e informações. Ele não é passageiro e nem pontual diante de uma suspeita de traição. Muito pelo contrário.

Os comportamentos dos ciumentos excessivos são extravagantes e vão desde intermináveis interrogatórios e acusações à violação da privacidade do outro – invasão de e-mails e redes sociais, verificação de contas de cartão de crédito, checagem de suas roupas íntimas e até mesmo a perseguição física. Outra forma de tentar manter o controle da relação, é privar o outro de se relacionar com amigos, familiares e colegas de trabalho. 

Amar demais também sufoca

Outra patologia romântica que acomete cada vez mais homens e mulheres, independentemente da idade, formação ou classe social, é o que chamamos de amor patológico. 

Neste caso, a pessoa enxerga o parceiro como prioridade, cuidando excessivamente do outro e deixando de lado seus familiares, amigos, trabalho e atividades anteriormente valorizadas em prol deste relacionamento. São pessoas tão impulsivas e ansiosas quanto os ciumentos excessivos e que mantêm comportamentos que extrapolam o papel do cuidado. Ligam diversas vezes para saber como o parceiro está ou se está precisando de algo, gerenciam sua agenda, consultas médicas e se sentem invalidadas diante da presença de outras pessoas.

Patologias românticas em estudo

Distinguir as duas patologias não é tão simples. Para entender melhor a correlação entre elas, desenvolvi uma pesquisa no Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso no Hospital das Clínicas (AMITI-HC-IPq) com 32 sujeitos ciumentos e 31 com amor patológico. Foram analisadas diversas características, como personalidade, impulsividade, agressividade, sintomas ansiosos e depressivos, estilo de amor e apego.

O que podemos afirmar é que os ciumentos costumam queixar-se mais do medo da traição, o que os leva a usar todos os artifícios que têm em mãos na tentativa de controlar o parceiro. São agressivos e impacientes e parecem estar sempre numa grande competição – o ciumento, o parceiro e o rival – na qual ele sempre tem que sair vitorioso. Cabe ressaltar que a grande competição não é com o parceiro em si, mas com o rival. O ciumento excessivo preocupa-se em ser melhor, mais querido e desejado do que o outro – este julgado como aquele que tem todas as qualidades e desejos que o ciumento, em sua maioria, classifica como extremamente atrativos.

Já as pessoas com amor patológico queixam-se mais frequentemente do medo do abandono (de serem trocadas definitivamente por outro parceiro). Por isso, mantêm o parceiro como sua prioridade, se anulando com frequência, aguentam diversas traições e/ou maus tratos e permanecem na relação (mesmo que ela seja insatisfatória) na expectativa de que um dia, enfim, eles poderão viver um relacionamento satisfatório. São menos agressivas, mais melancólicas e mantêm uma preocupação excessiva em ajudar o parceiro a resolver os seus problemas.

O que têm em comum?

As principais semelhanças entre as pessoas ciumentas e aquelas caracterizadas pelo amor patológico, apontadas na minha pesquisa, mostra que tanto os ciumentos excessivos quanto os portadores de amor patológico tiveram uma infância marcada por inseguranças, ansiedade de separação e constante sensação de abandono.

Estas são as características de um estilo de apego denominado ansioso-ambivalente, pelo psicanalista John Bowlby que desenvolveu, em 1969, uma teoria com três estilos de apego para relacionar os impactos das experiências infantis na vida adulta. Os ciumentos excessivos e os amantes patológicos se diferem, portanto, daqueles que desenvolveram apego seguro na infância, tornando-se adultos autoconfiantes e capazes de manter um relacionamento.

Para finalizar, acredito que esses achados, principalmente as diferenças entre o ciúme excessivo e o amor patológico, são de extrema relevância já que potencialmente influenciarão o tipo de vínculo que será estabelecido entre o paciente e o seu terapeuta.

E MAIS…

Outras características que assemelham as patologias românticas

A pesquisa também descreve outras semelhanças nas características de ambas patologias, tais como:

– Alta prevalência de sintomas ansiosos e depressivos

– Alta impulsividade

– Baixa adequação social (tendência a reduzir eventos sociais, contato com a família e amigos)

– Baixa qualidade no relacionamento amoroso (mesmo o relacionamento sendo ruim, continuam na relação)

– Alta prevalência de ciúme

– Um estilo de amor denominado Mania, que é aquele marcado pela obsessão e possessividade